Já vão uns anos que o carácter edílico do panorama rural dominante no nosso meio se alterou significativamente e em alguns aspectos radicalmente. Chamava-se nos compêndios à agricultura que se praticava de promíscua e de auto-subsistência.
Efectivamente tudo se misturava e chegava-se a ver cinco patamares de diferentes culturas cujos frutos tinham diferentes naturezas. Cultivava-se o feijão rasteiro, o milho, havia uma latada de vinha, por cima uma oliveira e ainda, imaginem, uma nogueira mais alta.
Não era a perfeição mas tinha-se um pouco de tudo. E pouco mais se cultivava. Havia algum centeio, forragem para o gado, tremoço, batata, cebola e algumas outras curiosidades, mas em lugares específicos e em quantidades tais que só garantiam a auto-suficiência.
Havia o gado, em especial vacas, tantas quantas a dimensão das terras cultivadas e das pastagens naturais o permitia. Eram o pé-de-meia mesmo quando eram a meias ou a ganho. E os mais abastados tinham o seu garrano.
Ovelhas ou cabras em pouca quantidade e algumas galinhas, tantas quantas dessem os ovos para a Páscoa do padre. Por vezes algumas outras aves, como perus, patos ou faisões para o curandeiro e o porquinho para o próprio agricultor se mais remediado.
Assim foi durante séculos, depois da vinda da batata e do milho de maçaroca, que antes, presumimos, a vida era ainda mais difícil.
As relações laborais eram simples. Trabalhavam-se primordialmente os bens próprios que em muitos casos eram poucos ou nenhuns. Então era-se criado, jornaleiro ou caseiro, o que dependia muito da distribuição da propriedade.
Só podia ter criados quem já tivesse alguns bens. Só podia recorrer a jornaleiros quem ultrapassava o patamar da auto-subsistência. Só podia ter caseiros quem não precisava de trabalhar ou quem tinha tantas terras que lhe era de todo impossível trabalhar todas.
Nos locais em que imperava a entreajuda havia uma distribuição mais equitativa da propriedade. Aí não havia jornaleiros mas também não havia no geral criados e poucos caseiros. Os caseiros recebiam e davam colaboração em igualdade com os outros. Se havia criados eles trabalhavam pelo patrão.
A economia só era mercantil no excedentário. Não se valorizava excessivamente o dinheiro embora ele valesse ouro. Do que se exportava o mais relevante eram as pessoas. Essas valiam ouro noutros lugares.
Forneciam-se pessoas para as cruzadas, para os descobrimentos, para os “Brasis”, as Américas e, por último, para as “Franças”. Dos primeiros quase nem rasto ficou. Dos últimos perde-se cada vez a ligação, principalmente em relação às gerações nascidas na emigração.
Os que cá foram ficando foram mantendo o jardim, harmonioso aos nossos olhos, belo aos olhos de que não está habituado a tanta exuberância. Os velhos ou as crianças com a vaquinha a pastar, as lavradas ou avessadas com vacas ao arado e lavradores à sachola.
Nas colheitas, fossem desfolhadas ou vindimas, era uma festa que podia continuar pela noite. Todas as actividades que envolviam muitas pessoas eram vistas com a alegria de quem se encontra com os amigos e os quer receber bem. Ponha-se a mesa com tudo que de melhor havia disponível em casa do lavrador, quer fosse abastado ou não.
O tempo das pessoas era o tempo do lugar, era o tempo natural medido em dias e épocas, em sóis e estações. Havia uma harmonia quase perfeita só posta em causa em épocas de calamidades naturais, como secas ou excesso de chuva, em acalmias excessivas ou vendavais tempestuosos.
Esta foi uma imagem que perdurou e que tinha a sua razão de existir, embora não tivesse em conta os naturais conflitos, as exageradas dependências em que muita gente vivia.
A posse da terra e da água, a utilização dos baldios e dos caminhos, tudo era fonte de litígio permanente. Havia fracturas sociais, mais frequentes as divisões transversais do que aquelas mais gravosas que resultassem de cortes feitos horizontalmente.
Os grupos que se formavam até tinham o efeito positivo de contribuir para a criação de uma espírito de entreajuda favorecido pela sua transversalidade. Os seus efeitos negativos podiam porém dar origem, embora esporadicamente, a incidentes cuja gravidade dependia da dimensão dos grupos envolvidos.
Claro que isto não chega, nem é lembrado, no sentido de denegrir uma imagem que se quer pura ou sem grandes máculas. Essa imagem, mesmo com esses dissabores, é que já não tem correspondência à realidade de hoje, muito menos humana, mais contagiada por realidades mais vastas, mais impessoais e com outras dinâmicas.
