Defender o Estado parece à primeira vista um anacronismo. A primeira razão é que o Estado é um ser bruto, mesmo o mais bruto dos seres. Muitas vezes actuou de uma forma desumana, absolutamente contrária àquela que o bom senso recomendaria. Possuidor da maior concentração de força, historicamente recorreu a ela com pretextos ridículos, sempre assentes em valores racistas e vontade de rapina sobre outros povos e países. E continua a haver forças que querem regressar a esse passado.
Muitas das entidades antecessoras do Estado ponham entraves à liberdade pessoal a todos os níveis. Os Estados modernos resultaram de muitas lutas para unificar territórios e assim eliminaram muitos pequenos poderes que sempre se quiseram manter. Porém, conseguida uma certa harmonia territorial e racial, a tentação foi continuar essa saga unificadora e dominadora o que levou a fins trágicos. Por esta razão foi tão promissor o liberalismo que primeiro apareceu a querer, com o seu “laissez faire, laissez passer”, que, sem necessidade de unificação política, não fossem colocados entraves à circulação de pessoas e bens.
O totalitarismo venceu em muitos países, mas após a sua derrota o liberalismo renasceu como uma nova esperança. O liberalismo de hoje já é mais estruturado, pois defende um Estado pequeno mas forte, dotado de poderes irrenunciáveis num âmbito limitado de questões. Porém ao não interferir no desenvolvimento das forças económicas, ao permitir que estas próprias controlem outros sectores da sociedade, mostra-se incapaz de impor a sua doutrina e a sua forma de funcionamento a toda a sociedade. Se o seu Estado é mínimo, os poderes que se criam sob a sua protecção são imensos.
Se esta noção do Estado resolve alguns problemas, cria pois outros porque as forças económicas, dotadas das energias acumuladas ao longo dos tempos, geram desigualdades intoleráveis e dão lugar a iniquidades que nunca tinham sido criadas em tempos mais recuados, mesmo quando a maioria dos homens nem liberdade de se movimentarem possuíam. A crença, ainda muito divulgada, que um Estado forte, por estar provavelmente nas mãos das forças sociais mais poderosas, mais contribuiria para agravar a exploração e a acumulação capitalista, faz com que muitos prefiram o Estado liberal ao Estado intervencionista.
A não intervenção do Estado nunca é absoluta, só assume um cariz tendencial. Na prática, sob a capa da não intervenção há forças imensas, umas velhas outras entretanto criadas que exercem o verdadeiro controlo da sociedade. A intervenção do Estado impõem-se, não no sentido da intervenção favorável à actuação livre das forças do mercado, mas sim no sentido de uma intervenção que pondere e assim corrija o peso que as forças de diferente natureza que actuam no mercado têm em diferentes contextos, de modo a que nenhum deles assuma carácter absoluto e absorvente.
Uma exigência premente dos dias de hoje é um Estado forte, não arbitrário na sua actuação, capaz de exercer poderes soberanos na altura própria e na medida adequada e de se não deixar dominar por forças sociais que temporariamente detenham maior relevância e poder, sejam elas de cariz económico, corporativo ou sindical. Sem um Estado forte, mas também dotado de instrumentos de intervenção eficazes, a injustiça prolifera e atinge sectores cada vez mais vastos da população e das actividades sociais.
A maioria das pessoas tem com o Estado uma relação de vista curta, pouco mais que interesseira, no que o interesse tem de mais imediato. Querem que o Estado esteja à ordem, pronto e seja eficaz para apoiar quando dele precisam. Querem que o Estado se oculte, se demita de actuar quando os seus interesses são contraditórios com os deles. O Estado é assim classificado de bom ou mau, conforme o circunstancialismo económico seja ou não favorável. É uma análise redutora, que esquece os benefícios que, mesmo a funcionar mal, usufruímos do Estado e é uma atitude que também retira eficácia à nossa intervenção social.
A nossa relação com o Estado é contraditória. A importância que lhe damos em momentos de crise e em épocas de “vacas gordas” é sempre diferente e isso depende do nosso posicionamento social. As necessidades sociais não são necessariamente as nossas. Na nossa relação com o Estado é essencial sabermos distinguir quais as nossas necessidades pessoais e quais as que a sociedade em geral vai vivendo, sem que nos deixemos enrolar por grupos de interesse específicos. No entanto há grupos que, sem razão, conseguem sobrepor os seus interesses aos nossos. Há imensa gente a defender causas alheias.
Dar apoio aos outros é uma causa justa, quando justificada. Querer que o Estado desempenhe funções que agradem à maioria é meritório. No entanto até aí o nosso pensamento pode já estar viciado. A nossa relação com o Estado está hoje contaminada por todos um descritivo de más práticas deste. É evidente que mesmo as boas intenções têm, ao serem colocadas em prática, efeitos perversos. Além de podermos ser vítimas da contingência, há uma intencionalidade que devemos entender, sem ficar por ela obcecado.
Exigir-se-ia de nós uma relação mais racional com o Estado. Em primeiro lugar reconhecendo as diferentes características deste em relação a outros grupos humanos. O Estado não é apenas mais um interveniente social colocado ao nível de outros interesses particulares ou colectivos. Em segundo lugar reconhecendo sempre ao Estado poderes mais amplos de que os dos outros orgãos da sociedade em qualquer domínio em que está mandatado para intervir, mesmo que esporadicamente. Em terceiro lugar adoptando uma forma democrática de eleger os seus orgãos de modo a lhes dar estabilidade e coerência interna.
O Estado não deve ter poderes absolutos, nem se lhes deve ser reivindicado qualquer origem sobrenatural ou divina. O Estado não deve ser manietado, nem renunciar ou transferir poderes soberanos. No geral sabemos o que o Estado não deve ser, mas temos dificuldade em definirmos-lhe os contornos. O Estado vai sendo, sem ser nada sublime. Um Estado assim, que não está na mão de ninguém, mas também não é conduzido num rumo certo merece ser defendido?
