sexta-feira, 28 de março de 2008

A origem da indisciplina nas escolas

Os distúrbios ocorridos numa sala de aula e que tanta repercussão tiveram nos meios de comunicação podem ser vistos sobre vários prismas e na perspectiva dos seus vários intervenientes. Na sua génese está um acto insolente de uma aluna que pode ser tão só uma variante do seu comportamento no ambiente familiar, o mais vulgar, mas que pode também ter sido um escape para uma repressão aí vivida.
Independentemente de a família poder estar a ser também vítima, há sempre uma responsabilidade da sua parte e que deve ser assumida enquanto houver algum seu ascendente, de modo a que também possa contribuir para a correcção desse comportamento. Todas as ligações afectivas podem ser utilizadas para fazer reverter um comportamento tão anómalo.
Embora o medo possa ter aqui alguma função a desempenhar, porque tal acção tem que ser reprimida com uma penalização adequada, o principal é tornar possível que aquela jovem, e outras que possam vir a sentir impulsos semelhantes, se preparem para saber como os reprimir, como reagir cedendo conscientemente a um impulso mais elaborado de carácter social, isto é, já com um traço positivo.
No decorrer da acção, e para obstar a qualquer contacto físico, a professora poderia talvez ter recorrido ao apoio de uma parte mais preparada da comunidade escolar. Só que isso acarretaria desde logo a transferência do problema para outra instância. E se esta o não resolvesse convenientemente, o que seria o mais provável, implicaria o seu regresso às origens, com perigo de debilitar ainda mais a posição da professora.
Por isso a professora terá recorrido ao expediente mais rápido de fazer ela própria cumprir a sua ordem o que implicou um envolvimento físico, porém de todo inconveniente no ambiente de uma aglomeração de alunos propensos a seguir o exemplo. Ela não deveria ir além de uma espécie de ameaça de execução da sua ordem e depois faria transitar para outra instância mais preparada e com autoridade para fazer uma intervenção física, sem cuidar do que viesse a seguir.
Aos professores é solicitado um tempo de reacção adequado e uma atitude moderadora dos excessos cometidos no ambiente escolar. Como toda a condescendência tem limites, a tendência para tratar com quem os excede constantemente é diminui-los. E os alunos se detectam uma relaxamento logo procuram alargá-los. É um jogo que exige resolução e determinação dos professores para conter o ambiente das aulas dentro do que é razoável.
Não há ambiente propício ao estudo se não for prestada uma atenção que deve constituir a base das preocupações de todos os professores. Porque se há diferenças conforme as disciplinas e os próprios professores são estas aversões que se vão formando que vão contribuindo para formas caprichosas de estar ou para uma clima geral de atracção ou repulsa pela escola na sua totalidade.
O professor tem que estar preparado para aumentar a pressão quando não é bem sucedido à primeira. Mas também deve estar preparado uma saída para a questão quando esgotar os seus argumentos. Nada pior que a indecisão, a percepção pelos alunos de qualquer tipo de fragilidade dos professores, de falta de domínio da situação. Se o recurso a uma ajuda exterior for o caso tudo bem.
O que pode parecer uma atitude sensata da turma, ao manter-se espectadora, é no entanto uma atitude de alguma cobardia, ao deixarem que se digladiem pessoas com as quais têm que conviver todos os dias. Os alunos só parecem aperceber-se da gravidade da situação quando esta corre o risco de passar para além da porta da sala de aula, o que diz da forma falsa como esta sociedade vê a violência.
Além de se não esconder nenhuma manifestação de violência, interessa aqui saber se há qualquer sinal de um clima de violência generalizada, se é um caso isolado, o que altera radicalmente a maneira de ver e tratar esta situação. Podemos dizer com certa segurança que não é um caso esporádico, mas que, sendo sinal de violência latente, só ocorre esporadicamente.
Estaria também a violência latente nos outros alunos mas só interessa que a aluna em causa seja objecto de observação, com a sua envolvente familiar e as suas reacções típicas no ambiente escolar. Ou já é assim insolente no ambiente familiar ou reprimida só dá azo à sua insolência no ambiente escolar. Os outros alunos terão que aprender com o exemplo e não há necessidade de os expor.
