sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Novas ousadias se impõe a Portugal

Mais de oitocentos anos de história consolidaram uma língua, delimitaram um território, definiram um povo. Fomos capazes de mudanças, assimilamos contributos de várias proveniências, aproveitamos da cultura de gente variada. Fomos capazes de algumas ousadias que ajudaram a entrelaçar os nossos caminhos. Aproveitamos bem as nossas virtualidades. Só não demos a consistência precisa às nossas conquistas. Tivemos sempre uma sensação de vazio, de inacabado, de saudade.
Temos estado permanentemente em risco porque outros maiores nos têm afrontado. Não podemos sustentar uma guerra constante e frontal contra adversários tão poderosos. Quando o tentamos baqueamos. É verdade que humilhados também nunca fomos. No nosso passado existiram porém algumas temeridades, impensadas ousadias. Para não nos andarmos a martirizar a toda a hora pelo que estragamos do que havíamos conseguido precisamos de ter plena consciência dos nossos limites.
Se houve outros mais pequenos que nós, nossos antagonistas ou não, que fizeram mais, deixemo-los com os seus feitos porque muitos mais foram os que fizeram manifestamente menos. Não nos podemos deixar levar por ideias megalómanas, deslocadas da realidade. Consciencializemo-nos que não podemos ser bons em tudo e se formos os melhores em algumas coisas já é suficiente para alimentar a nossa auto-estima. A arrogância e o pretensiosismo não são bons conselheiros.
No meu tempo de juventude surgiam ideias, não decerto patrocinadas por gente responsável, mas largamente difundidas, que nos davam como tendo um exército capaz de se bater com russos e americanos. Ora, além de termos um exército que, aos olhos de hoje, muitas vezes não passava de um exército de maltrapilhos, já à altura não tínhamos armamento capaz para um conflito mediano. Só a curtez de vista da maioria e a manipulação de alguns justificava tais asserções.
Já passaram séculos para que possamos visualizar situações em que tenhamos estado em pé de igualdade com os nossos conflituantes. Eram tempos em que a destruição do Império Romano tinha levado à instalação de Estados fracos. Alguns feitos alardeados e aumentados pela História oficial e com grande difusão na escola primária levaram à formação de visões distorcidas. Sem culpa aliás dos professores, inocentes úteis ao dispor da bravata nacional.
Humildemente temos o nosso valor, mas ainda não nos convencemos que não dominamos as regras do jogo. Deslumbramo-nos com o convite para jogar no palco principal, a União Europeia, mas subestimamos as dificuldades que iríamos encontrar no confronto mais aberto com os outros. Tentamos equilibrar com contratações que se revelaram caras. Os milagreiros que prometeram colocar-nos na frente da Europa falharam.
Não tivemos em consideração os enormes poderes que se foram formando. As forças centrípetas entraram em acção cada vez mais fortes. Ainda por cima lançou-se a confusão entre esse processo descontrolado e o federalismo. A resposta em alguns países tem sido suicidária. Os pequenos países fundadores da Comunidade Europeia viraram-se para um processo de desagregação interna, devido à sua impotência perante aquelas forças centralizadoras que progridem nos maiores países.
Em Portugal valha-nos a solidez do Ser Português, para garantir a unidade interna, mas nada está garantido para o futuro. Um Ser Português que continua a ser defensável nesta conflitualidade que se mantém a nível de Estados. A este nível a regionalização não trará benefícios. Substituir o Estado por regiões seria fazer a vontade das forças cujo poder está na união e na dimensão. Regiões cada vez mais dominantes em confronto directo com outros poderes cada vez mais ciosos e coesos não teriam a força negocial dum Estado. Só o federalismo poderá constituir um travão ao processo desagregador que pode eclodir.
Só o Estado, se mantiver a coesão que o tem caracterizado em oito séculos de história, mesmo perdendo alguma soberania a nível de um Estado Federal, conseguirá conservar o poder decisivo em assuntos nevrálgicos para o futuro europeu. Numa Europa Federal poderemos continuar esta saga aventureira do Ser Português. O Ser Europeu é a mais valia que nos faltava para sermos o complemento doutros europeus. Não entramos para a Europa com o objectivo de a pulverizar.
O facto de termos partido para este projecto com um deficit excessivo, essencialmente a nível do aparelho produtivo, mas também educativo e profissional, não é de molde a inviabilizá-lo. Impõem-se que não sejamos titubeantes e que nos não sentemos diminuídos. Sem necessidade de sermos “bons alunos”, impõe-se que nos empenhemos decisivamente. A nossa oportunidade de sermos audazes pode surgir a qualquer momento.
O facto do neo-liberalismo ter tomado conta dos destinos europeus não é de molde a que nos desmoralizemos. O nosso destino está na Europa e é na Europa que devemos lutar por um projecto solidário, como foi sonhado pelos seus fundadores. No entanto forças poderosas dominam agora os orgãos políticos da Europa, na penumbra, mas controlando os políticos cinzentos a quem a vaidade faz com que ocupem cargos a que não sabem dar a consistência precisa, o poder efectivo.

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