Muitas festas se fazem, algumas perduram durante uns anos, mas, subitamente, finam-se com certeza porque se deterioraram, porque perderam o brilho. Às vezes até acabam por terem sido copiadas com sucesso para um lugar que se veio a mostrar mais adequado. Como se diz agora, foram deslocalizadas.
Muitas festas desvirtuaram-se, adaptaram-se aos novos tempos para além do razoável. Tal tem acontecido um pouco por todo o lado e dado literalmente cabo de muitas das festas tradicionais.
As Feiras Novas, pelo contrário, parecem imunes a estas mutações, estão perfeitamente localizadas, são nossas, de quem se fizer convidado e vier por bem, que é sempre bem recebido. As Feiras Novas são únicas e inimitáveis.
Vêm roulotes e atrelados de todo o lado e a tempo de ocupar os lugares já escolhidos de há muitos anos e que se não trocam, mesmo se as condições são menos próprias. As casas também se abrem fraternalmente a amigos de outros tempos e aos que são trazidos de ocasião.
Vêm pessoas por um dia mas muitas não perdem a festa inteira. O apelo da festa é irresistível para quem já cá veio alguma vez. Vem gente até de onde não lembraria ao diabo. Depois vêm também os curiosos, aquelas pessoas à procura da alegria daquele encontro com quem nunca se encontraram. Mas que, se não for neste, há-de acontecer para o ano.
Os homens nunca se limitaram a manter entre si somente relações de carácter permanente. A vida faz-se de muitos encontros espontâneos e fortuitos, de reencontros e de revivências. Se, nestas festas, muitos encontros são esperados e até programados, ainda há muito daquele imprevisto que dá colorido à existência.
Mas os relacionamentos pessoais circunscrevem-se cada vez mais a círculos fechados, restringem-se em cada caso a motivos certos, específicos, já quase planeadas e previamente definidas. Simplificando, tudo se resume a uma partilha em condições que se preservam e não generalizam.
Cada vez há mais locais apropriados, mais especializados, para que aí se mantenham relações normais de convívio. As pessoas também sabem onde se devem dirigir para simular a participação numa festa. Comercialmente tudo é fornecido e naturalmente explorado.
Também se corre o risco de a Internet passar a ser menos uma janela para o mundo e a ser mais um refúgio num mundo adverso, cada vez menos feito à medida do homem. Na rede mundial, outros mundos se podem criar artificialmente.
Mas estas festas mantêm a velha traça de local para a mais ingénua e pura vivência e para a partilha da alegria. Cada um só trás consigo o que tem de mais genuíno, ou então rapidamente se despe de preconceitos.
As Feiras Novas mantêm o seu brilho próprio e, malgrado algum atentado de que têm sido vítimas, subsistem muitas das características que fizeram delas aquelas festas genuínas, com um ambiente cordial para o negócio e alegre para o divertimento.
Se não vale a pena realçar os seus pontos negativos, também não é necessário escondê-los. Tão só notar que eles se têm agravado. Principalmente nos quinze dias anteriores e posteriores às Feiras Novas, a Vila de Ponte de Lima é tomada literalmente de assalto, é instalado um imenso acampamento selvagem.
Atropelam-se todas as regras, adulteram-se todas as convenções, conspurca-se todo o espaço, impregna-se a atmosfera que respiramos dos cheiros mais estranhos, põe-se no ar ruídos agressivos e inabituais.
Alguns dos cá da casa queixam-se do barulho, mas não fogem mesmo que tenham para onde. Todos nos esquecemos de algum inconveniente, de algum atropelo que sempre aparece, até de algum sacrifício e todos nos juntamos à festa.
Os de fora adoram esta confusão e este rebuliço e chegam-se a eles. É o apelo dos bombos com os seus gigantones, dos gaiteiros e concertinas. São as bandas musicais com os seus acordes, ora suaves ora subitamente retumbantes.
Paramos para os ver passar, para os ouvir, para partilhar. Todos ocorrem aos acordes harmoniosos das concertinas, às danças e às cantigas aos desafio, brejeiras, que se já lá vão os cantadores que invocavam as escrituras sagradas.