Se houvesse, como em tempos havia, um clima de medo, os outros retrair-se-iam e não gozariam com o espectáculo. Aparentemente respeitariam mas só alguns o fariam conscientemente. Hoje, que o medo não é a priori utilizado como instrumento de educação, podemos com certa segurança afirmar que ninguém de entre os alunos repudiará um bom momento de riso e como tal a sua actuação se enquadra numa perspectiva cobarde de estar em sociedade.
Nós não estamos ainda habituados a viver sem medo e isso vê-se na desfaçatez com que os adultos insultam todas as outras pessoas nos jornais, na televisão e em particular no novo domínio de escape social que é a Internet. Na realidade não deveríamos precisar do medo para conhecermos os limites da nossa actuação quando nos referimos aos outros.
Se os alunos não vêem onde os seus pais, familiares e amigos usam formas de relacionamento verbal comedidas, a verdade é que, quando na televisão se vai um pouco para além daquilo que já vai sendo normal, logo se sentem impelidos a ir também mais além na sua forma de se relacionarem e neste caso já não só verbalmente e à distância, mas na presença dos seus professores.
É necessário encontrar as regras sociais mais correctas que possam ser aceites genericamente e que incutam em quem as tenha que respeitar o medo pela penalização social, e não só, que se lhe aplique ou na melhor da hipóteses o respeito que a esses mesmos possam merecer aqueles outros, professores, pais, políticos, etc. que têm que dar suporte a essas normas.
A atribuição deste tipo de problemas à recente alteração do código do aluno, segundo o qual são dadas certas facilidade de recuperar tempo perdido por acumulação de faltas, é uma atitude grotesca dos partidos da direita nacional que, se fazem a apologia de atitudes autoritárias e repressão, só promovem a desigualdade e a exclusão social.

quinta-feira, 27 de março de 2008

A diferença entre o riso e o cacarejo

Nem todos os risos são saudáveis e entre os maléficos destacaria o riso alarve dos auto-suficientes e convencidos. Claro que há pior, o riso dos falsos e dos cínicos, dos vingativos e invejosos, o riso de todos aqueles que o fazem quando vêem os outros em posição de derrotados, nem que a superioridade não seja sua, mas haja sido obtida por outros.
Numa “chachada” que aqui escrevi vai para um ano “Critiquem-me por ser gordo, orelhudo ou vesgo, mas não por ser político” afirmei que a tradição da “Queima do Judas” e a feitura do seu testamento deveria ser continuada por iniciativa particular e sem que houvesse dependência ou subserviência em relação aos órgãos autárquicos.
Tratando-se de uma crítica de costumes só casualmente deveria interferir no domínio da política e nunca na política nacional, sob pena de não ser original. Poder-se-á no entanto dizer que a não ser a Câmara Municipal a pagar, quem estaria disposto a pagar tais manifestações por mais tradicionais que elas se nos apresentem? E à Câmara a crítica de costumes não interessa.
Na realidade testamentos há às dezenas pelo concelho fora, sem subsídio camarário, com uma qualidade manifestamente superior no seu versejar popular e na sua crítica social e as bombas que nos últimos anos rebentaram no Largo de Camões, e que ajudam a destruir o Judas, são bem dispensáveis para substituir o efeito do fogo.
Se Guerrinha cedo “começava a magicar nos versos que haveria que verter para o seu testamento, dito do Judas, lá para mais perto da Páscoa. O número de quadras talvez dependesse dos copos que viesse a beber.” Também os autores deste deslavado testamento cedo começaram a imaginar como haveriam de calar uma voz tão incómoda.
Dá ideia que beberam pouco porque o verso é só um e até me faz a vontade. Chama-me obeso o que não sendo uma originalidade nada acrescenta de novo, nem é nada hilariante. Se Guerrinha procurava histórias de malícia para dar pimenta ao seu Judas, estes maldosos autores limitam-se a frases descritivas sem engenho nem artifício.
