Vivemos num mundo em que talvez o sentimento mais partilhado, mais difundido e que mais ocupa os espíritos, é a sede de justiça. Toda a gente se sentiu alguma vez injustiçada, muitos já fizeram por esquecer esses desagradáveis momentos, mas alguma coisa fica, pronta a ser reassumida, pelo que podemos dizer que está sempre imanente uma sede maior ou menor de justiça.
Aceitemos porém que haja alguém que não tenha razões próprias para a ter, que possa até ter vergonha de se considerar alguma vez injustiçado. No entanto, ao menos pelos outros estamos sempre prontos a condoermo-nos, a manifestar a nossa compaixão, a lutarmos mesmo, ou que mais não seja, a apoiarmos moralmente as suas lutas. A sede de justiça exerce-se pelo menos pelo lado social.
Mas, independentemente do artifício social, da nossa participação ou não no “choradinho” institucional, a ausência de justiça nota-se a vários níveis e estamos sempre prontos a assinalar mais algum ponto em que a justiça falha. Falha a justiça onde era pressuposto haver agentes prontos a fazê-la cumprir, mas falha também onde a existência ou não de justiça é o resultado de uma avaliação subjectiva mas, se sem artificio, legítima.
Isto é, a justiça está muito dependente da objectividade que podemos emprestar à análise de uma situação. Embora a subjectividade seja inevitável há questões que têm que ser vistas partindo de noções o mais próximas possível. Entre estas está o entendimento do que define o interesse comum, em que consiste o bom senso, como achar um ponto de equilíbrio entre interesses conflituantes, que grau de intervenção cabe ao Estado?
Dificilmente teremos uma visão correcta em termos de justiça e injustiça se só nos interessarmos pelos assuntos que têm mais visibilidade e ignoramos tudo o resto. Isto cria uma visão distorcida da realidade que nos faz emitir opiniões que, a vingarem, correriam o risco de criar mais ou outro tipo de injustiça. É o nevoeiro social que consegue suplantar as forças da nossa racionalidade.
O ambiente social está empestado de ideias feitas que favorecem os interesses deste ou daquele grupo social. É vulgar um assunto ser abordado em certas zonas de modo diferente de outras mas sempre houve um grupo social dominante que consegue que as suas posições tenham valimento mais generalizado e as suas ideias vão corroendo toda a sociedade. Cada vez mais porém se não pode estabelecer uma demarcação clara da propriedade de certas opiniões porque se formou um caldo intragável de cultura.
Por um hábito que se criou no nosso País é hoje normal atribuir o tipo de justiça que mais impera na nossa sociedade a quem detém o poder. É uma dedução simplista porque na verdade a justiça é um castelo tão complexo de ideias, com tantos contributos e satisfazendo tantos interesses que já não mais se encontrará quem assuma a suas paternidade. Inclusive os membros da corporação da justiça tudo fazem para defender os seus próprios interesses.
Todos sabendo que as coisas assim são e que o nosso modelo é favorável a muitos desvios perpetrados por quem tem a oportunidade de participar na feitura das leis, na fiscalização do seu cumprimento, na sua aplicação, todos temos a imensa ânsia de encontrar um só responsável por tudo isto, de corporizar o mal, de lhe dar uma estrutura de carne e osso, a única com que nós primariamente nos sabemos relacionar.
Quanta maior for a ansiedade, maior é a facilidade com que cedemos a identificar os problemas com quem está mais à mão. Porque assim já procederam católicos, Hitler e outros, com os resultados que se conhecem, não podemos enveredar por esse caminho. Procuremos os responsáveis dos problemas noutros lados, sem personalizações excessivas e, se lá chegarmos, primeiro em nós mesmos e muito em quem nós permitimos que fale por nós.
Na verdade a iniquidade já não está nas pessoas, mas nos sistemas que fazem uma aplicação falseada de ideias que abstractamente merecem o apoio de quase todos. A injustiça já não surge do capricho, como antigamente, mas do engenho. Quando nós estávamos secularmente preparados para nos defendermos das pessoas eis que verificamos que a nossa vulnerabilidade é sistémica.
Continuamos a defender, sem o saber, ideias erróneas. Elas entranharam-se em nós e o que é mais grave na nossa vida de relação. Continuamos a assumir a defesa de certas ideias que só com muita manha se mantém no rol das ideias defensáveis, e que fazem com que quem as assume com facilidade lhe atribuem aquele ar de respeitabilidade que se exige no relacionamento social. E isso contribui para dar razão por vezes a quem a não tem.