Não há ruído que nos perturbe porque só temos ouvidos para a harmonia. Até o fogo de artifício, magnífico e esplendoroso, se assusta e deslumbra, logo coloca uma harmonia radiosa neste aparente caos.
Uns não dormem porque não podem, custa-lhes a aguentar esta súbita alteração da habitual acalmia. Mas outros não dormem porque não querem. Ou dormem a desoras, quando já não houver forças para mais.
Se às vezes a festa parece fraca, logo estará de arromba. Se o sortilégio nos não atinge neste momento, ele nos atingirá com certeza para o próximo. Ninguém quer e ninguém fica de fora.
Houve anos em que choveu imenso e a festa não abrandou. Houve anos em que o rio nos atraiçoou e a festa mesmo assim continuou. O desânimo não nos atinge, não passa por cá.
A festa tocar-nos-á sempre, estejamos nós ou não predispostos a ela. Alguém se encarregará de lançar um rastilho a qualquer momento. Com pouca brasa já se fará um grande braseiro. O fogo da festa a todos vai contagiar.
Para todos haverá a sua parcela da festa para partilhar. Todos, à sua maneira, também vão contribuir para ela. Ninguém cura de saber se é maior o quinhão que dá às festas ou aquele que recebe.
O prodígio das Feiras Novas ainda vem do tempo das festas das colheitas, quando, passado um verão de trabalho, havia que ganhar ânimo para levar de vencida o que neste ano ainda faltava fazer.
Com as festas acumulavam-se forças para ultrapassar da melhor maneira um Outono que se avizinhava e que mais parecia um Inverno. As festas eram um breve interregno revitalizador na labuta de todos os dias.
Com as festas celebrava-se o sucesso de um ano agrícola. Hoje já não é bem assim, mas elas continuam a ser o fim de um ciclo. Vai começar um novo ano escolar, podemos dizer um novo ano económico e de trabalho.
Na festa esconjuramos o espírito do medo, abraçamos decididamente o futuro. Na festa preparamo-nos para os momentos de tristeza, mas abrimos os nossos braços à esperança.
… que para o ano há mais, com mais força e energia, aqui, neste lugar ímpar e grandioso.
Muitas festas desvirtuaram-se, adaptaram-se aos novos tempos para além do razoável. Tal tem acontecido um pouco por todo o lado e dado literalmente cabo de muitas das festas tradicionais.
As Feiras Novas, pelo contrário, parecem imunes a estas mutações, estão perfeitamente localizadas, são nossas, de quem se fizer convidado e vier por bem, que é sempre bem recebido. As Feiras Novas são únicas e inimitáveis.
Vêm roulotes e atrelados de todo o lado e a tempo de ocupar os lugares já escolhidos de há muitos anos e que se não trocam, mesmo se as condições são menos próprias. As casas também se abrem fraternalmente a amigos de outros tempos e aos que são trazidos de ocasião.
Vêm pessoas por um dia mas muitas não perdem a festa inteira. O apelo da festa é irresistível para quem já cá veio alguma vez. Vem gente até de onde não lembraria ao diabo. Depois vêm também os curiosos, aquelas pessoas à procura da alegria daquele encontro com quem nunca se encontraram. Mas que, se não for neste, há-de acontecer para o ano.
Os homens nunca se limitaram a manter entre si somente relações de carácter permanente. A vida faz-se de muitos encontros espontâneos e fortuitos, de reencontros e de revivências. Se, nestas festas, muitos encontros são esperados e até programados, ainda há muito daquele imprevisto que dá colorido à existência.
Mas os relacionamentos pessoais circunscrevem-se cada vez mais a círculos fechados, restringem-se em cada caso a motivos certos, específicos, já quase planeadas e previamente definidas. Simplificando, tudo se resume a uma partilha em condições que se preservam e não generalizam.
Cada vez há mais locais apropriados, mais especializados, para que aí se mantenham relações normais de convívio. As pessoas também sabem onde se devem dirigir para simular a participação numa festa. Comercialmente tudo é fornecido e naturalmente explorado.
