terça-feira, 20 de junho de 2006

O meu apreço pela vaca das cordas

A minha relação com o bicho, o touro, a dita vaca das cordas nunca foi uma relação fácil, tu cá tu lá. Também é certo que só nos encontramos uma vez por ano. O nosso distanciamento mantém-se, tão fugaz que é este encontro.
De qualquer modo eu gosto de a tratar meigamente por vaca e das cordas, senão ela fugia-nos. É assim que ela nos segue ou nós a seguimos a ela por essas ruas empedradas que nos raspam a pele se temos o azar de nelas cair.
É verdade que isto, que me já sucedeu, é cada vez mais improvável. Agora a vaca já só vai à Igreja Matriz. Depois regressa ao areal que passou a ser há uns anos atrás o local privilegiado para as suas deambulações.
Se a largueza do areal traz mais arrojo e atrevimento, é de continuar a ter respeitinho à vaca. Pesa mais uns quilitos do que nós e tem na cabeça aqueles dois apêndices que, mesmo embolados, podem fazer das suas.
Nisto de vaca a nossa idade conta muito. Mas sempre houve valentes que à custa de uns arranhões lá vão mantendo a tradição. Não é o meu caso pois, se continuo a gostar, afasto-me dela cada vez mais.
Porém não venho para cá dizer mal da dita nas suas costas. Ela tem uma grande superioridade física mas é leal. È verdade que de vez em quando perde a paciência mas somos nós os chatos que a andamos sempre a importunar.
É uma luta desigual. A força contra a manha ou perícia de quem com ela quer brincar. Ela não é traiçoeira mas, perante tanta solicitação, convém ter a atenção redobrada não vá escolher-nos a nós como alvo da sua forte marrada.
Se lhe virarmos as costas sujeitamo-nos à sua cornada que pode atingir os sítios mais imprevistos. Por mais inocente que seja a brincadeira, há que nunca subestimar a esperteza dos outros, mesmo que seja só uma vaca.
É muita gente. Tanta que a vaca às vezes passa despercebida no meio da multidão. Há sempre um burburinho no sítio em que ela está mas convém estar alerta, não vá ela surgir da direcção mais improvável.
A juventude e alguns menos jovens ainda gostam desta balbúrdia incontrolada. Todos ficam possuídos de uma força extra que os leva às atitudes mais caricatas. Um desafio à vaca já faz de qualquer um valente e destemido.
Viver a festa é partilhar esta euforia que se apodera de todos, faz dum timorato um impetuoso guerreiro pronto a enfrentar a besta. A festa vive-se na areia, na relva, na rua, num bar que a vaca em todo o lado pode aparecer.
A vaca vai recolher que já está cansada. Já fez algumas das suas que é da natureza do animal ser bravo e afastar com umas marradas quem o quer incomodar. Não sei se ele gostou da brincadeira mas nós gostamos com certeza.
O seu destino é o talho, o nosso sempre é mais glorioso. Foi um confronto passageiro que se deixou algumas mazelas, não nos engrandece nem diminui. Todas as brincadeiras fossem assim!
A nossa festa vai continuar. É da nossa natureza sermos assim. Às vezes nem sequer nos apercebemos do motivo da festa. Tantas pessoas não chegam a ver o bicho e isso não lhes diminui o ânimo.
Vêem-se os amigos que há muito se não viam. Fazem-se novos conhecimentos e criam-se ténues ligações. Há sempre a esperança de para o ano nos encontremos de novo!