sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Um aplauso ao “Cardeal” e um louvor a Alcides Pereira

Um Jornal que percorre três gerações, quatro regimes políticos e as vicissitudes várias destes, é decerto uma Fortaleza. Tal como um ser humano, sofreu incompreensões, ingratidões, talvez agressões, poucas ajudas e resistiu. Sensível ao tempo, como se impõe a um órgão de imprensa, manteve a espinha dorsal desde a génese pela mão de Avelino Guimarães até aos dias de hoje sob a direcção do seu neto.
O Cardeal Saraiva, nome invulgar para um jornal, mas homenagem a um grande vulto do liberalismo, é a afirmação semanal de uma pujança, de uma perseverança mas também de uma temperança que a idade lhe faculta. Semanalmente o jornal fala por si, dá sinal do seu tempo, ecoa nos vales do Minho e em terras de emigração, liga elementos dispersos com raízes comuns.
Sendo um Jornal Regional não é um jornal regionalista, característica que o distingue de um outro tipo de tradição. Abordando sempre a temática local com uma visão actual permite-se olhar outros temas, aquilo que, sendo de todos, também é nosso, aquilo que é nacional, internacional ou que não tem mesmo local determinado porque acontece em todo o lado.
O Cardeal Saraiva não é um jornal de grandes arrebatamentos. Afinal a realidade local também não foge muito da normalidade, desenvolve-se com lentidão. Além disso os fenómenos a quente iludem-nos muitas vezes. Não é fácil agradar a todos e quase todos nós estamos habituados e ver as coisas com um certo distanciamento e a participar pouco no dia a dia da comunidade.
Era possível um jornal mais empenhado, mais interveniente. Mas afinal os pregões no deserto não são a melhor maneira de trazer as pessoas e participar, a envolver-se mais nas coisas do mundo próximo e distante. Já são muitos os órgãos de comunicação social que nos trazem diariamente essa realidade. Agora que já sabemos que tudo isso nos diz respeito a todos, um olhar mais calmo transmitido por quem vive na “aldeia” pode ser vantajoso.
Neste aspecto é fundamental a tolerância e este Jornal é disso exemplo ao permitir a contribuição de colaboradores de diversa índole. Mas há um outro aspecto que estou habituado a admirar no Cardeal Saraiva, desde logo que o comecei a ler. Permita-se-me que realce esse tempo em que o seu Director era o Dr. Alcides Pereira, meu Professor de Português, e pessoa com uma larga intervenção sob várias formas na vida local de Ponte de Lima.
Que eu saiba o Dr. Alcides nunca se meteu a escrever obra de folgo, mas era aquilo que se pode chamar um excelente periodista, sempre pronto a, no seu editorial, abordar as questões que lhe pareciam mais salientes. Aliava a isto uma escrita de grande qualidade, sem deixar de ser simples e legível por quem fosse portador de uma média literacia.
Mas o que mais me apraz registar é a afabilidade com que tratava toda a gente e a nós seus alunos em particular, com quem se relacionava como se universitários fossemos. Esse seu carácter benevolente trespassava mesmo no distanciamento que sempre manifestava, mas que era fruto da vivência própria de cada um e não do seu coração ou do seu intelecto. Porque a sua superioridade intelectual tinha outras formas de se manifestar sem ser pela afirmação gratuita de diferenças.
Hoje que procuro permanentemente novas formas de me exprimir dou a este aspecto do relacionamento humano a maior importância, que então estava longe de dar. Na ocasião em que foi seu aluno eu tinha-me por mais inclinado para as ciências exactas, subvalorizando o aspecto da comunicabilidade tão necessário para nos entendermos. Não pensava viver num mundo tão deficitário neste aspecto. Muito menos entendia a importância que a escrita tem em todos os aspectos da actividade humana.
Do que hoje não duvido é que, ao passarmos para escrito alguns que sejam dos nossos pensamentos, estamos a contribuir para a estruturação geral da nossa mente. A pessoa que se exprime só pela oralidade e principalmente quando quer ter voz activa sobre todos os assuntos, dispersa-se e normalmente não consegue elaborar um discurso fluente e coerente, mas tão só repetitivo e obscuro. Uma pessoa que não escreva dificilmente está apta a abordar mais de um ou dois assuntos com alguma profundidade e tirando todas as consequências.
Ao nos atrevermos a colocar no Jornal aquilo que escrevemos há uma preocupação extra, a que eu sinceramente não consigo atender. Não escrevemos para uma pessoa determinada. Perante tantos graus possíveis de erudição, perante tão diferentes níveis de conhecimento que os nossos leitores podem ter, o ideal seria conseguirmos escrever para a mediana dos mesmos. E não me restam dúvidas que o Dr. Alcides conseguia-o de forma sublime.
Quando se prestam homenagens a actores menores da nossa vida cultural, quando se sobrevalorizam pessoas com uma dimensão intelectual mais do que banal, quando se atacam uns porque são distantes e outros se desprezam porque são demasiado próximos, nós destacaremos o Dr. Alcides Pereira como um dos homens mais bem intencionados, mais afáveis, verticais e dignos que por este mundo passou neste último meio século, afinal só metade da longa vida do Cardeal Saraiva. O Dr. Alcides era um dos nossos. O Cardeal faz parte de nós.
A minha homenagem aos dois.

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