Ninguém, tão só por fazer política, cai na voz popular, a não ser por uma mentalidade primária e por outra manhosa que explora aquela. Porque o autor provável destes versos menos que sofríveis é um velho membro da Assembleia Municipal, legionário enquanto pôde, que transporta ainda outros predicados pouco abonatórios do seu carácter.
Assuntos de dimensão social em que há abusos e se evidenciam intenções menos honestas não merecem deste testamento qualquer referência. Repito que “o Diabo do grupo de teatro “Unhas do Diabo” tem fracas unhas, é demasiado subserviente em relação ao poder, não fosse por ele pago.” Mesmo que só empreste à cerimónia alguns dos seus actores, que aliás, em vez de fazerem rir, fazem cacarejo. Donde vem a vaidade do mestre de cerimónia?
Aproveitar o Judas para pretender fazer política é mesquinho, para não dizer ordinário.” Criticar a minha forma de intervenção cívica ainda não está ao alcance de gente de tão fraca formação intelectual e moral. E ninguém está para aturar estas injecções de malcriadez com o carimbo da Câmara Municipal. Se descobrirem que sou ladrão, insidioso ou outra coisa qualquer, façam favor, mesmo que lhes não reconheça estatuto para o fazerem!

sexta-feira, 21 de março de 2008

Um leve golpe num duro cordão umbilical

Não será ainda o cortar do cordão umbilical mas parece ser para aí que a médio prazo se caminha. Na última Assembleia Municipal o seu Presidente Abel Batista deu o primeiro passo no sentido de uma rotura com Daniel Campelo depois de na sessão anterior um seu correligionário já ter ousado apresentar uma proposta para baixar o preço da ligação ao saneamento.
Agora Abel Batista veio dizer que se pode falar em depressão económica do Município, uma heresia, tomada como tal por Daniel Campelo que se fez acompanhar de todos os estudos, planos, projectos e pareceres das mais diversas entidades para mostrar que a Câmara Municipal não tem estado parada em busca de soluções para uma crise que só não é mais visível, e nisto parece estarmos todos de acordo, porque a irmã Galiza nos tem dado bastante trabalho, o que na opinião de Abel Batista pode estar a deixar de suceder em tempos próximos.
Se Daniel Campelo, segundo disse, tem ido beber aos tais planos ideias para a realização de certos eventos, começa a surgir em Abel Batista a consciência de que a visibilidade da Terra só por si não chega e seria necessário que a sociedade civil se envolvesse e os agentes políticos falassem mais uns com os outros. Abel Batista não se assume, nem como herdeiro, nem como uma alternativa que se fosse criando através da existência de um interlocutor único.
A sua proposta não é de um debate entre figuras políticas mas de estudos independentes como é moda agora. Consiste em entregar a uma equipe universitária a feitura dum plano estratégico de desenvolvimento económico e social que possa apontar um rumo e que possa ser acompanhado, avaliado e reformulado. Abel Batista acha que, como Presidente da Assembleia, pode e deve ter um papel mas que isto não ultrapasse o plano local.
Mas não se pode ignorar que, se há falta de diálogo, é porque as divergências Campelo/Paulo Portas não podem ser ignoradas, sendo que Abel Batista se apresenta como a ponte possível entre ambos. Quando as diferenças são tão públicas e notórias é natural que a sua solução não possa ser obtida em conversas secretas mas dirimidas na praça pública. O único problema é que Campelo sempre teve carta branca do partido na gestão municipal, quer continuar a ter e a poder intervir na política nacional a seu belo prazer.
Para Abel Batista não lhe interessa minimamente que a politica nacional seja abordado para decidir se Campelo há-de ser ou não o candidato do CDS à Câmara Municipal. É que, se a lei para as eleições autárquicas vier a ser aprovada na versão actual da proposta em discussão ou mesmo com as alterações que o PSD lhe quer introduzir, a solução encontrada nas eleições de 2001 não pode voltar a ser implementada, isto é, não haverá duas listas separadas e não concorrentes.
Por falta de intenção de Daniel Campelo se candidatar ou por impossibilidade prática de o fazer sob a bandeira do CDS, este, mesmo para o que der e vier, vê-se na necessidade de ir abrindo caminho, de dar visibilidade a outras pessoas, de ir mostrando uma nova garra, de ir fazendo algumas propostas identificadoras e que quebrem um pouco com a monotonia que se vem vivendo.
Daniel Campelo já teria posta de parte a hipótese de ressuscitar uma vez mais “A Nossa Terra” mas ainda é cedo para isso se confirmar. Uma candidatura dessas dificilmente poderia ser aceite pela actual direcção do CDS porque o obrigaria a renunciar a qualquer tipo de candidatura e poria em causa certamente a reeleição do actual deputado por Viana do Castelo.
O duro cordão umbilical está degradado e vai sendo claro para as duas partes que só têm a ganhar se o cortarem sem grandes traumas, grandes prejuízos, grandes pressas, nem vagares. O problema é saber a quem mais vai prejudicar este esvaziamento lento do sangue desta ligação em fase de deterioração.

Era desejável a clarificação do panorama político

Não há governo que não seja contestado logo que é constituído. O normal é que na sua acção o governo belisque alguns interesses que não estariam à espera de o ser e que venha a ser mais contestado porque a sua base sociológica deixou de corresponder à sua base política.
Num País como a Inglaterra o partido do governo escolhe a ocasião para ir a votos, de modo que estas situações se não arrastem penosamente. Em Portugal só o Presidente da República pode fazer isso e naturalmente só o fará quando o governo se porta mal, não quando se porta bem e é necessário clarificar situações.
A não haver eleições já, estamos naquele pântano em que se viram Cavaco e Guterres sem proveito para o País. Um governo a querer mudar e toda a espécie de forças a tentar torpedear, nem que seja só pelo ruído de fundo, que desvia as atenções daquilo que é importante para nós.
O actual governo é posto em causa pelos seus naturais adversários a propósito de tudo e de nada, como é normal em Portugal. Mas também é posto em causa por alguns dos que é pressuposto terem sido seus apoiantes. Para complicar é muito apoiado por pessoas que estão longe de se agradarem com as ideias mais comuns do partido que lhe serve de suporte.
Em termos simplistas teremos um governo de esquerda a fazer uma política de direita e em consequência uma base sociológica de direita a dar apoio à manutenção no poder de uma força de esquerda. E teremos muitos adeptos desta força a sentirem-se órfãos, sem partido que defenda as suas ideias, que eles entendem ser as da verdadeira esquerda.
Mas o mais dramático é que teremos muitos adeptos das forças de direita a terem que ficar gratos ao partido do governo por conseguir fazer aquilo que os seus “pais” da direita nunca conseguiram fazer. Não são ainda enteados, mas enquanto filhos acham não terão tido de seus pais aquilo que mereciam.
Há uma forte base sociológica que quer reformas, que acha que o caminho de melhoria da situação passa pela reorganização do aparelho do Estado, como base para outras reorganizações na economia e na sociedade, que só é possível combater as actuais desigualdades se for possível alterar o sistema em que elas se desenvolveram.
Contrariamente há uma forte base política que não quer reformas, todos porque lhes restringirá as margens da sua acção política, uns a caminho da revolução, a extrema-esquerda e a esquerda folclórica do PS, outros a caminho do liberalismo total em que a acção do Estado se reduziria a um espaço cada vez menor de intervenção.
As eleições permitiriam que se refizessem, revigorassem ou cortassem os laços que ligam os dirigentes políticos ao País. Naturalmente que estes teriam que previamente clarificar a relação de forças dentro dos seus próprios partidos para que os perdedores não viessem a sabotar permanentemente o trabalho dos eleitos.
Teoricamente impõe-se, pelo menos a prazo, uma reconfiguração do espectro político, uma alteração que faça corresponder a base sociológica à base política. Mas em simultâneo, e para permitir que haja um vencedor, um condutor, tem que ser abandonada a ideia peregrina que um partido tenha que ser a representação equitativa do espectro político que em teoria abrange.
