Em determinados momentos históricos surgiu uma ideia benévola de que tudo devíamos fazer para que o Partido Comunista (PC) evoluísse e abandonasse o estalinismo ou em alternativa se criasse um partido novo capaz de ser o depositário daquele repositório de bons princípios que ainda há quem julgue que o marxismo poderá ser. O PC sempre se riu desses propósitos, mas sempre levou a sério os opositores internos e externos da sua direcção. Sempre manteve os seus oponentes à distância, conseguindo o controle do aparelho e da ideologia. Porém as munições usadas para atacar os velhos partidos e grupos radicais que tentaram ocupar o seu lugar já não têm sido tão eficazes contra o Bloco de Esquerda (BE). A ideia de muitos que procuraram uma alternativa ao PC passava pela sua própria mudança ou pela ocupação do seu lugar, tornando esse lugar mais radical e menos conciliador com os preceitos democráticos. Tal ideia sempre foi partilhada por muitos dos dirigentes actuais do BE que passaram a sua juventude no próprio PC ou em grupos concorrentes que o PC apelidava de grupelhos por não seguirem a ortodoxia soviética. Perante a forte resistência do PC eles cederam. Mesmo acabado o País dos Sovietes o PC aguentou a sua própria ortodoxia, sem grandes referentes externos, mas paradoxalmente tal facto também retirou aos opositores muitos dos argumentos que usavam. Diferente da ideia desses dirigentes era o pensamento do eleitorado. Permaneceu neste a ideia benévola de um partido de esquerda, verdadeiramente socialista. Porém numa atitude suicida o Bloco está cada vez mais longe desse objectivo e quer-se parecer cada vez mais com o PC. O radicalismo do Bloco, a sua política de terra queimada, a tenacidade com que pretende obter o apoio duma classe média egoísta, com a sua pretensa elevação intelectual, já não corresponde ao perfil de um partido não sectário, capaz de contribuir para que, no quadro de uma esquerda não monolítica, vençam as ideias mais inovadoras e solidárias. O Bloco distancia-se cada vez mais do humanismo e cada vez menos do PC. Desencadeou-se uma guerra permanente e uma constante manifestação das diferenças, com o uso de uma linguagem depreciativa e mesmo ofensiva em relação a quem não comungue das suas ideias terroristas. Seguiu-se a prática habitual dos partidos ditos mais à esquerda destinada a manter inviolável o seu espaço político. Porém, à medida que os discursos se aproximam entre o Bloco e o PC, vai-se verificando que a sua convergência faz com que o seu peso total diminua, necessariamente à custa do elemento mais fraco, o Bloco. Confirmam-se os receios de absorção que sempre existiram ao tentar criar uma alternativa não alinhada entre a esquerda monolítica e a esquerda reformista. Muitos recordarão que em política quando se mete uma ideia na gaveta, nunca de lá sairá pelas mesmas mãos. A ideia de um partido “verdadeiramente socialista”, dum partido devidamente estruturado para não ceder ao radicalismo, mas igualmente estruturado para não colocar o socialismo na gaveta mantém-se no imaginário social. O PS desiludiu, o Bloco só iludiu incautos. Continua a existir um lugar vago, sente-se ainda a necessidade dum partido bem definido à esquerda. Esse lugar só pode ser aquele que está a ser indevidamente ocupado pelo Bloco. Este partido ocupou temporariamente no imaginário popular aquele lugar ideal, mas enquistou-se e bloqueou as hipóteses de um governo à esquerda. O Bloco é mesmo uma rocha pesada e sem alma. À medida que cresceu, este BE mais se tem tornado um partido truculento, sempre pronto a adoptar como suas todas as lutas, sempre dispostos a não deixar ao PC a iniciativa em termos de contestação e oposição. O BE só não consegue roubar ao PC os métodos, a ideologia tornou-se supletiva ou mesmo dispensável, só em termos de radicalidade se nota alguma diferença. No entanto a originalidade inicial do BE foi-se diluindo perante a agressividade com que se tem disposto a lutar pelo lugar do PC no panorama político. O BE cedeu ao tacticismo, ou praticismo imediatista, de curto prazo. Como pode um partido de esquerda deixar-se envolver na mesma luta política da direita, utilizar os mesmos sentimentos da direita, defender os mesmos estratos sociais, utilizando os mesmos argumentos economicistas? Não se vêem ideias sobre a forma de construir uma alternativa a uma forma de governar típica da direita. Vemos dois partidos, o PC e o BE, que se combatem pelo mesmo espaço político, não se distinguem diferenças nos seus propósitos, têm linguagens similares, caminham para o mesmo modelo de centralismo organizativo. O que os distingue é a sua implantação, tanto a nível de imaginário popular, como a nível de organizações sociais, em particular no sindicalismo. Neste aspecto o Bloco não é alternativa ao PC, nem ajuda a criar uma alternativa à direita. O facto do BE ser um partido novo, sem uma passado pelo qual se responsabilize, mas também sem passado que o credibilize, parece levá-lo a querer disputar a respeitabilidade alheia sem curar de fazer o seu próprio percurso. O BE nasceu da diferença e deixou-se arrastar pela similitude de discurso. Um dos motivos desta colagem é não ter, nem de perto nem de longe, a mesma capacidade mobilizadora do PC. O Bloco não lançou ancoras para o futuro. As poucas iniciativas nesse sentido não são suficientes para abrir um percurso alternativo, para cimentar um conjunto de ideias próprias, para constituir uma alternativa mesmo que contra o PS, mas mais apelativa do que o velho comunismo. A simpatia com que algum eleitorado viu o BE derivava do surgimento de uma esquerda sem as maleitas, os vícios e trejeitos de uma esquerda facciosa e rancorosa, que não desculpava as ideias alheias. Não se via no BE um concorrente directo ao PC a utilizar as mesmas armas e as mesmas pessoas. Via-se no BE uma esquerda sem mácula, sem utilizar as velhas ideias da inveja e do ódio sociais. Esperava-se um partido construtivo. No entanto os genes dessas ideias velhas e corrosivas estava lá, no seu núcleo duro, nos fantasmas do passado, reminiscências reavivadas de lutas ultrapassadas, fora do tempo. Afinal a alternativa secou. Esta alternativa era falaciosa, só nos resta a esquerda reformista.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário