quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O vinho, a última resistência na nossa economia rural

Se duas pessoas fazem negócio é pressuposto ficarem ambos a ganhar. Um porque prescinde daquilo que lhe sobra para ele próprio poder vir a adquirir aquilo que lhe falta e outro possa ficar com aquilo de que necessita. Quando esta última exerce um papel de intermediação estamos perante um profissional do comércio, um negociante.
Se duas economias fazem negócio entre si passa-se o mesmo que entre duas pessoas. Mas se duas economias se interpenetram as consequências são bem mais vastas e mercê das diferentes etapas do desenvolvimento de cada uma podem provocar alterações estruturais irremediáveis.
A nossa economia rural sempre negociou com a insípida economia industrial e quase sempre em clara desvantagem. A verdade é que os agricultores sempre se arrogaram um papel decisivo na economia, afirmando categoricamente que sem eles a restante economia não avançava. E foram mantendo um certo equilíbrio graças à política agro-industrial de Salazar, que foi adiando a catástrofe.
Só que a economia global em que agora estamos inseridos não se compadece com a falta de produtividade que temos na nossa agricultura. O sector industrial e de serviços são o expoente desta nova economia que assenta sempre em produtos agrícolas baratos. Por isso contribui a seu modo para fazer evoluir o mundo rural, até porque também precisa deles para os transformar e vender, usurpando-lhe assim os dividendos.
O papel primordial, motor, da economia rural está hoje totalmente ultrapassado por essa confluência de interesses que lhe são adversos. A abertura da economia a zonas de maior rentabilidade conjuga-se com a alteração de hábitos de consumo e leva a um contínuo declínio do sector na economia total.
Hoje a economia rural está absolutamente dependente, sem poder de negociação, sobrevivendo em muitos caos com o apoio estatal nem sempre benéfico ou sequer recebido pelos seus verdadeiros destinatários. Há muito dinheiro que se perde pelo caminho, porque o agricultor está sempre em desvantagem.
A economia rural não consegue impor quaisquer margens de lucro. Embora sujeita às contingências do tempo, das calamidades, das pragas, não lhe é permitido, como outrora, repercutir isso nos preços. Não raro a agricultura é obrigada a vender abaixo dos custos de produção. Na zona de minifúndio em muitas situações não se fazem contas aos ganhos e perdas que ocorrem nesta actividade.
A economia procura “impingir” aquilo que é na sua fabricação mais barato e dá mais lucro. A cerveja por exemplo. Como a sua margem de lucro é exorbitante, ela poda ser utilizada na sua promoção, através dos mais diferentes meios mas que visem preferencialmente a fidelização do cliente.
Como há-de o vinho lutar contra tão forte oponente, entre outros? A economia não brinca, não tem caprichos, nem sentimentos ou gostos. Tem números, exigências, resultados. Produzir pelo menor preço, impor o consumo subvertendo os gostos e os hábitos.
Nós não estávamos acostumados e não nos preparamos para este mundo. Salazar tolheu-nos as pernas, o aventureirismo pós 25 de Abril cortou-nos as asas. Mas também nós fomos culpados por ter contribuído para o desenvolvimento da economia. É neste sentido que nos temos que convencer em que não podemos atribuir todas as culpas aos outros.
Também nós, como culpados, temos de contribuir para a solução deste problema. Se procuramos outros modos de vida haveríamos de saber que as velhas maneiras estavam irremediavelmente condenadas à perdição. Não o fizemos, como noutros tempos, pela pressão demográfica e pela fome mas sim pela redução comparativa de rendimentos e pela chegada até nós dos inconvenientes e de nenhuma vantagem de uma nova civilização.
O mundo rural não mais será igual na zona do minifúndio. Zonas há que vão resistindo mais do que outras ao impacto da economia mas todas acabarão por soçobrar se não houver mudanças e apostas acertadas. A economia rural entendida só como complemento não tem futuro garantido. A economia familiar constrói-se hoje na base de outros princípios e valores.
O número daqueles que são só e exclusivamente lavradores diminuiu drasticamente. Mas nem esses têm o futuro garantido porque lhes falta capital para resistir. Até estes se terão que convencer que a vulnerabilidade do sector rural não é hoje maior ou menor que qualquer um dos subsectores industriais ou de serviços, mas os meios são diferentes, na agricultura não há deslocalização e as reconversões são difíceis e morosas.