A solução para não haver um défice político permanente de representação seria a formação do velho partido sempre adiado, o “Partido Verdadeiramente Socialista”. Tendo hoje uma base potencial bastante alargada, tem uma cúpula caracterizada pela senilidade, a inoperância, o medo e a indecisão e a orfandade permaneceria. Em pouco tempo estaria dividido entre o regresso timorato à casa mãe e o empenho militante no esquerdismo diletante, inconsequente.
O que sobejasse, e seria muito, do Partido Socialista atrairia a si muitos dos sectores sociológicos que até aqui acreditaram no PSD e os seus dirigentes económicos e políticos mais esclarecidos que adeririam de vez à social-democracia e demarcar-se-iam definitivamente das pretensões liberais dos sectores mais fundamentalistas do PSD.
Formar-se-ia assim um Partido Socialista mais coerente, mais consequente, mais estável. O PSD estouraria como o conhecemos, cortaria os seus laços com o passado e tornar-se-ia um partido liberal de pleno, defendendo uma intervenção minimalista do Estado na economia.
Aquele PS restante e resultante, reformador e reorganizador, conspurcado na sua “pureza”, mas revigorado pelo fortalecimento da sua base e atractivo em relação a novos quadros poderia enfim levar por diante as reformas que falta implementar, a organização que falta ter para que a política social se desenvolva e o sistema não gere marginalidade e exclusão.
Teoricamente seria assim, mas na prática é previsível que fique por fazer a clarificação que se imponha a nível do PS. Os sectores esquerdistas que exercem uma acção paralisante sabem que não têm outro lugar, nem outro estatuto melhor para o fazer e para manter alguma visibilidade.
Acham-se com direito à herança e não querem permitir que outros interesses sociais e políticos se manifestem no partido. Encontram-se melhor posicionados como contestatários do que se tivessem que ser executantes. É-lhes indiferente o desaire eminente e que a oposição saiba aproveitar a indisponibilidade natural do eleitorado para votar num partido assim, num PS suicidário.
As clarificações que se fazem no PSD são sempre surpreendentes e dificilmente se poderá esperar que vão para além daquelas que se operam por simples mudanças de estilo. Também os que sentem gratidão pelo papel do PS nesta fase dificilmente se converterão em apoiantes definitivos.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Mais flexibilidade mas menos democracia nas autarquias

As alterações às leis eleitorais para as autarquias locais, elaboradas pelo PS e PSD e que aguardam na Assembleia da República a votação na especialidade visavam garantir a constituição de executivos municipais maioritários. No executivo a oposição seria sempre minoritária e a sua capacidade prática de se opor à política do Presidente da Câmara passaria para a Assembleia Municipal.
Em jeito de contrabalanço daquele poder maioritário garantido ao executivo, entendiam anteriormente aqueles dois partidos que os Presidentes de Junta deveriam deixar de votar os documentos decisivos, entre os quais o orçamento municipal. Para os passar o Presidente da Câmara passaria a ter que convencer somente os membros eleitos da Assembleia Municipal, o que, dada a possibilidade de aí não ter maioria, porque os eleitos directamente garantem uma maior fidelidade ao partido, lhe traria dificuldades.
À última hora o entendimento desfez-se e o PSD passou a querer dar aos Presidentes de Junta a faculdade de votarem os documentos decisivos. Mesmo que as negociações continuem parece mais complicado chegar a acordo. Mas também parece que ninguém quererá que tudo fique na mesma.
O reforço do poder presidencial, conferindo uma maior operacionalidade ao executivo, era o propósito e continua a ter o acordo dos dois partidos, só que assim põe-se o problema se não será exagerado aquele reforço. O Presidente eleito teria possibilidade de escolher e de substituir a qualquer momento a maioria dos vereadores que compõem a Câmara. Mantendo a actual e comprovada capacidade de manipulação da maioria dentro da Assembleia, vê o seu poder reforçado sem qualquer contrapartida e controle.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses apresentou uma proposta para os casos em que o Presidente da Câmara não tenha maioria garantida na Assembleia Municipal. Essa proposta dá-lhe a possibilidade de constituir o seu executivo com elementos eleitos em lista diferente da sua, estabelecer acordos pós-eleitorais e garantir dessa forma a maioria na própria Assembleia Municipal.