Também se corre o risco de a Internet passar a ser menos uma janela para o mundo e a ser mais um refúgio num mundo adverso, cada vez menos feito à medida do homem. Na rede mundial, outros mundos se podem criar artificialmente.
Mas estas festas mantêm a velha traça de local para a mais ingénua e pura vivência e para a partilha da alegria. Cada um só trás consigo o que tem de mais genuíno, ou então rapidamente se despe de preconceitos.
As Feiras Novas mantêm o seu brilho próprio e, malgrado algum atentado de que têm sido vítimas, subsistem muitas das características que fizeram delas aquelas festas genuínas, com um ambiente cordial para o negócio e alegre para o divertimento.
Se não vale a pena realçar os seus pontos negativos, também não é necessário escondê-los. Tão só notar que eles se têm agravado. Principalmente nos quinze dias anteriores e posteriores às Feiras Novas, a Vila de Ponte de Lima é tomada literalmente de assalto, é instalado um imenso acampamento selvagem.
Atropelam-se todas as regras, adulteram-se todas as convenções, conspurca-se todo o espaço, impregna-se a atmosfera que respiramos dos cheiros mais estranhos, põe-se no ar ruídos agressivos e inabituais.
Alguns dos cá da casa queixam-se do barulho, mas não fogem mesmo que tenham para onde. Todos nos esquecemos de algum inconveniente, de algum atropelo que sempre aparece, até de algum sacrifício e todos nos juntamos à festa.
Os de fora adoram esta confusão e este rebuliço e chegam-se a eles. É o apelo dos bombos com os seus gigantones, dos gaiteiros e concertinas. São as bandas musicais com os seus acordes, ora suaves ora subitamente retumbantes.
Paramos para os ver passar, para os ouvir, para partilhar. Todos ocorrem aos acordes harmoniosos das concertinas, às danças e às cantigas aos desafio, brejeiras, que se já lá vão os cantadores que invocavam as escrituras sagradas.
Não há ruído que nos perturbe porque só temos ouvidos para a harmonia. Até o fogo de artifício, magnífico e esplendoroso, se assusta e deslumbra, logo coloca uma harmonia radiosa neste aparente caos.
Uns não dormem porque não podem, custa-lhes a aguentar esta súbita alteração da habitual acalmia. Mas outros não dormem porque não querem. Ou dormem a desoras, quando já não houver forças para mais.
Se às vezes a festa parece fraca, logo estará de arromba. Se o sortilégio nos não atinge neste momento, ele nos atingirá com certeza para o próximo. Ninguém quer e ninguém fica de fora.
Houve anos em que choveu imenso e a festa não abrandou. Houve anos em que o rio nos atraiçoou e a festa mesmo assim continuou. O desânimo não nos atinge, não passa por cá.
A festa tocar-nos-á sempre, estejamos nós ou não predispostos a ela. Alguém se encarregará de lançar um rastilho a qualquer momento. Com pouca brasa já se fará um grande braseiro. O fogo da festa a todos vai contagiar.
Para todos haverá a sua parcela da festa para partilhar. Todos, à sua maneira, também vão contribuir para ela. Ninguém cura de saber se é maior o quinhão que dá às festas ou aquele que recebe.
O prodígio das Feiras Novas ainda vem do tempo das festas das colheitas, quando, passado um verão de trabalho, havia que ganhar ânimo para levar de vencida o que neste ano ainda faltava fazer.
Com as festas acumulavam-se forças para ultrapassar da melhor maneira um Outono que se avizinhava e que mais parecia um Inverno. As festas eram um breve interregno revitalizador na labuta de todos os dias.
Com as festas celebrava-se o sucesso de um ano agrícola. Hoje já não é bem assim, mas elas continuam a ser o fim de um ciclo. Vai começar um novo ano escolar, podemos dizer um novo ano económico e de trabalho.
Na festa esconjuramos o espírito do medo, abraçamos decididamente o futuro. Na festa preparamo-nos para os momentos de tristeza, mas abrimos os nossos braços à esperança.
… que para o ano há mais, com mais força e energia, aqui, neste lugar ímpar e grandioso.