sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A crítica superficial e sem seriedade

A crítica superficial é a que mais prolifera na praça pública. Não só porque as nossas capacidades para entender, fazer alguma coisa ou contribuir de algum modo para mudarmos a realidade são limitadas mas porque há forças politicas apostadas em que assim seja e outras, quase todas, que disso se aproveitam.
Como há muita gente a pensar imediato, é fácil encontrar o número suficiente de pessoas para dar a certas afirmações jocosas uma ressonância despropositada. Quem dos meios político/jornalísticos acha que isso lhe será favorável reforça em meios mediáticos aquilo que corre nesse imediatismo fácil.
Não faltam pessoas que já tenham verberado esta situação. Mas por mais que tenham gritado que assim não pode ser, que se não pode recorrer à crítica fácil e na ponta da língua, ao insulto e à frase achincalhante, assassina, pretensamente hilariante, não se vêem melhorias significativas.
Não chega, se é que isto leva a lado algum. Afinal são vozes de quem é a primeiro objectivo deste deita abaixo. Este jogo persistente em que o facciosismo está sempre presente, ora se bate para uma lado ora para outro, está enraizado de forma bem segura na alma nacional. Os críticos de hoje sabem ser os candidatos a criticados no futuro. E ninguém se parece preocupar seriamente com isso.
Depois há aqueles tão versáteis que estão sempre do lado dos críticos. Uns por debilidade mental, por interesse em agradar, outros que assumem uma pretendida superioridade de quem julga ter solução para tudo. Há gente que está sempre a ver o grotesco nos outros e não olha para as tristes e mesmo miseráveis figuras que faz. Para esses os outros falham sempre.
Mesmo quando temos sérias e honestas razões para criticar e até gostaríamos e veríamos com bons olhos que os outros criticassem também aqueles ao lado dos quais, à falta de uma opção melhor, nós estamos, somos obrigados a demarcarmo-nos de certas críticas assentes em argumentos errados e assim desonestos e maldosos, sem fundamento.
Pugnar pelo aperfeiçoamento dos mecanismos sociais, pela gestão equilibrada da coisa pública, por fazer prevalecer a solidariedade face ao egoísmo reinante, passaria por uma crítica que tivesse em si os argumentos que se auto-justificassem, no sentido de se conseguir melhor politica, melhor ambiente social.
Haverá gerações para que isto mude. Mas se estamos à espera que as condições sócio-económicas mudem para que este panorama psíquico melhore, para que as dúvidas que assolam os espíritos se esvaziem, nunca mudarão o suficiente para desarmar esta chacota parva em que todos nos deixamos levar, à falta de melhor para passar o tempo.
Incrivelmente, quando já julgávamos ter alcançado uma situação há anos impensável e que satisfaria as pessoas que estão eram as protagonistas, tudo cai por terra e a insatisfação ressurge nas novas gerações persistente e indomada. Que é feito dos nossos conhecimentos? Quem está encarregado de os transmitir?
A principal condição do aperfeiçoamento do nosso conhecimento ou ao contrário da manutenção deste espírito medíocre de crítica acéfala é a forma como se exerce o ensino e a maneira como é reproduzido a nível dos meios de comunicação. É que o conhecimento se desenvolve mais rapidamente do que o nosso entendimento individual é capaz de acompanhar.
Todos aqueles a quem não chegam as capacidades para a explicação da realidade se deixam tomar por essa verborreia imensa que lhes esvazia a alma. O jornalismo é arrastado, a honestidade intelectual não é paga e mesmo nos órgãos estatais campeia a crítica mais descabelada e patética. Também se obriga o governo e as câmaras a darem espectáculo para verem passar a sua mensagem.
O império das audiências e das leituras faz com que, por mais intelectuais em que nos armemos, por mais séria que queiramos que seja uma discussão, se nela não encontrarmos umas partes que nos ponham a rir, já não achamos graça nenhuma e para a próxima possivelmente não nos apanham a ver ou ler.
Enfastiamo-nos facilmente e só guardamos aquilo que podemos utilizar para a chalaça, a tirada fácil, o insulto soez. Damos pulos de contentamento se descobrirmos nos outros uma brecha, uma réstia de descontinuidade de que, no nosso entendimento, podermos fazer um caso grave de incoerência.
Vamos persistindo com raiva e desfaçatez em perseguições teatrais na busca de roupa suja para espalharmos de forma acintosa no estendal mediático. Quando a bola de sabão tiver dimensão razoável já ninguém olhará para quem lhe deu origem, para os seus defeitos e propósitos.
Passamos a vida a chamarmo-nos ignorantes, parvos e outros mimos ainda mais agressivos, a hipocritamente pôr nos outros a defesa dos valores económicos quando a economia é de todos e é o coração, o cerne e a seiva da nossa vida. Relativizamos tudo, até a liberdade e a democracia, conforme as conveniências de uma retórica balofa e sem sentido.
Todos temos a pretensão de saber de todos sem desvendar os nossos interesses e objectivos. Conforme as nossas necessidades argumentativas, assim vamos atacando os outros e colocamo-los despudoradamente a defender as proposições opostas às que nós efectivamente defendemos.
Para nunca estarmos desarmados, organizamos um catálogo de tiradas bombásticas que nós vamos arquitectando e tornando disponível para arremessar, qual fumo atirado aos olhos alheios, quando não sabemos ou não queremos responder às questões legítimas que nos colocam os nossos adversários.
Com um número razoável de proposições verrinosas montamos um cerco à pessoa que desejamos derrotar de modo a perturbá-la, condicioná-la e fazê-la assumir afirmações que nunca terá feito ou corroer-lhe o ânimo. No fundo os fracos só se limitam a copiar quem dá o exemplo, os poderosos.
Humilhamo-nos sem necessidade, por perversidade, por gosto. É um jogo desleal, ignóbil, ardiloso, cobarde. Mas é nesta cultura de espertismo e de ofensa à inteligência que nos sentimos bem. E, para cúmulo, raramente ganhamos algo com isso, o que não favorece a bondade da questão, mas que lhe dá um aspecto fútil.
Vamos percorrendo caminhos velhos sem despertar para a novidade e o futuro. Não abrimos horizontes de liberdade e inovação, antes investimos na subserviência e no atavismo. A mantermos as nossas divergências neste patamar de acusações não conseguimos sair do passado, se é que o queremos.
Isto leva-nos a evitar o diálogo e a remetermo-nos a uma trincheira. Em vez de abrir fronteiras construímos barreiras. Trocamos o gosto pela vida pelo gosto de desagradar. Em vez de expandir a claridade fechamos a luz. Aviltamos o homem, de modo algum o nobilitamos.