Esta fórmula parece mais sensata porque posta em prática é natural que torne irrelevante o voto dos Presidentes de Junta. A manutenção da margem de manobra que os Presidentes da Câmara sempre detém nas Assembleias é de molde a concentrar excessivamente os poderes nas mãos de um só homem, o que parece não constituir para o PSD qualquer perigo, mas é-o objectivamente. Já esta proposta da Associação introduz com a coligação um controle mais próximo.
As alterações inicialmente propostas e as mudanças a essas alterações à lei eleitoral ainda se inserem na mesma lógica de aumento do poder do Presidente da Câmara e de compensação com mais poderes dos membros eleitos da Assembleia e por essa via da oposição política. Já a exigência da actual direcção do PSD em que o voto dos Presidentes de Junta seria tomado em consideração para tudo é contraditória porque aquela compensação deixaria de existir.
Pela dupla função assim atribuída aos Presidentes de Junta torna-se mais fácil obter o seu acordo à revelia dos partidos ou listas concorrentes pelos quais se candidatam. Desta maneira é dado ao Presidente da Câmara uma poder maioritário no executivo e uma grande probabilidade de o conseguir obter no deliberativo, sem necessidade de coligações formais e obtendo apoio caso a caso.
Se a margem de manobra de um Presidente da Câmara aumentaria por um lado no executivo era coerente que diminuísse por outro lado no deliberativo e fiscalizador, mesmo que sem passar um atestado de menoridade aos Presidentes de Junta. Num País em que os princípios democráticos não estão particularmente arreigados, em que o poder é visto como um fim em si, o aumento da margem de manobra corresponde a um aumento efectivo de poder absoluto.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Criemos tempo para a disponibilidade!

O tempo é o aspecto da existência que maior número de problemas nos trás, mais contratempos nos acarreta, como tivera que ser aliás. É o tempo que nos afasta mais daquilo que ambicionamos e nos torna indisponíveis. Mesmo para os crentes o tempo pode ser mais fonte de perdição do que propriamente oportunidade para uma reabilitação. O tempo é no geral mal visto.
No entanto há quem veja permanentemente o tempo com bons olhos, são os eternos optimistas. Na realidade o tempo não tem culpa, nós é que o alongamos ou estreitamos conforme o estado em que nos encontramos. Muitas vezes não sabemos que fazer ao tempo, ele sobra-nos sem nos dar qualquer compensação, outras vezes falta-nos, com o tempo que temos não fazemos nada de jeito.
Por isso a vivência ao ritmo do tempo, o domínio do tempo pela sua aceleração ou retardamento, a gestão do tempo, são hoje os aspectos que correspondem à inteligibilidade do tempo e mais contribuem para a nossa felicidade, para termos algum tempo disponível para os outros, para aprendermos o ritmo do tempo social, para nos empenharmos no equilíbrio e na harmonia social.
È necessário distinguir entre o ritmo a que a sociedade evoluiu e alguns ritmos sociais que são mais impostos pelas figuras extravagantes, daquelas que impõem a moda. Figuras há que conseguem atrair a atenção para a velocidade do seu próprio pensamento e criar assim um mundo virtual. O grave é quando o seu autor é uma pessoa particularmente dotada e cria um mundo tão completo e tão convincente que passa para muitos que não o podem suportar como o mundo real.
Um mundo virtual é sempre um mundo alucinante mas que tem a capacidade para se incrustar no pensamento daqueles que por si próprios não iriam para além da mesquinhez do seu ambiente próprio. O problema é que os próprios se não apercebem da desadequação desse pensamento em relação a uma realidade bem mais trivial, comezinha e material do que eles podem imaginar.