Efectivamente tudo se misturava e chegava-se a ver cinco patamares de diferentes culturas cujos frutos tinham diferentes naturezas. Cultivava-se o feijão rasteiro, o milho, havia uma latada de vinha, por cima uma oliveira e ainda, imaginem, uma nogueira mais alta.
Não era a perfeição mas tinha-se um pouco de tudo. E pouco mais se cultivava. Havia algum centeio, forragem para o gado, tremoço, batata, cebola e algumas outras curiosidades, mas em lugares específicos e em quantidades tais que só garantiam a auto-suficiência.
Havia o gado, em especial vacas, tantas quantas a dimensão das terras cultivadas e das pastagens naturais o permitia. Eram o pé-de-meia mesmo quando eram a meias ou a ganho. E os mais abastados tinham o seu garrano.
Ovelhas ou cabras em pouca quantidade e algumas galinhas, tantas quantas dessem os ovos para a Páscoa do padre. Por vezes algumas outras aves, como perus, patos ou faisões para o curandeiro e o porquinho para o próprio agricultor se mais remediado.
Assim foi durante séculos, depois da vinda da batata e do milho de maçaroca, que antes, presumimos, a vida era ainda mais difícil.
As relações laborais eram simples. Trabalhavam-se primordialmente os bens próprios que em muitos casos eram poucos ou nenhuns. Então era-se criado, jornaleiro ou caseiro, o que dependia muito da distribuição da propriedade.
Só podia ter criados quem já tivesse alguns bens. Só podia recorrer a jornaleiros quem ultrapassava o patamar da auto-subsistência. Só podia ter caseiros quem não precisava de trabalhar ou quem tinha tantas terras que lhe era de todo impossível trabalhar todas.
Nos locais em que imperava a entreajuda havia uma distribuição mais equitativa da propriedade. Aí não havia jornaleiros mas também não havia no geral criados e poucos caseiros. Os caseiros recebiam e davam colaboração em igualdade com os outros. Se havia criados eles trabalhavam pelo patrão.
A economia só era mercantil no excedentário. Não se valorizava excessivamente o dinheiro embora ele valesse ouro. Do que se exportava o mais relevante eram as pessoas. Essas valiam ouro noutros lugares.
Forneciam-se pessoas para as cruzadas, para os descobrimentos, para os “Brasis”, as Américas e, por último, para as “Franças”. Dos primeiros quase nem rasto ficou. Dos últimos perde-se cada vez a ligação, principalmente em relação às gerações nascidas na emigração.
Os que cá foram ficando foram mantendo o jardim, harmonioso aos nossos olhos, belo aos olhos de que não está habituado a tanta exuberância. Os velhos ou as crianças com a vaquinha a pastar, as lavradas ou avessadas com vacas ao arado e lavradores à sachola.
Nas colheitas, fossem desfolhadas ou vindimas, era uma festa que podia continuar pela noite. Todas as actividades que envolviam muitas pessoas eram vistas com a alegria de quem se encontra com os amigos e os quer receber bem. Ponha-se a mesa com tudo que de melhor havia disponível em casa do lavrador, quer fosse abastado ou não.
O tempo das pessoas era o tempo do lugar, era o tempo natural medido em dias e épocas, em sóis e estações. Havia uma harmonia quase perfeita só posta em causa em épocas de calamidades naturais, como secas ou excesso de chuva, em acalmias excessivas ou vendavais tempestuosos.
Esta foi uma imagem que perdurou e que tinha a sua razão de existir, embora não tivesse em conta os naturais conflitos, as exageradas dependências em que muita gente vivia.
A posse da terra e da água, a utilização dos baldios e dos caminhos, tudo era fonte de litígio permanente. Havia fracturas sociais, mais frequentes as divisões transversais do que aquelas mais gravosas que resultassem de cortes feitos horizontalmente.
Os grupos que se formavam até tinham o efeito positivo de contribuir para a criação de uma espírito de entreajuda favorecido pela sua transversalidade. Os seus efeitos negativos podiam porém dar origem, embora esporadicamente, a incidentes cuja gravidade dependia da dimensão dos grupos envolvidos.
Claro que isto não chega, nem é lembrado, no sentido de denegrir uma imagem que se quer pura ou sem grandes máculas. Essa imagem, mesmo com esses dissabores, é que já não tem correspondência à realidade de hoje, muito menos humana, mais contagiada por realidades mais vastas, mais impessoais e com outras dinâmicas.