terça-feira, 4 de abril de 2006

Uma feira de retalhos

As grandes feiras polivalentes são características das terras pequenas, dos pequenos aglomerados urbanos que têm à sua volta um povoamento disperso e uma população com liberdade bastante para gerir o seu tempo, quase ao ritmo da natureza. Os feirantes adaptaram-se ao esse ritmo das pessoas.
Um pequeno aglomerado urbano, por si, não consegue satisfazer as necessidades dos habitantes dele dependentes. Os próprios comerciantes locais, para terem sucesso, precisaram de se adaptar ao ritmo das feiras.
Em tempo, o Zé Alemanha, o Lopes Martins, o Teixeira, os ourives, tamanqueiros, funileiros, etc., no dia de feira expandiam o seu negócio para o local da feira. Era já a feira a submergir o comércio local.
À medida que aumentou o poder aquisitivo das pessoas, o comércio local não foi capaz de dar resposta capaz. Sem supermercados e grandes armazéns e mantendo-se sem alteração o ritmo das pessoas o que era harmonioso desenvolveu-se e tornou-se um monstro. A feira tudo levou de vencida.
A feira faz falta. Fará sempre falta. Como espaço de certa liberdade, de novidades e de velharias, dos preços competitivos e das coisas imprevistas. Mas não para nos engolir.
A função dos poderes públicos não é de deixar que as coisas se arrastem e possivelmente se resolvam por elas. È antes de intervir, regulamentar, estruturar, moderar ou estimular, de ter uma ideia clara e explícita e de gerir em conformidade com ela.
Esta Câmara não tem ideia do que anda a fazer. Digamos que patrocina uma certa anarquia organizada? Parece que é a mais condescendente apreciação que se pode fazer ao seu trabalho.
A sua actuação caso a caso, aos retalhos, deixa a gente confusa e as soluções ao cuidado do acaso. Quando se deixou tomar conta da Avenida dos Plátanos, alguém devia ser responsabilizado.
Mandaram-se as galinhas para S. João mas os ovos continuam no Largo de Camões. Sapatarias são mais de cinquenta e aparecem por tudo que é sítio. Bares sem qualquer espécie de higiene, atentados à saúde pública, proliferam como cogumelos.
Vendem-se produtos alimentares, como o bacalhau, um pouco por todo o lado. Só a feira tradicional de produtos do nosso campo é que definha. A título de falta de condições higiénicas, atrofia-se quanto se pode.
Noutros sectores o estado de saturação da feira é tal que os feirantes “matam” o negócio uns dos outros. Tanto faz, pois eles sempre levarão algum e no conjunto quase tudo. A feira é a sangria da nossa economia.
Só a Câmara ganha uns míseros patacos. Cobra taxas, mas tem que fazer o trabalho mais sujo. Acresce o seu património monetário mas deixa delapidar o património urbano. A lógica da feira não passa por aqui.
Cada ferro que se espeta nos nossos passeios é uma seta envenenada nos nossos corações. Todos têm direito à vida mas o direito dos velhos feirantes não é respeitado pelos novos invasores. Organizemos as coisas condignamente. Se sair alguém prejudicado, nós não somos nenhum fundo de garantia.
Faça-se planeamento capaz, ouça-se a gente interessada, a que vive e sente o pulsar do nosso meio e os especialistas que entendam do assunto. Controle-se o que houver que controlar e cortem-se as arestas, os abusos.
A feira actual já está a léguas da tradicional. A feira de retalhos tornou-se um monstruoso supermercado ao ar livre, inamovível. Perante a impossibilidade de regressar aos padrões antigos, só há uma solução: Mover o monstro.
Há vinte anos que isso está pensado. O que falta para concretizar?