Queiramos ou não nós estamos presos à nossa vivência, não é o imenso tempo dos outros que nos dá fartura, vivemos bem sem que o mundo nos dedique tempo que se veja. Uma sábia gestão do tempo tem a ver essencialmente com o nosso ser, pelo que quem aceita em si a vivência de uma virtualidade qualquer pode, além de perder o seu tempo, estar a perder o domínio de si próprio.
Nós para medirmos bem o tempo não nos podemos deixar enlear ou anestesiar, soerguer demasiado ou mergulhar, devemos ter os pés bem assentes, apelar de tempos a tempos ao sobrevoo rasante da realidade ao seu nível mais banal. O que é bem diferente de fincar os pés no chão e garantir a toda a gente que daqui se não sai, o nosso tempo é este, é aqui que queremos viver para sempre.
O pior que nos pode acontecer é sermos apanhados desprevenidos pela aceleração ou desaceleração do tempo social. Isto é, estarmos paralisados ou entretidos a fazer um esforço desmedido para acompanhar um hipotético ritmo e sermos surpreendidos por um ritmo muito mais frenético ou mesmo em sentido contrário. É perigoso não sabermos que a realidade, porque fruto de muitas inter-relações, tem uma elasticidade bem diferente daquela que nós lhe damos.
Uma sociedade será tanto mais harmoniosa quanto mais soubermos fazer o aproveitamento do tempo, tendo a certeza que o nosso tempo é muito limitado se comparado com o tempo social. Não se trata de cada um se dedicar às suas tarefas próprias e virar mais as costas aos outros, mas de gastar menos tempo com tricas e dicas e mais em tarefas que enalteçam as pessoas.
A nossa margem de escolha é, e tem a possibilidade de continuar a ser, larga o suficiente para que não haja competitividade exagerada nem uniformidade monótona. Cada um pode fazer uma selecção criteriosa daquilo com que quer ocupar o seu tempo, definindo claramente o que tem mais ou menos a ver com as suas preocupações sociais.
Hoje é necessário ter a clara noção do tempo que dedicamos aos outros e, querendo enganar os outros, não nos enganarmos a nós próprios. A facilidade com que obtemos muitas das coisas que há uns anos nos levariam um tempo infinito a conseguir leva-nos a ter excessivo tempo disponível, parte do qual se podia aplicar em actividades a favor dos outros. Passa-se uma coisa que há anos seria perfeitamente absurda, sobra-nos tempo, mas falta-nos sabedoria para o usar.
Na realidade nós saberíamos em que aplicar o tempo, se tivéssemos dinheiro para andar em permanente voo ou em coisas do género. Isto é, nós sabemos em como transformar um problema num outro totalmente diverso. E ainda por cima a razão da não solução deste último é transformada em problema social, como se toda a falta de dinheiro fosse do domínio social.
Nós não sabemos como aplicar honestamente o nosso tempo em nosso favor e em favor dos outros, ajudando a resolver problemas e não a criar ambições desabridas. Transformamos muitas vezes aquilo que deveria ser uma genuína preocupação social numa questão esquizofrénica em que pomos toda a gente a viver os nossos problemas e os vemos como o centro de um conflito social que construímos à sua volta.
Qualquer intervenção a nível mais marcadamente social, se a conseguirmos fazer sem pensar em segundas intenções, será tanto mais válida quando maior a nossa disponibilidade, quando mais os nossos próprios problemas estiverem resolvidos, quanto menos os projectarmos no universo social.

PC-Ponte de Lima mantém-se no limiar da representação

O Partido Comunista foi o único que atravessou a ditadura de Salazar, clandestino e debilitado com imensas dificuldades mas mantendo sempre alguma presença. Já em ditadura seria durante a Segunda Guerra Mundial que se assinala essa presença em Ponte de Lima. O fim da guerra e a vitória dos aliados abriu uma réstia de esperança à vida democrática, infelizmente de pouca duração.
Por ocasião da candidatura de Norton de Matos à Presidência da República o Partido revigorou-se em todo o País e houve um aumento de apoio em Ponte de Lima. Mesmo sem tecido industrial significativo que pudesse constituir a base de um movimento eficaz, Ponte de Lima passou a ser considerado pelo regime um local perigoso, o que o levou a cá instalar quatro forças policiais (PSP, GNR, GF, PVT) com frequentes visitas da PIDE.