Muitas das entidades antecessoras do Estado ponham entraves à liberdade pessoal a todos os níveis. Os Estados modernos resultaram de muitas lutas para unificar territórios e assim eliminaram muitos pequenos poderes que sempre se quiseram manter. Porém, conseguida uma certa harmonia territorial e racial, a tentação foi continuar essa saga unificadora e dominadora o que levou a fins trágicos. Por esta razão foi tão promissor o liberalismo que primeiro apareceu a querer, com o seu “laissez faire, laissez passer”, que, sem necessidade de unificação política, não fossem colocados entraves à circulação de pessoas e bens.
O totalitarismo venceu em muitos países, mas após a sua derrota o liberalismo renasceu como uma nova esperança. O liberalismo de hoje já é mais estruturado, pois defende um Estado pequeno mas forte, dotado de poderes irrenunciáveis num âmbito limitado de questões. Porém ao não interferir no desenvolvimento das forças económicas, ao permitir que estas próprias controlem outros sectores da sociedade, mostra-se incapaz de impor a sua doutrina e a sua forma de funcionamento a toda a sociedade. Se o seu Estado é mínimo, os poderes que se criam sob a sua protecção são imensos.
Se esta noção do Estado resolve alguns problemas, cria pois outros porque as forças económicas, dotadas das energias acumuladas ao longo dos tempos, geram desigualdades intoleráveis e dão lugar a iniquidades que nunca tinham sido criadas em tempos mais recuados, mesmo quando a maioria dos homens nem liberdade de se movimentarem possuíam. A crença, ainda muito divulgada, que um Estado forte, por estar provavelmente nas mãos das forças sociais mais poderosas, mais contribuiria para agravar a exploração e a acumulação capitalista, faz com que muitos prefiram o Estado liberal ao Estado intervencionista.
A não intervenção do Estado nunca é absoluta, só assume um cariz tendencial. Na prática, sob a capa da não intervenção há forças imensas, umas velhas outras entretanto criadas que exercem o verdadeiro controlo da sociedade. A intervenção do Estado impõem-se, não no sentido da intervenção favorável à actuação livre das forças do mercado, mas sim no sentido de uma intervenção que pondere e assim corrija o peso que as forças de diferente natureza que actuam no mercado têm em diferentes contextos, de modo a que nenhum deles assuma carácter absoluto e absorvente.
Uma exigência premente dos dias de hoje é um Estado forte, não arbitrário na sua actuação, capaz de exercer poderes soberanos na altura própria e na medida adequada e de se não deixar dominar por forças sociais que temporariamente detenham maior relevância e poder, sejam elas de cariz económico, corporativo ou sindical. Sem um Estado forte, mas também dotado de instrumentos de intervenção eficazes, a injustiça prolifera e atinge sectores cada vez mais vastos da população e das actividades sociais.
A maioria das pessoas tem com o Estado uma relação de vista curta, pouco mais que interesseira, no que o interesse tem de mais imediato. Querem que o Estado esteja à ordem, pronto e seja eficaz para apoiar quando dele precisam. Querem que o Estado se oculte, se demita de actuar quando os seus interesses são contraditórios com os deles. O Estado é assim classificado de bom ou mau, conforme o circunstancialismo económico seja ou não favorável. É uma análise redutora, que esquece os benefícios que, mesmo a funcionar mal, usufruímos do Estado e é uma atitude que também retira eficácia à nossa intervenção social.
A nossa relação com o Estado é contraditória. A importância que lhe damos em momentos de crise e em épocas de “vacas gordas” é sempre diferente e isso depende do nosso posicionamento social. As necessidades sociais não são necessariamente as nossas. Na nossa relação com o Estado é essencial sabermos distinguir quais as nossas necessidades pessoais e quais as que a sociedade em geral vai vivendo, sem que nos deixemos enrolar por grupos de interesse específicos. No entanto há grupos que, sem razão, conseguem sobrepor os seus interesses aos nossos. Há imensa gente a defender causas alheias.
Dar apoio aos outros é uma causa justa, quando justificada. Querer que o Estado desempenhe funções que agradem à maioria é meritório. No entanto até aí o nosso pensamento pode já estar viciado. A nossa relação com o Estado está hoje contaminada por todos um descritivo de más práticas deste. É evidente que mesmo as boas intenções têm, ao serem colocadas em prática, efeitos perversos. Além de podermos ser vítimas da contingência, há uma intencionalidade que devemos entender, sem ficar por ela obcecado.
Exigir-se-ia de nós uma relação mais racional com o Estado. Em primeiro lugar reconhecendo as diferentes características deste em relação a outros grupos humanos. O Estado não é apenas mais um interveniente social colocado ao nível de outros interesses particulares ou colectivos. Em segundo lugar reconhecendo sempre ao Estado poderes mais amplos de que os dos outros orgãos da sociedade em qualquer domínio em que está mandatado para intervir, mesmo que esporadicamente. Em terceiro lugar adoptando uma forma democrática de eleger os seus orgãos de modo a lhes dar estabilidade e coerência interna.
O Estado não deve ter poderes absolutos, nem se lhes deve ser reivindicado qualquer origem sobrenatural ou divina. O Estado não deve ser manietado, nem renunciar ou transferir poderes soberanos. No geral sabemos o que o Estado não deve ser, mas temos dificuldade em definirmos-lhe os contornos. O Estado vai sendo, sem ser nada sublime. Um Estado assim, que não está na mão de ninguém, mas também não é conduzido num rumo certo merece ser defendido?
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