sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O republicanismo como princípio válido

Temos tanta vontade de comemorar algo que quando não temos nada para o efeito somos levados a fazê-lo do irrelevante. Precisamos de modo premente de ter algo a celebrar, algum momento que, tendo sido decisivo e favorável, pelo menos tenha ajudado a que o nosso percurso não tenha sido pior do que tem sido. Sendo assim custa-nos distinguir entre aquilo que é significativo e aquilo que se destina apenas a encher número.
O caso das comemorações do Dia da Implantação da Republica, o 5 de Outubro pode-se incluir entre aqueles que tinham perdido quase todo o significado por ter entrado numa rotina incaracterística. Subitamente este ano o 5 de Outubro reapareceu, foi um relativo êxito, chamou a atenção, despertou a curiosidade para o momento em que ocorreu a mudança e para que se clarifique o que distingue dois regimes assentes em pressupostos claramente divergentes.
Na nossa história o 5 de Outubro não tem comparação com as Descobertas, o nosso maior feito. Tendo sido uma rotura, não foi no entanto um avanço imediato e significativo. Foi tão só um começo, um momento dado já muito antes por inevitável, mas de que o seguimento foi sempre uma incógnita. A esta afirmação de republicanismo viriam a faltar muitas outras condições para que a nossa caminhada pudesse ter sido mais auspiciosa. Na verdade quase tudo falhou ou foi reversível.
O Marquês de Pombal e o Liberalismo Monárquico haviam feito muito mais pelo País que os 16 anos de Republica foram capazes de fazer. A Primeira Guerra Mundial foi um desassossego para nós. Salazar haveria de eliminar quase tudo o que a I Republica fez, mas não eliminou as transformações operadas nos séculos anteriores. Para Salazar o primordial era eliminar tudo o que cheirasse a I Republica. Essa obsessão haveria de condicionar toda a sua acção.
Noutros 5 de Outubro já tínhamos sentido o vazio, um sentimento de tempo perdido, sem outra repercussão que não fosse a de mais um dia feriado. Felizmente que neste ano do centenário o 5 de Outubro readquiriu algum sentido mercê da visibilidade que lhe foi dada. Subitamente conseguimos vislumbrar para além da noite salazarista uma luz que resplandeceu e nos iluminou um pouco mais os dias de hoje. A campanha salazarista contra o republicanismo, em todas as suas implicações parece ter-se desvanecido, enfim.
O republicanismo é um princípio solidamente arreigado, que nem Salazar conseguiu desrespeitar em alguns dos seus aspectos, mas que merece mais aperfeiçoamento e difusão. Porém nenhum princípio se pode afirmar pela negação de um qualquer outro. Também o republicanismo se afirma por ser aquele que mais se coaduna com a condição humana, na sua diversidade e na sua luta contra a degenerescência.
A comemoração do derrube da monarquia seria pouco porque quando outras condições são propícias, e a monarquia nem sempre é nefasta, a sociedade é capaz de se desenvolver e de grandes conquistas civilizacionais. Mas o facto de a monarquia ter alguns momentos positivos é muito pouco para a defender. A mobilidade social tem que ter plena expressão pela possibilidade de acesso de qualquer um a qualquer cargo ou função na sociedade. Não é legitimo que se imponha um lugar à nascença seja qual for esse lugar e seja qual for a estirpe de quem o ocupa.
O republicanismo já se impôs à consciência universal de modo que mesmo onde há reinados ficou o Rei mas morreu a função que tradicionalmente lhe estava associada. Só que tal situação é ainda mais negativa porque impede outro tipo de soluções do tipo presidencialista que se adaptaria melhor às características de alguns países. Melhor que um Rei fraco seria melhor um Presidente forte.
A verdade é que no mundo ocidental em geral as situações de monarquia que resistem e sobrevivem o fazem mercê de uma escolha implícita feita pela população. Esta entende que o Presidente do País não necessita de mais poder do que genericamente é outorgado aos Reis. Mas tal resulta num equilíbrio instável de todo improvável que se mantivesse sem rotura neste País. Nós adaptaríamos de bom grado uma forma presidencial, mesmo imperial, mas não toleraríamos um Rei de pacotilha a fazer figuras caricatas e a navegar entre o trágico e o ridículo.
Como quando ocorreu a implantação da República tínhamos um Império que havíamos segurado a custo com o beneplácito inglês há quem pense em que estaríamos bem. Na verdade não tínhamos arcaboiço para desenvolver tão vastas terras nem com Monarquia, nem com Republica, nem com a ditadura de Salazar. Depois do segregacionismo de Salazar só nos restou sair do Império pela porta pequena.
A ideia sebastianina de um Rei forte ou de um Presidente forte surge periodicamente na consciência nacional. No entanto é hoje evidente que nos colocamos numa situação de dependência do exterior que não permite tais soluções. São muitos os poderes que se cruzam e o político tem sido o poder que mais tem perdido com esta evolução. A situação parece propícia para um demagogo qualquer aparecer a reclamar para si a solução de todos os problemas pátrios. Felizmente o republicanismo contribui para que venha ao de cima o bom senso imprescindível para ultrapassar este difícil momento de modo democrático e participado.

Sem comentários: