sexta-feira, 27 de março de 2009

A satisfação com o trabalho e a satisfação com o cargo

Muitos de nós tivemos a ilusão de que seria possível a existência de uma sociedade de funções em que o seu desempenho não constituiria qualquer caracterização do homem. Imaginava-se uma integração social absoluta e um respeito absoluto pela individualidade que teria a suficiente liberdade para a desenvolver. Pura utopia, é evidente.
A sociedade tal como a conhecemos permite-nos apostar em duas formas possíveis de integração e o desenvolvimento pessoal está condicionado por elas mas também por múltiplos outros factores. Normalmente damos primordial importância à independência económica, base para que possamos desenvolver outras vertentes, se assim entendermos. A primeira caracterização do homem passa pelo seu trabalho.
Numa segunda escala dos valores colocamos o papel social, realizado segundo o princípio da nossa liberdade de iniciativa e da oportunidade social, mas também muitas vezes usado somente como justificação para a nossa reivindicação de independência económica. A relação entre papel social e situação económica nem sempre é pacífica.
São duas as formas de integração social mais comuns e passam pela empregabilidade e pelo empreendorismo, mas não estaremos longe da verdade se colocarmos como suprema ambição do homem a ociosidade. No entanto a mais banal dos nossos percursos leva-nos a lutar pela preparação para o desempenho de uma função numa qualquer organização de que não somos proprietários, uma luta pela empregabilidade.
Já a existência de alguns factos favoráveis nos podem levar a desenvolver uma superior capacidade de iniciativa, mas também uma capacidade própria para manter vivo um projecto, para assegurar a continuidade de uma organização. Muitos empreendedores começam bem mas falham e a razão maior é o excesso de confiança. A satisfação que se tira é muito subjectiva, mas é sempre fraca se só passa por não estar dependente.
Porém uma das razões que dá origem a mais falhanços entre aqueles que não têm que ter “patrões” é a ociosidade. O acompanhamento que qualquer negócio exige não se compadece com uma entrega absoluta ao ócio. Poucos terão a sorte de puderem vir a beneficiar verdadeiramente deste estado que nos pode dar o tempo de reflexão que a vida normal no geral nos não faculta.
O que acaba por tocar a quase todos é pois sermos empregados. A diversidade do emprego tem aumentado continuamente. No tempo em que a agricultura era a principal actividade, os comerciantes e os artesões eram os únicos empregadores. Outros serviços e mesmo da área cultural só estavam as dispor dos Reis e de alguns poderosos.
O desenvolvimento da indústria trouxe desenvolvimento do comércio, dos transportes e mais tarde derivou para novas áreas como a energia, as comunicações, os serviços pessoais. Também as organizações se foram tornando cada vez mais complexas e portanto a necessitar de pessoas capacitadas para desempenhar funções a diferentes níveis de responsabilidade.
O emprego evoluiu de modo a corresponder a cargos e a dar às pessoas posições na escala social. Estão disponíveis aos empregados diferentes papéis sociais. A alguns são atribuídos poderes que, sendo específicos, não deixam de ser relevantes. O tipo de organização, privada, associativa ou do Estado é determinante para este efeito.
Em qualquer tipo de sociedade é inevitável que haja uma divisão social do trabalho. No geral as pessoas procuram empregabilidade, adquirem capacidades para lutar por um lugar e vir a ocupar um ou mais dos cargos disponíveis no mercado de trabalho. A adaptação das pessoas à função, ao cargo não tem que ser absoluta mas é determinante para a eficiência da organização, para tirar os benefícios do seu trabalho. Mas, não raro, estamos satisfeitos com o trabalho, mas insatisfeitos com o cargo.
Cabe aos gestores sociais preocuparem-se com este aspecto da questão, mas o imediatismo e o acaso da sorte, se vistos em termos subjectivos, são mais determinantes que qualquer princípio que se procure implementar. No geral é inglório procurarmos o ajuste certo entre as pessoas e o lugar que ela ocupa em termos de organização de trabalho e da partilha dos benefícios económicos que a actividade global nos proporciona a todos.
A realidade humana está cheia de injustiças que se reflectem no individual e no colectivo. Bloqueamos perante elas, ficamos constrangidos perante a impotência que em nós se manifesta quando nos sentimos injustiçados, mas tal passa por darmos pouca importância a nós mesmos.
O termos consciência de que esta é a injustiça primeira, o não ocuparmos o lugar em que nos achamos com direito, não quer dizer que não vivamos a nossa circunstância com o sentido de relatividade que ela comporta. Normalmente achamo-nos compensados ou descompensados de uma outra forma, mas só a maturidade nos leva a obter o equilíbrio que ambicionamos ter.
Na juventude a vivência familiar e social condiciona sobremaneira a nossa visão do mundo e nem sempre vemos as coisas com racionalidade. Dizem os velhos que falta na juventude um incentivo ao amor ao trabalho. Esta asserção simples está longe de transmitir aos outros a quantidade de informação de que necessitam para aceitarem o enquadramento em que estão ou uma luta leal por um melhor. Mas é um fim a atingir, porque é a forma mais objectiva de nos sentirmos realizados.

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