A educação mais antiga de que temos algum conhecimento, se de educação a podemos apelidar, passava por nos convencermos que nem todos tínhamos o direito de exercer todos os nossos instintos. Cada grupo da hierarquia social tinha os seus direitos, alguns partilhados com outros grupos, mas também alguns que lhe eram outorgados com certa exclusividade. A educação servia o poder e à sua consolidação. Os Estados com alguma estrutura preocupavam-se com a educação dum número restrito dos seus habitantes e os outros ficavam limitados à educação religiosa, mais preocupada com deveres do que com direitos e a sua partilha. A educação moderna também se não preocupou directamente com a partilha de direitos, somente se ocupou da sublimação daqueles instintos por parte de sectores mais vastos ou da generalidade da população como forma de atenuar a conflitualidade social. Partindo do princípio de que o homem é intrinsecamente mau, o progresso basear-se-ia em substituir os piores instintos, os mais agressivos, por instintos cada vez mais moderados. As reacções ofensivas teriam assim uma forma de controlo da sua intensidade. Dessa forma, sempre que houvessem conflitos, eles seriam resolvidos a um nível de agressividade mais reduzida. A educação moderna é um esforço intelectual meritório que o poder nem sempre acompanhou. Em especial no século vinte surgiram mesmo regimes totalitários que promoveram uma acção inversa de partilha de instintos agressivos, confiantes em que seriam capazes de os satisfazer e de consolidar por essa via o seu poder. Felizmente os regimes totalitários foram derrotados, tanto na Alemanha como na Rússia. A modernidade foi entretanto fazendo o seu caminho em países como a Inglaterra e a França, cuja base cultural, embora com muito custo, foi sendo suficiente para suster as tentativas regressivas. Em várias épocas da história se pode falar de um tipo de educação moderna que soçobrou perante o reavivar de fundamentalismos ancestrais, muitas vezes trazidos por invasores ou imigrantes que acabaram glorificados. Com base nessas experiências históricas os teóricos de direita defendem que a educação de tipo moderno traz atrás de si inevitavelmente a decadência. Na realidade essas experiências provam que a nível global temos de estar preparados para nos defendermos dos perigos que possam ocorrer e a sublimação dos instintos, que por essa razão existem, nem sempre é a melhor solução. Mas se cedermos aos instintos na sua forma primária estaremos a pôr em perigo os sistemas de valores que o homem foi construindo. A maioria dos Estados faz hoje sérias tentativas para conciliar a necessidade de defesa com a manutenção de direitos já quase dados por adquiridos, como a eliminação da violência nas relações sociais. Porém a dificuldade dessa conciliação, mais a dificuldade de identificar com precisão todos os perigos que podem ocorrer, criam nos Estados mais débeis a impressão de que está em causa a sua sobrevivência e a própria estabilidade social. Esta questão leva a direita a pôr em causa a continuação da educação moderna sustentada naquele princípio de sublimação dos instintos, o que criaria um homem fraco. Não seremos nós capazes de, por via intelectual, com a compreensão da natureza e modo de actuação dos nossos instintos, tratar directamente deles, sem necessidade da sua sublimação? Não podemos nós ter o domínio absoluto de nós mesmos e podermos utilizar as armas ancestrais de que dispomos por via daqueles instintos quando houver necessidade disso? Decerto que é um caminho difícil, mas capaz de levar a um novo tipo de educação a que podemos chamar de pós-moderna. Tratar-se-ia de alterar o imperativo de dar satisfação a um instinto sublimado por uma de duas vias possíveis. Uma via longa de conseguir o domínio absoluto sobre o surgimento dos instintos, na linha de uma mudança radical do homem. Haveria por essa via uma eliminação de um certo tipo de reacções de que somos portadores por terem assumido um carácter genético. Uma via mais curta e mais viável de tornar selectiva a resposta ao despoletar dum instinto. Uma inibição de natureza intelectual exercer-se-ia sobre a própria resposta, o que teria a vantagem de permitir que o processo inverso pudesse ser adoptado no caso de necessidade absoluta. Durante a nossa longa evolução fomos capazes de ir retardando as nossas respostas instintivas. O espírito de sobrevivência que nos levou a adoptar procedimentos rápidos em situações graves ter-nos-ia levado à sua ponderação até limites razoáveis. Porque não seremos capazes de uma inibição absoluta? Efectivamente em princípio fomos levados a adoptar, gravar e a despoletar de uma forma automática alguns procedimentos rápidos essenciais à nossa defesa e sobrevivência. A organização social impôs-nos restrições a esta forma de agir através da competição, da luta e da subjugação. A melhoria da organização social levou-nos a uma avaliação mais consciente dos pós e contras dessas atitudes espontâneas e à supressão prática de atitudes automáticas, pelo menos por parte dos que estão inibidos de exercer o poder. Este modo de agir baseia-se no princípio de que é necessário o apoio de alguma forma de coacção para levar à assumpção de uma qualquer forma de avaliação “consciente”. Assim, dissimulada embora a coacção, a sociedade vai incutindo na sua juventude uma ponderação atempada, o que não evita outras coacções pela vida fora. Nem todos aceitam participar numa sublimação de instintos agressivos, alguns até os cultivam. Não estaremos já suficientemente evoluídos a nível de capacidades intelectuais para substituir todos os processos mais ou menos coercivos e agir numa liberdade que assente na ponderação adequada num tempo de resposta que a situação justifique? Hoje a situação social é esquizofrénica. Homens teoricamente preparados para adoptar e agir segundo princípios de uma educação pós-moderna fazem tudo para manipular outros homens, a maioria dos quais é decerto prisioneira dos seus pequenos circuitos comportamentais que não conhecem paragem ou retrocesso por via dos processos intelectuais de que estão imbuídos. Toda a educação só é efectivamente eficaz se for suficientemente abrangente para não permitir movimentos contrários ao progresso da humanidade.
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