sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A humildade é a base da dignidade humana

Ter algumas ideias a expressar sobre qualquer assunto que se aborda intempestivamente mesmo pode dar jeito, mas pode ser problemático perante uma assistência mais preparada. Ninguém gosta de estar em branco, seja sobre que assunto for. Um incómodo, uma sensação de vazio causam um desagrado que nos preocupamos em que não transpareça. De tal modo que, para não dar sinais de fraqueza, caímos na tentação de falar de trivialidades, de tirar conclusões por verosimilhança ou por outro método qualquer.
Quando esta prática se torna habitual é porque caímos no erro de acreditar que temos um método intelectual eficaz para responder a todas as interrogações e mesmo para deixar os outros embasbacados e submissos. As nossas posições passam a ter a categoria de posições de princípio, inquestionáveis, quando muito complementáveis. Quanto menos lacunas do nosso conhecimento se revelarem melhor. A verdade é que socialmente estas posições rígidas rendem e quem o pode fazer estrutura mesmo a sua vida e os seus relacionamentos nesta base egocêntrica. Que os outros nos digam: Este indivíduo sabe, é o nosso maior prazer.
Na retórica social também tem muito importância o que nós dizemos sobre a nossa disponibilidade para andarmos sempre a aprender. No entanto essa afirmação não é tão generosa e genuína como à primeira vista pode parecer. Poucos afirmam peremptoriamente que nada sabem sobre um determinado assunto. Poucos se prontificarão a fazer tábua rasa do seu conhecimento anterior, quando até sabem que só tem uns laivos de conhecimento recolhidos aqui e ali, sem sistematização e sem assimilação. Convencer os outros que já sabemos quase tudo, e mesmo assim estamos prontos para aprender, não é tarefa fácil.
Perante quem nos pode ensinar qualquer coisa, e aqui também não devemos ter ideias feitas sobre o valor dos outros, só devemos ter uma atitude que passa pela humildade de nos colocarmos com toda a abertura de espírito, com a predisposição para aceitar a visão patrocinada pelos outros e para a partilhar, se for caso disso. Porém muitas vezes o nosso ego é demasiado grande para admitir uma coisa dessas. Ou então quem já se não terá fartado de ser humilde, se os outros lhe não dão valor? O drama reside que aquele pouco que possamos saber sobre um assunto pode ser o impedimento para ficarmos a saber mais alguma coisa quando definimos esse saber como uma posição de princípio.
Não confundamos humildade com o resultado de uma qualquer humilhação. Sermos humildes intelectualmente será mais fácil se o também formos na vida prática, mas os problemas que podem surgir são imprevisíveis. A humildade tem que resultar de uma atitude consciente perante os outros, apostando em que estes serão capazes de assumir ou vir a assumir uma atitude semelhante e a não se aproveitarem da humildade alheia. Porém muitos de nós renuncia conscientemente a atribuir a muitas atitudes a validade que elas mereciam e fica-se somente pelo cariz moral, desligando-as da vida corrente.
Ficando-nos sob o ponto de vista intelectual, constatamos que são imensas as pessoas que simulam ter conhecimentos que não têm e que só reconhecem aqueles que procedem como eles. Entre pares é mais fácil fazer compromissos e a vida é um mundo de compromissos. Muitos de nós, só pelo facto de não integrarmos um grupo manipulador, chegamos ao ponto de não nos empenharmos em fazer valer os conhecimentos que temos. Tal atitude assume uma especial importância quando estudamos, porque então há necessidade de termos uma participação activa para aprendermos.
Na vida prática está nas nossas mãos a possibilidade de fazermos alguma coisa para não conviver e mesmo para não pactuarmos com pessoas desonestas. No estudo isso é mais problemático. Temos que assumir compromissos de natureza diferente. Nesta situação há necessidade de associarmos mais intensamente a humildade de quem estuda à honestidade de quem ensina. É o desrespeito deste princípio que tem levado aos maiores equívocos. Quem estuda não tem em geral a força suficiente para pôr em causa a honestidade de quem trabalha, já que é pressuposto que o estudante o não faça. Quem ensina não raro confunde humildade com submissão, o que seria pressuposto não acontecer.
Fora deste mundo difícil da transmissão do conhecimento também podemos fazer alguma coisa para a melhoria do clima intelectual. Podemos clarificar as condições em que aquilo que resta da vida intelectual seja assumido com a dignidade que se impõe. Em termos intelectuais não é bom pressupor que devemos colaborar ou competir, a não ser que o nosso trabalho seja incluído num contexto específico. Apenas devemos contribuir para a dignificação da pessoa humana, com base no desenvolvimento de ideias próprias, suficientemente suportadas no conhecimento histórico e no conhecimento prospectivo.
Perante a impossibilidade de definir regras que a todos obriguem, tenhamos a capacidade de sermos humildes. Não é fácil abstrairmo-nos que vivemos num mundo em que a defesa dos bens materiais está de longe em primeiro lugar, mesmo quando com falsidade o não aceitamos. Constantemente estamos mergulhados na defesa de situações imediatas que exigem respostas que não estamos certos respeitar os princípios que defendemos. Esta também é a razão porque confiamos muitas vezes em pessoas que julgamos estar para além deste envolvimento imediato. É a estes que devemos exigir mais humildade.

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