Mesmo assim o jornal clandestino AVANTE chegava cá e circulava com alguma fluidez num grupo alargado de apoiantes que, mantendo a chama do republicanismo, aceitavam uma política mais avançada. Jaime Campos era o pivot, com a sua família, desta movimentação. Porém alguns erros cometidos por alguns haveriam de levar a algumas prisões e a uma diminuição da actividade na década de sessenta.
Nessa ocasião e devido à guerra colonial também o PC mudou os seus processos de luta, apostando numa mudança mais suave de regime, chamada de revolução democrática e nacional. O PC quis deixar que os militares, sustentáculo do regime, se apercebessem de quão exauridos estavam os recursos económicos e morais do País de modo a serem eles a dar a reviravolta, o famoso “reviralho”.
Eles assim fizeram. Numa primeira fase, logo após o 25 de Abril de 1974, mas no seguimento de uma política que já vinha do antecedente, o PC renunciou deliberadamente a ter uma intervenção directa nesta zona mais ao Norte do País, deixando ao MDP (Movimento Democrático Português) o papel de captar os votos do eleitorado que lhe estava mais próximo.
Esta estratégia falhou redondamente nas eleições de 1975, mas estas comprovaram a grande influência do PC noutras zonas do País o que criou ilusões de um prolongamento da revolução a partir daí. As clivagens vieram ao de cima em todo o País. O assumir-se em Ponte de Lima com a cara descoberta no Verão de 1975 levou à queima da sua sede em Agosto de 1975. Em 25 de Novembro de 1975 o PC haveria de renunciar em definitivo à tomada do poder pela força.
A partir de 1976 o Partido Comunista haveria de concorrer sempre às eleições, tanto legislativas como autárquicas, tendo no fundo acompanhado os altos e baixos da sua evolução a nível nacional. As suas candidaturas à vereação da Câmara Municipal foram sempre um rotundo falhanço mas é da sua natureza ser persistente e não querer dar os votos a ninguém.
Já quanto à sua candidatura à Assembleia Municipal tem sempre eleito alguém para intervir em seu nome naquele órgão. Tendo concorrido quase sempre em coligação às vezes não se soube propriamente qual a natureza da filiação politica dos elementos que fez eleger para aquele órgão.
A nível concelhio o PC já elegeu um Presidente da Junta da maior freguesia do concelho, Arcozelo. Na candidatura seguinte porém não apresentou o mesmo nome, o que daria origem a perder progressivamente tal apoio. A candidatura da mesma pessoa à vereação municipal seria um fracasso notório.
As perspectivas do Partido Comunista não mudarão significativamente. Marcar a sua presença, contribuir para as votações nacionais, manter a chama acesa. A sua presença, embora em declínio, mantém-se na sede do concelho e em algumas freguesias limítrofes. A sua influência sindical também se faz sentir cada vez menos, já que o poder reivindicativo, também por sua culpa, hoje só reside nas classes poderosas, como juízes, médicos e professores.
O discurso comunista está hoje a nível nacional na posse do Bloco de Esquerda e é conjunturalmente utilizado pela direita. No entanto o Bloco não se consegue implantar em Ponte de Lima, dado o seu carácter de fenómeno citadino, de uma classe média verborreica, dos novos proletários de papel e esferográfica sem nada para dar, dos burocratas pendurados no OE com problemas de consciência mas sem meios de produção próprios.
Em Ponte de Lima o discurso comunista está apropriado pela direita. Veja-se os professores da direita mais radical usarem os argumentos comunistas. Os comunistas não estão ao lado dos pobres e dos proletários reais. Por isso só conseguem o voto de alguns idealistas que pouco se importam com a realidade, quando ela não é aquilo que eles imaginaram um dia.
O lugar que detém na Assembleia Municipal dá-lhe para fazer o discurso anti-governamental mas não tem servido para contestar a política municipal.