sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O tempo da natureza, do trabalho e da festa

A proletarização da população portuguesa é um fenómeno relativamente recente. Proletarização no sentido mais lato de desvinculação da terra, de deixar de depender desta para o seu sustento, de fuga ao carácter cíclico da natureza, de chegada a um mundo de total dependência do exterior.
A maioria dos homens passaram a trabalhar para um indivíduo ou para uma organização em regime de exclusividade e sem outro pagamento senão o dinheiro. Alguns com mais sorte podem beneficiar com o trabalho dos outros se tiverem engenho e arte para os organizar sob a sua dependência.
O trabalho rural, seja de auto-subsistência, seja de assalariado, tem agora o carácter residual que em tempo era assumido pelo trabalho industrial. Este, associado ou integrando novas formas de trabalho, tomou o lugar primordial em termos qualitativos e quantitativos.
Podemos verificar que entre as novas formas de trabalho se pode incluir a gestão e a administração, o trabalho técnico e o operacional, o de investigação e o de manutenção, o aprovisionamento e a limpeza, genericamente todos são prestados da mesma forma do trabalho industrial.
O tempo em que o trabalho rural era entendido como o espaço normal das pessoas está quase definitivamente abandonado. Procurou-se durante demasiado tempo com medidas irrealistas, não apropriadas que o trabalho não agrícola não destroçasse o equilíbrio existente entre o homem e a natureza.
Cultivou-se um bucolismo serôdio para lutar contra a inexorabilidade do tempo. Criaram-se situações, como o sacrifício da unidade familiar, cujo corpo maior era mantido naquele espaço rural e o homem era destacado para essa actividade industrial, que não podiam perdurar sempre.
Uma ilusão se criou também para os mais favorecidos e se difundiu como verdade assumida: Seria possível disseminar toda a indústria e serviços pelo espaço rural de modo a que a família não fosse obrigada a desmembrar-se para exercer o seu trabalho e pelo menos alguns dos seus membros se pudessem manter pelo trabalho em contacto com a natureza.
Tomava-se como exemplo as indústrias de mão-de-obra intensiva, como o calçado e a confecção, facilmente instaladas no meio rural para aproveitar a mão-de-obra excedentária da agricultura. Mas esta situação revelou-se transitória e se aumentou os rendimentos de modo a reter alguma população não alterou significativamente a qualidade do trabalho e manteve a procura de trabalhos melhor qualificados e remunerados.
A tentativa de conciliação entre trabalho rural e não rural na mesma família, de modo a não a separar, mesmo que temporariamente, deu origem a uma desigualdade familiar insuportável. A interdependência é cada vez mais rejeitada, antes se busca a igualdade através da criação das mesmas possibilidades de obtenção de recursos.
Cada vez mais se caminha para o delimitar dos campos de actuação dos indivíduos e das unidades familiares, com a junção dos elementos da família no mesmo espaço de vida e de trabalho. Um dos efeitos evidentes, imediatos e irreversíveis é o abandono dos campos, a desertificação do interior.
A atractividade da vida urbana vai fazendo o seu percurso e embora continue a haver uma manifesta desigualdade nos rendimentos dos géneros, por habilitações literárias, por sectores, há uma vida social urbana que vai fazendo esvanecer essa diferenciação.
Os movimentos de regresso à terra, que por vezes se esboçam, não têm dimensão, não representam fenómenos de massas, não têm carácter definitivo, são, pelo contrário, manifestações ostentadoras, com carácter temporário, que se esboroam com o tempo.
Mesmo os investimentos que o Estado faz, cada vez menos directamente e mais através das autarquias, não tem efeitos práticos visíveis. O investimento não é reprodutivo, parece que todo se esvai no ar como o fogo de artifício das festas que cada vez mais proliferam por todos os cantos e esquinas deste País.
Afinal que maior felicidade podemos almejar que esta. O melhor do tempo é aquele que se passa a festejar, já que o resto sempre teremos que o passar a trabalhar e aí qualquer disposição serve. O trabalho é sempre um sacrifício e se podermos acusar alguém da sua dureza parece que ficamos mais aliviados.
Aquilo de que nós mais podemos acusar os políticos não é de estragarem o dinheiro, seja em festas, seja em sumptuosidades inúteis, antes é de desconhecerem o futuro ou, o que será pior, de o ignorarem deliberadamente. A economia faz o seu percurso quase autónomo e, se o Estado não nos alerta para ele, não somos nós que temos meios para o descobrir.
O homem, hoje liberto do ciclo das colheitas, não tem referências que não seja o dinheiro que possa angariar em confronto com o dinheiro dos outros e o grau de segurança que o Estado lhe possa dar.No fundo como acreditamos pouco em nós próprios, como ignoramos as subtilezas da economia, como associamos segurança a riqueza, entregamos alegremente o futuro nas mãos dos políticos e vamos à festa.