sábado, 18 de março de 2006

Sonhos que viram pesadelos

Muitas vezes pensamos ter aquilo com que sonhamos. Iludimo-nos mas daí não vai mal ao mundo. Outras vezes pensamos ter aquilo com que podemos construir um sonho. È um esforço meritório mas quase sempre inglório.
Mas convenhamos: O nosso objectivo não é estragar o sonho de ninguém. Normalmente os sonhos esboroam-se por eles próprios, porque para lhes dar consistência também é necessário “matéria”.
Mas se nós vimos que o sonho não tem pés para andar, o nosso papel será de desmancha-prazeres e a nossa obrigação é, pelo menos, de não contribuir para a ilusão.
Cá para mim da ilusão ao pesadelo não vai grande caminho e, quanto menos asas dermos à ilusão, mais benévolo será o pesadelo.
Ressalvando as comparações, lembro-me do caso da Fátima Letícia, criança inocente a quem foi dado nome de Rainha para satisfazer os sonhos de alguém.
Quando se suponha que deveria ser bem tratada, foi soezmente violentada uma e outra e mais vezes, relegada para o Hospital e se não foi morta foi por milagre. E ninguém foi capaz de descobrir que o sonho não tinha pés para andar.
Mas há quem seja perseverante e que perante quaisquer evidências que possam passar pela mente das pessoas, queira continuar a viver a construção do sonho.
O problema é que será sempre do seu sonho e ninguém será obrigado a patrociná-lo ou a contribuir para ele. Ressalvando a obrigação que todos nós temos de o desmontar.
Como nos preocupamos com as coisas práticas vejamos: O sonho de muitos é ter um Centro Histórico de Ponte de Lima sem carros, um areal só com areia, um vasto espaço cheio de vida, de comércio, de gente alegre e comunicativa, de espectáculos de sonho e luz, de festa permanente e colorida, de cultura e arte quanto farte.
Para este peditório estamos fartos de dar. Mas eu daria também se me demonstrassem a bondade da proposta.
Ponte de Lima tem história. Mas como esta existe, não podemos fazer dela uma fantasia. Ponte de Lima teve uma muralha. Mas como, à altura, era necessário deitá-la abaixo, deitou-se.
Porque se não deixou estar tudo como estava e se foi construir uma nova Vila algures na Madalena ou no Oural?
Porque o Espírito da Terra está aqui. È destruidor, construtor ou reformulador? É essencialmente expansivo, como o espírito de todos os lugares. Mas como todos tem letargias.
Ponte de Lima deitou abaixo a grande parte das suas muralhas mas não cresceu significativamente. Fizeram-se prédios altos como não há nas redondezas, muito à custa das pedras das ditas muralhas, mas continuou a existir uma fronteira.
Não precisou ou não pode alargar-se. Rodeada de terras e quintas que lhe não pertenciam, definhou por muitos anos. Custou-lhe respirar.
Só no início do século anterior esbracejou um pouco com a abertura de novas avenidas: As marginais ao rio e a António Feijó, que, por muitos anos, continuaram a ficar desertas.
Verdadeiramente só com o 25 de Abril se alargaram fronteiras. Ao se alargar e desenvolver, perdeu-se a harmonia que o velho burgo continha.
A solução parece assentar em autonomizar o Centro Histórico e deixar crescer uma nova vila ao desvario. Tornar o Centro capaz de sobreviver, de ter “matéria” com que se alimentar, de manter o espírito vivo é quanto baste. Mas nem isso.
Actualmente quem lhe dá vida é fundamentalmente quem a ele acede pela manhã. Mas a dinâmica suicida que se criou é para a deslocalização do comércio, dos serviços, da habitação: De tudo, menos, vá lá, das pedras.
Há prédios recuperados e sem inquilinos. Será que os seus donos foram no sonho e agora querem loucuras para o partilhar? Ou os preços não serão especulativos e mesmo assim não são atractivos?
Mesmo tendo a Câmara deixado converter habitação em escritórios, não se inverteu a dinâmica criada: Seriam necessárias mais do que boas vontades.
Hoje impera a racionalidade e já toda a gente faz a gestão integrada do tempo. Hoje a vida já não é um prazer. A alegria não transparece nos nossos rostos.
Se sempre houve tempo para tudo, era o nosso tempo e o tempo do lugar. Era esse tempo comum que tínhamos que repartir e partilhar. Hoje, para nós, seres repartidos, o tempo de lazer já não passa por aqui, está relegado para algures, em tempo devido.
Aqui vivemos um tempo despojado de encanto, aguardando à espera do aparecimento do(s) messena(s) no telejornal. Vivemos o tempo da fantasia.