sexta-feira, 19 de março de 2010

Mais inteligência é mais amor e mais beleza

É comum falar-se da inteligência como se fala do amor e da beleza, como algo de sublime, inatingível na sua perfeição absoluta. Na verdade a maioria de nós só consegue aceder a um rudimento de amor, de beleza e também, e porque não, de inteligência. A escassez destes valores, que tanta falta nos fazem, em nós e nos nossos pares, é uma grande preocupação de muitos. E também o é o facto deles se desenvolverem alheados uns dos outros. O ideal é uma conjugação harmoniosa dos três.
Porém também não faltará quem nos inunde de amor, de beleza e de inteligência., suas e alheias, bem ou preferencialmente mal distribuídas pelo mundo, mas em quantidade suficiente para que se realce mais em outros o ódio, a fealdade, a estupidez. Presunção e água benta nunca fizeram mal a ninguém, no entanto esses valores ainda são poucos e era bom que estivessem mais difundidos. Seria irrelevante quem fossem os seus portadores, pois não só estes ganhariam, ganharíamos todos com isso.
Porém as pessoas suportam mal que se lhes diga que o seu contributo para esses bens de valor universal é diminuto. Aliás assinalar isso pode ser cruel, principalmente usando designações depreciativas dos méritos de que cada um é possuidor. Quem o faz usando o seu estatuto, o lugar que ocupa, a humildade alheia, não tem classificação para o fazer. A arrogância não pode ter lugar em quem quer ser garante desses valores.
Uma das nossas maiores debilidades na vida social é a inexistência de um pacto de lealdade entre os pares. Somos capazes de amor, de exprimir beleza, somos possuidores de inteligência, mas todos em quantidades diversas. Em termos humanos somos iguais. E também com capacidade de alguma leviandade em relação a valores que deveriam merecer da nossa parte outro tratamento.
É verdade que mais amor e mais beleza suavizariam a nossa vida, mas a muitos de nós sobra-nos escrúpulo para os pedir. Talvez por isso não falta quem se feche em mundos restritos que lhe servem de refúgio só porque aí não lhe faltam odes à sua beleza, louvores aos seus sentimentos, elogios à sua inteligência. Arranja um grupo de amigos que lhe cantam loas e está garantida a eternidade. Não nos podemos deixar enganar por estas imagens montadas.
A conflitualidade pelo amor, pela beleza e pela inteligência é muitas vezes vista como se inserindo na conflitualidade geral da sociedade misturando-se com os interesses pessoais dos seus membros. Cada vez há mais ambição, não só por desfrutar desses valores na sociedade, como por os possuir a qualquer preço. No entanto, antes de os tentar adquirir, era bom ter uma noção desses valores e verificar se a forma adoptada de os adquirir os não contamina irremediavelmente.
A importância dada à inteligência deriva muito do decréscimo da valia da força física. Historicamente sempre foi considerado que a alternativa à resolução dos problemas através da força bruta deveria ser a sua resolução através da aplicação da inteligência, mas infelizmente este percurso nunca foi linear. Se no trabalho a força humana foi já muito substituída por outras forças e, se nas relações humanas houve um grande decréscimo, as relações internacionais ainda se baseiam essencialmente na força, seja de que natureza for.
O facto de não ser dada à inteligência a importância que ela tem também deriva da própria subjectividade com que ela é apreciada e escrutinada. Concordamos em que há muita coisa mal feita, mas não na forma de o fazer. E a melhor maneira de avaliar a inteligência é pela sua aplicação. A inteligência assume formas diferenciadas, mas a que nos interessa é aquela que promove uma boa conjugação com os outros valores universais, mas também com os sociais.
Nunca terminará a controvérsia sobre a inteligência, os seus contornos, os seus bons e maus procedimentos. Afinal a nossa racionalidade limitada só nos permite aceder a parte das virtualidades da inteligência universal. E aquilo a que não acedemos é como se não existisse. A nossa inteligência só pode ser abalizada no quadro restrito em que tem condições para agir. Mas ela própria é a responsável pela criação desse quadro mental e por qualquer desfasamento que possa existir entre ele e a realidade.
Nós tentamos reproduzir os procedimentos da vida real porque só assim conseguiremos perceber a realidade. Mas, por não chegarmos a todas as suas nuanças e imprevistos, enveredamos pela abstracção e verosimilhança na tentativa de nos aproximarmos dela. Até que ponto nos podemos afastar dessa realidade é um desafio a que só cada um pode responder, mas é fonte de conflitos externos, mas também de dramas pessoais.
Afinal a melhor forma de valorar a inteligência é pelo seu contributo para o amor e a beleza, valores que nos dão satisfação pessoal e colectiva. Com inteligência podemos criar estados de espírito auspiciosos, uma estética apropriada, uma ética sustentável. Inteligência sem outros valores universais, sem valores sociais só pode ser esperteza e nega-se a si própria. Toda a avaliação em termos de inteligência abstracta é perigosa e dispensável.
Todos somos penalizados pelo mau uso da inteligência, pela condescendência com os princípios da temporalidade, pela tolerância com as afrontas que lhe são feitas. Na nossa limitada racionalidade só conseguimos progredir a pulso, porque são muitas as solicitações que nos surgem. As análises são cada vez mais difíceis, as sínteses são cada vez mais complexas. Quando nos apercebemos que temos inteligência já os esquemas estão adquiridos, as ideias estão feitas, os sofismas instalados.
Na vida prática o nosso caminho é o contrário da pesquisa. Na vida prática necessitamos de sínteses mais descomplexadas, nem excessivamente redutoras, nem demasiado exaustivas. Mas o objectivo final da inteligência é esse. O desafio é preparar o homem para esta leitura sempre imperfeita, mas suficientemente aliciante da realidade, numa aproximação progressiva aos valores supremos que o universo nos esconde.

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