sexta-feira, 9 de junho de 2006

As lições da IKEA

Quando a 16 de Janeiro passado a comunicação social anunciou aos quatro ventos a instalação de uma fábrica IKEA em Ponte de Lima fiquei surpreendido, como toda a gente. Positivamente, diga-se, que não é todos os dias que notícias destas nos chegam.
Um bom empregador, uma indústria limpa, um nome reconhecido internacionalmente, parecia ser um maná vindo do céu.
Lamentavelmente, no dia seguinte, na efectiva apresentação da assinatura do protocolo entre a empresa IKEA e a agência governamental API, não foi feita qualquer referência ao local de instalação, antes foram referidos 20 como possíveis.
Quase fui levado pela inicial descrição da nossa ligação, via António Feijó, a essa Escandinávia longínqua, fria e em tudo distante, mas também referência a vários níveis na nossa juventude.
Não que eu visse o renascer de um povo solidário doutras épocas. Não que eu visse já aí umas suecas loiras e esculturais, desfilando pelas nossas ruas e rebolando-se na areia do nosso rio. As suecas já foram há muito ultrapassadas no imaginário nacional.
A nossa atracção vira-se agora para outras paragens, mais quentes e em que os espíritos são mais soltos e menos elaborados. Os relacionamentos são bem mais fáceis, mas, adiante, adiante, que não é isto que interessa aqui.
Agora esta gente do Norte é mais racional, o que lhes interessa são números, lembrou sabiamente o nosso José Sócrates. Tudo se iria resumir a uma negociação dura e difícil em que a racionalidade económica, vista pelo prisma da IKEA, seria o factor determinante para um resultado auspicioso.
Não duvidei da boa vontade do nosso Primeiro, mas vi já aí as coisas bem difíceis. Podiam ter-nos privado de um espectáculo assim, mas o certo é que, fosse qual fosse o local da apresentação de um acordo tão importante para o País, a ansiedade pelo resultado final seria a mesma.
Enfim, o mundo é o que é e o dos negócios é pior ainda. A nós, leigos, não habituados a estas regras e preceitos, parece-nos haver em negociações deste tipo tudo o que podemos apelidar como de pouco edificante, negativo e degradante.
São chantagens, manipulações, influências, a permissão de fazer tudo à revelia do que nos parece deverem ser as regras da boa concorrência e da ética negocial.
Ética nestes assuntos, palavra dada? Convenhamos, ninguém hoje dá palavra nos negócios, isso era dantes quando tudo era feito entre gente conhecida, em negócios de ocasião e não envolvia valores deste jaez. Acordos fazem-se agora, devidamente escriturados e com clausulas de salvaguarda cujo accionamento nem sempre é fácil.
É triste! Eu já via alguns euros mais a correr pelas artérias da nossa pobre economia, alguns empregos que nos não obrigassem a emigrar. Enfim parecia alguma coisa sólida e para durar, alguns anos ao menos.
Quando se perde, e é disso que se trata aqui, todas as desculpas servem. Não nos podemos conformar com isso. Também aqui temos de adquirir competências, se não queremos ser trucidados no meio de forças que não dominamos.
Não se trata já de não deixar que outros brinquem connosco. Nem de assumir a altivez de quem não precisa de ninguém para nada. Trata-se de ter os pés bem assentes à partida, convencermo-nos que nos dias de hoje as coisas se já não resolvem em almoços.
Há muito trabalho a fazer e bem longe dos holofotes da televisão. Já não é a sedução que funciona. De qualquer modo seria sempre mais difícil seduzir um empresário nórdico do que um veraneante de Gondomar
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