sexta-feira, 13 de julho de 2007

Como não alimentar a nossa inveja

No relacionamento humano há um sentimento que valoriza as relações mais afastadas e inquina as mais próximas: a inveja. Naqueles que vagamente conhecemos e/ou com quem mantemos relações distantes e virtuais facilmente encontramos motivos de admiração que subtraímos ao lodaçal do sentimento da inveja. Os próximos são sempre piores.
Em quem, senão nos que utilizam o mesmo caminho que é o “nosso”, havemos de alimentar a nossa cobiça? No entanto, se há quem queremos que confie em nós são precisamente os que partilham esse caminho. Normalmente, porque os queremos ao nosso lado, escusamos de lhes manifestar qualquer rivalidade.
Até que é a interactividade que permite que se crie uma emulação salutar, como base para dar bons resultados. Mas é a proximidade que leva à aversão ou ao desrespeito dos outros. Por isso muitos, quando são suficientemente independentes, se afastam e isolam de relações que suspeitam serem potencialmente geradoras de inveja. São as pessoas avisadas que se retraem nos relacionamentos e os restringem ao essencial.
Porém nós não podemos assentar a nossa vida nesta desconfiança permanente. Temos que saber conviver com ela, exorcizá-la ao máximo mas ser realista. Alguma inveja é sempre inevitável porque ela é apanágio das sociedades livres em que nós queremos viver.
Paradoxalmente no regime de Salazar a inveja não despontava facilmente. Quase todos se sujeitavam a aceitar o seu lugar pré-estabelecido. Éramos humildes e resignados mas só o éramos à força.
Hoje a inveja é dos tais sentimentos sempre latentes, ora incómodos ora prontos a explodir destemperadamente em caso de grave conflito e/ou quando acharmos conveniente. È a inveja que muitas vezes nos faz pôr mal dispostos por não podermos negar a sua existência mas nos dá força para lutar.
De qualquer maneira é possível falar do invejoso como aquele, secretamente ou não, faz da inveja o principal alimento da sua vontade de vencer, de ultrapassar os outros e que utiliza o seu eventual sucesso de modo mais egoísta do que seja considerado normal.
Em liberdade qualquer um pode sonhar “subir na vida” com ou sem respeito pelas regras sociais. Mas o invejoso quer é mesmo subir na vida e leva essa liberdade ao extremo, torna-se exacerbadamente individualista ao ponto de só acreditar em si e de estar sempre alerta, não vão os outros passar-lhe à frente.
Que se cuidem aqueles que se cruzem no seu invejado caminho, é o pensamento do inveterado invejoso, no seu fraco entendimento. Porque invariavelmente ele leva a sua avante. Tem um estilo que lhe permite estar bem na sociedade ou nalgum grupo mais restrito e mais permissivo.
O invejoso procura o “bom” relacionamento social. Aí sempre poderá conseguir os apoios que lhe faltam, mas sabe que vai encontrar resistências. Pelo que não descura o “mau” relacionamento, mesmo que a desgosto, na necessidade que sente de suprir a falta daqueles apoios.
O invejoso, pela sua sensibilidade ao antagonismo, tem imensa dificuldade em manter amizades, principalmente se não encontra receptividade para que lhe alimentem o ego e não vê de onde possa vir ajuda para os seus planos ascensionais. A contra-gosto vai tolerando manifestações de indiferença, mas ser repudiado é que ele não tolera.
Tudo se agrava se quem ele “quer” que se comporte como seu submisso apoiante toma destas atitudes. Quem se coloca fora dos seus planos reais ou virtuais de poder ser utilizado como apoio à sua ascensão pode vir a ser vítima da sua raiva. Não só descarta as pessoas que lhe “falham” mas até as toma por traidoras mesmo que nunca tenha feito qualquer pacto com elas.
Este invejoso é aquele presunçoso que sempre que pode se envolve numa teia social. Ambiciona a liderança mas mede bem os passos que dá. Carece de aliados e dá-se bem nos círculos em que vigora o elogio recíproco. Mantém quanto pode escondido o seu jogo e nunca o abre à totalidade dos seus confrades. Preguiçoso, está sobremaneira preparado para ocupar o vazio.
Este invejoso, no seu mercadejar constante, não conhece a lealdade. Coisa pouca ou nenhuma afinal no seu universo de valores. Tudo para ele é temporário e quebradiço. Às quebras dos comportamentos esperados dos outros chama traição, às suas inflexões chama conveniências.
Actuando sempre sob reserva mental, abre o jogo só àqueles de quem precisa no momento. Nunca prescinde do lugar que já tenha ocupado. Se pode armadilha o caminho aos outros. No geral porém é imprudente ao subestimar exageradamente a força dos seus opositores.
Este invejoso designa-se popularmente por “cão que não conhece dono”. Assume facilmente a postura de dono para exigir subserviência. O impudor e a arrogância até o levam a confundir qualquer outro sentimento mais nobre com este, sinal de que nunca pensa retribuir
Em relação a algumas pessoas que poderiam ser incluídas nesta classificação, a nossa reacção, se pode assumir a reserva mais arreigada, não deve ultrapassar a simples desconfiança, o normal “estar de pé atrás”. Temos de achar o equilíbrio entre não deixarmos que a suspeita viva permanentemente no nosso espírito e não nos deixarmos passar por parvos.