sexta-feira, 20 de março de 2009

Os becos sem saída e o assassinato geracional

Ninguém tem dúvidas que a violência nos era em tempos muito mais familiar. Andava pelas casas, deambulava pelas ruas, espalhava-se em todos os ambientes sociais, desde o trabalho, ao desporto, à festa. Todas as ocasiões eram propícias para uma realização das pulsões que transportamos desde as mais remotas épocas da luta feroz pela sobrevivência.
Neste sentido avançou-se imenso em termos civilizacionais, de convívio e de relacionamento. Certas atitudes do passado são hoje inconcebíveis e até no ambiente familiar se tem hoje a noção clara que há limites que se não tolera que sejam ultrapassados. A cultura da violência foi substituída por outra mais generosa. Mas só o intelecto nos conduz a estas conclusões, o nosso substrato violento parece lá estar ainda.
Contraditoriamente há hoje um outro tipo de violência que se cultiva, que há forças que incentivam, aproveitando a facilidade de comunicação, desde a televisão à internet. São os jogos de guerra, a violência levada a extremos de maldade que se difundem sorrateiramente no espírito dos mais jovens e que se alojam no seu intelecto sempre que lá encontram espaço propício para tal.
É uma violência destrutiva, feita de ataques e emboscadas, de perseguições e cercos, de massacres e chacinas, muitas vezes sem par no mundo real e que só a imaginação dos espíritos mais fragilizados pode levar à prática. Infelizmente é isto que vai acontecendo a toda a hora. São pessoas maduras que eliminam a família inteira. São jovens que chacinam os colegas de estudo.
Além de haver possíveis razões que levam estas pessoas a cortar os laços sentimentais que as uniam às colectividades de que faziam parte, ou antes, levam à transformação dos sentimentos de empatia noutros de manifesta aversão, há em simultâneo uma intoxicação mental com a violência oriunda de outros meios, mas que a mente debilitada transfere facilmente para a realidade pessoal e relacional.
O carácter gratuito que a violência assume nos jogos de guerra é para uma mente sã claramente diferenciável de qualquer atitude aceitável no nosso relacionamento social. Dirão muitos responsáveis que esses jogos são mesmo um escape, uma forma de descarregar tensões geradas no dia a dia, um simples divertimento afinal.
Só que quem cultiva mais esses jogos são os menos preparados para eles, são os jovens e aqueles que não conseguem lidar com o desconforto de algumas situações em que se vêm envolvidos, não conseguem afastar aquele tipo de soluções radicais da resolução dos seus conflitos.
Mas o que torna particularmente graves estas situações é que esta cultura se desenvolve no desconhecimento da comunidade, salvo um único confidente que normalmente, por tão imaturo, não consegue ter qualquer papel dissuasor. A maioria das vezes aqueles em que se geram estes conflitos privilegiam o isolamento.
Parecendo estar na prática posta de lado qualquer proibição desses jogos, e sendo de todo impossível impedir a passagem na comunicação social e na informal de muita espécie de violência, quando pouco só pelo facto de ser noticiada, a sociedade tem de pensar em precaver-se dessas situações pela via da preparação dos jovens nesse sentido.
Em primeiro porque a diminuição da conflitualidade geral deve ser um objectivo de todos. Depois porque as suas manifestações violentas trazem vítimas inocentes e, mesmo vendo por este prisma, são no geral vítimas com uma gravidade muito desproporcional face às razões fúteis que estão na base das atitudes dos que exercem essa violência.
O facto de os próprios pais estarem de tal modo alheados dos seus filhos a ponto de ignorarem totalmente os conflitos que neles estão em gestação é o mais preocupante nesta questão. No geral tal deve-se a que os pais só contam com a sua própria experiência para acompanharem os filhos e acham que, por haver melhores condições objectivas, eles têm obrigação de serem melhores.
No geral não lhes passa pela cabeça que os filhos sejam diferentes e que não consigam resolver problemas que para si nem sequer existiam, isto é, não consideram que as condições subjectivas em que eles vivem sejam nitidamente outras. As respostas que a sociedade espera dos jovens são hoje outras. O paradigma do jovem sossegado, com tempo para se realizar, já há muito deu lugar ao do jovem inquieto com a passagem do tempo.
Não se trata de um conflito de gerações, mas tão só de um conflito de uma geração com ela própria, em que a outra pouco mais é do que espectadora. A questão que se coloca é a capacidade desta, da mais velha, para pensar a vivência da outra, a mais nova, num tempo cuja simultaneidade é a principal objecção.
A mais velha vive num quadro mental construído num outro tempo, muito menos complexo, bastante menos estruturado, com as imperfeições aceites por referência a outras perfeições hoje já não assumidas. A mais nova está a construir um quadro mental muito mais complexo e estruturado, cujas contradições se não podem manter por muito tempo e cuja falta de referências é por demais evidente.
Assim sendo parece ser mais fácil aos mais novos entenderem os mais velhos do que o contrário. Esta razão leva-os mesmo a sozinhos assumirem responsabilidades intelectuais, como se já dominassem o mundo. A persistente falta de apoio, de sensibilidade dos “velhos” para abordar os seus novos problemas é mesmo por eles negligenciada, numa auto-suficiência precipitada e perigosa que pode levar a becos sem saída.

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