Aceitemos porém que haja alguém que não tenha razões próprias para a ter, que possa até ter vergonha de se considerar alguma vez injustiçado. No entanto, ao menos pelos outros estamos sempre prontos a condoermo-nos, a manifestar a nossa compaixão, a lutarmos mesmo, ou que mais não seja, a apoiarmos moralmente as suas lutas. A sede de justiça exerce-se pelo menos pelo lado social.
Mas, independentemente do artifício social, da nossa participação ou não no “choradinho” institucional, a ausência de justiça nota-se a vários níveis e estamos sempre prontos a assinalar mais algum ponto em que a justiça falha. Falha a justiça onde era pressuposto haver agentes prontos a fazê-la cumprir, mas falha também onde a existência ou não de justiça é o resultado de uma avaliação subjectiva mas, se sem artificio, legítima.
Isto é, a justiça está muito dependente da objectividade que podemos emprestar à análise de uma situação. Embora a subjectividade seja inevitável há questões que têm que ser vistas partindo de noções o mais próximas possível. Entre estas está o entendimento do que define o interesse comum, em que consiste o bom senso, como achar um ponto de equilíbrio entre interesses conflituantes, que grau de intervenção cabe ao Estado?
Dificilmente teremos uma visão correcta em termos de justiça e injustiça se só nos interessarmos pelos assuntos que têm mais visibilidade e ignoramos tudo o resto. Isto cria uma visão distorcida da realidade que nos faz emitir opiniões que, a vingarem, correriam o risco de criar mais ou outro tipo de injustiça. É o nevoeiro social que consegue suplantar as forças da nossa racionalidade.
O ambiente social está empestado de ideias feitas que favorecem os interesses deste ou daquele grupo social. É vulgar um assunto ser abordado em certas zonas de modo diferente de outras mas sempre houve um grupo social dominante que consegue que as suas posições tenham valimento mais generalizado e as suas ideias vão corroendo toda a sociedade. Cada vez mais porém se não pode estabelecer uma demarcação clara da propriedade de certas opiniões porque se formou um caldo intragável de cultura.
Por um hábito que se criou no nosso País é hoje normal atribuir o tipo de justiça que mais impera na nossa sociedade a quem detém o poder. É uma dedução simplista porque na verdade a justiça é um castelo tão complexo de ideias, com tantos contributos e satisfazendo tantos interesses que já não mais se encontrará quem assuma a suas paternidade. Inclusive os membros da corporação da justiça tudo fazem para defender os seus próprios interesses.
Todos sabendo que as coisas assim são e que o nosso modelo é favorável a muitos desvios perpetrados por quem tem a oportunidade de participar na feitura das leis, na fiscalização do seu cumprimento, na sua aplicação, todos temos a imensa ânsia de encontrar um só responsável por tudo isto, de corporizar o mal, de lhe dar uma estrutura de carne e osso, a única com que nós primariamente nos sabemos relacionar.
Quanta maior for a ansiedade, maior é a facilidade com que cedemos a identificar os problemas com quem está mais à mão. Porque assim já procederam católicos, Hitler e outros, com os resultados que se conhecem, não podemos enveredar por esse caminho. Procuremos os responsáveis dos problemas noutros lados, sem personalizações excessivas e, se lá chegarmos, primeiro em nós mesmos e muito em quem nós permitimos que fale por nós.
Na verdade a iniquidade já não está nas pessoas, mas nos sistemas que fazem uma aplicação falseada de ideias que abstractamente merecem o apoio de quase todos. A injustiça já não surge do capricho, como antigamente, mas do engenho. Quando nós estávamos secularmente preparados para nos defendermos das pessoas eis que verificamos que a nossa vulnerabilidade é sistémica.
Continuamos a defender, sem o saber, ideias erróneas. Elas entranharam-se em nós e o que é mais grave na nossa vida de relação. Continuamos a assumir a defesa de certas ideias que só com muita manha se mantém no rol das ideias defensáveis, e que fazem com que quem as assume com facilidade lhe atribuem aquele ar de respeitabilidade que se exige no relacionamento social. E isso contribui para dar razão por vezes a quem a não tem.
É igualmente inquietante que as pessoas não possam fazer justiça entre si com base em acordo porque o sistema de justiça o não permite. Também a razão raramente está toda do mesmo lado, mas não é normal não estar de lado nenhum. Em quase todos os acontecimentos que são base de litígio entre as pessoas se encontram antecedentes, condicionantes que os agentes de justiça utilizam para retirar a responsabilidade aos dois lados e a culpa morre solteira.