quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Quem me explica que crise é esta?

Que crise é esta? Pergunto-me. Uma crise como as outras, cada vez mais parecida. Respondem-me já quase unanimemente. Os seus caminhos foram complexos, ela meteu por atalhos e fez desvios inesperados, mas no fim redundou naquilo que é o fundamento de qualquer crise que se veja: Um excesso de produção que a economia não está disposta a absorver.
Senão vejamos, dizem-me: A primeira manifestação da crise foi a insolvência daqueles que, sem rendimentos garantidos, compraram casas caras, cada vez mais caras. A economia expulsou estes produtos, que naturalmente fazem falta noutras condições, mas o problema ficou no ramo financeiro. Este já pagou e tem compromissos a cumprir sem a ajuda dos compradores iniciais. A crise instalou-se no sistema financeiro.
Notava-se já uma escassez de meios financeiros mais ocupados em esquemas especulativos do que em fornecer o alimento de que a economia precisa para ser viva. O dinheiro é o “óleo” que faz com que a economia não emperre. O encarecimento do dinheiro tornou o recurso ao empréstimo demasiado oneroso e arriscado. Isto reflectiu-se em relação aos bens de consumo mas também aos bens de investimento.
Com poucos meios de pagamento, sem crédito fácil a que se habituara, a especulação virou-se para o petróleo, afinal um recurso sempre à mão para esse efeito. Em princípio os economistas até bateram palmas, pensaram que se ia pôr enfim racionalidade na economia. O petróleo é um bem escasso que, como tal, deve ser pago. Os ambientalistas agradeciam. O preço alto é o único incentivo à procura de alternativas que permitam a defesa do ambiente e o fornecimento futuro de energia a uma humanidade que já não sabe viver sem ela.
Só que a coisa a dada altura começou a ficar preta, o petróleo a aumentar de preço exageradamente, parece que se ia transitar de uma irracionalidade para outra. Felizmente esta especulação veio a revelar-se extemporânea. Enfim, de repente, o petróleo começou a jorrar de todos os lados, a abundância submergiu o mercado, os preços desceram a pique o que então sim veio dar um suplemento mais de alma à crise, à verdadeira crise, à mãe de todas as crises, a crise do excesso de produção.
Não quer dizer que a humanidade não seja capaz de consumir muito mais, de estragar bens e destruir recursos. Mas existe um bloqueamento, um desmoronar de expectativas, qualquer factor que nos indispõe a manter um tal desgaste de recursos e nos leva a rejeitar o que nos é proposto para consumo e a ansiar por outros bens. Como se de repente enjoássemos de consumir o óbvio e queiramos inovar.
De repente tudo o que existe vale menos. Além das coisas mensuráveis com critérios objectivos temos que organizações, empresas, bens intangíveis, tudo vale menos. A sociedade no seu conjunto vale menos, a economia vale menos. Os cérebros que a manipulavam valem menos, mas é bom de ver que deveriam valer ainda menos. Há gente que nada vale e continua a ter um poder imenso.
A crise agudizar-se-á se persistirmos em pagar a preços da abundância a quem tenta salvar aquilo que já nada vale. Os Estados tentam salvar a situação colocando o dinheiro sem rentabilidade própria. Cada vez se caminha mais para a taxa zero e por aí nos vamos ter que manter por uns anos. Mas também já não é a diminuição do custo do dinheiro que resolve a crise. O primeiro passo seria pôr os magos da finança a ter que se limitar a receber aquilo que os próprios produzem e a pagar o que receberam a mais.
Felizmente, quando nós não temos juízo há nos sistemas como que a procura instintiva de um equilíbrio interno. São alertas oportunos mas a nossa capacidade de alteração e adaptação às exigências da economia é limitada, não é eficaz perante a rapidez que hoje se exige às respostas. Sabemos como reagir de imediato ao aumento da procura, mas não sabemos responder à situação contrária, a uma diminuição das compras, a uma asfixia da capacidade de pagamento.
Um facto que só dizia respeito aos economistas mas que cada vez mais tem de ser do conhecimento de todos é que o problema não é produzir mas produzir coisas úteis e vender. O que se não produz cá produz-se lá fora onde há melhores condições, uma escala mais apropriada à produção em questão. Só podemos produzir o que tivermos condições para tal e tivermos mercado para escoar.
Existe uma discrepância entre quem produz e quem consome, mas também entre quem tem o dinheiro e quem tem falta dele. Se agora o custo do dinheiro é pouco os produtores não podem correr o risco de produzir para stocks à espera que os seus produtos se vendam mais tarde quando até podem perder valor, ou é problemático vir a vender-se. Produz-se mais na certa, o que já está vendido.
Já estamos numa economia em que uma sua grande parte se refere a serviços, não armazenáveis, portanto. O produtor do serviço tem que estar disponível para o seu fornecimento quando não sabe se ele vai ser utilizado. Por isso tem que ter capacidade produtiva, mas não em excesso, isto é, para manter viável o negócio não pode ter empregados em demasia.
Depois há o grande problema da acumulação capitalista. Enquanto uns são incentivados a consumir há outros que se dedicam a acumular. Uns endividam-se cada vez mais e outros juntam valores incalculáveis que aplicam na especulação porque não sabem aplicá-lo noutro lado. Será necessário que uns se não endividam tanto e outros que não acumulem tanto. A mobilidade pretendida para o dinheiro não é alcançada.
Quanto ao Estado a grande tarefa é adaptar o sistema de segurança social dentro desta economia tão instável. O sistema não se pode sustentar em rendimentos virtuais, como os economistas liberais pensavam, mas no valor produzido em cada momento, como é o caso de Portugal.
As dificuldades não serão decerto de quem têm emprego e rendimentos garantidos que possivelmente beneficiarão do afrouxamento dos preços por efeito do excesso de oferta pelo que devem continuar a pagar impostos. Novas respostas precisam-se para os desempregados, incluindo quem vê o seu pequeno negócio tornar-se inviável.

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