Camões deu eternidade ao Velho do Restelo. Este era avesso ao risco, não via com bons olhos que se partisse para a aventura das Descobertas. Ameaçava com a desgraça que pressentia, mas talvez ele passasse despercebido se Camões o não tivesse notabilizado. O Apóstolo da Desgraça de hoje é uma espécie de Velho do Restelo porque tem uma relação igualmente próxima com a desgraça. Só que a vê mais próxima, seja ali já ou mais lá ao fundo. Afinal a desgraça, aquela que nunca é definitiva, e ainda bem, anda sempre perto de nós.
O Apóstolo não espera que o notabilizem um dia, tem que ser ele próprio o publicitário. Pronuncia-se desde já, anuncia que a desgraça já aí está. A sua desgraça é porém mais comezinha do que a do Velho, não anuncia a perca da independência, o que talvez até fosse bom, não vai haver agora mais infidelidades do que as que o Auto da Índia já anunciava. Enfim é apóstolo mas nunca será profeta, só anuncia o que já é trivial, mesmo que lhe reforce as tintas.
Também o Velho esconjurava e ele não tem força para tanto. O nosso Apóstolo procura ser assertivo, incisivo, peremptório nas suas sentenças. É um justiceiro ansioso. O Velho atemorizava pelas suas profecias. O Apóstolo também o quereria, só que já não tem tanto poder de manipular o medo. Mesmo assim muitos revêem-se nele, não faltam espíritos apressados a gostar de prestidigitadores, mistificadores, falsos profetas que tornam a desgraça ainda mais familiar para nós.
As más notícias podem porém ser dadas por boas pessoas. Gosto muito do Velho do Restelo, pudesse ele ser recuperado para os dias de hoje. Acho-o muito mais simpático, mesmo que tivesse sido mais triste. Era um macambúzio que se não deixava tolher pela consternação Mas porque razão haveria ele de ser alegre? Falava a sério e com o ar apropriado à função. O nosso Apóstolo fala de desgraças a rir e quando assim é das duas uma: Ou as coisas não são como ele descreve e então é um mentiroso, ou ele se ri com propriedade e então é um cínico.
A nossa desgraça tem raízes fundas e procurar culpados vivos é tarefa inglória. São porém muitos os que a isso se dedicam, com mais falácia que rigor. Se há mais de quinhentos anos que percorremos este caminho fundo que nos parece reservado, também já somos pessimistas quase por natureza. Mas, se nem todos os culpados estão no passado, não podemos descarregar todo o nosso azedume sobre os contemporâneos. Sejamos optimistas e tentemos abrir um caminho novo, mais à superfície, preparemos comandante, técnicos, trabalhadores.
O nosso País viveu momentos conturbados, com um acentuado declive até finais dos anos cinquenta do século passado. O efeito EFTA foi preponderante nas mudanças que se verificaram a partir daí. Nestes últimos cinquenta anos houve algum desenvolvimento e foram-se transferindo quase directamente trabalhadores sem qualificação da agricultura para a indústria de roupas, sapatos, cablagens e assessórios de automóveis, construção civil, comércio e serviços. Porém o resultado foi uma competitividade incipiente.
Houve alguma saída da nossa secular miséria, mas não se criou grande lastro para voos mais audazes. Com uma máquina ultrapassada, improdutiva, não se pode querer uma alternativa consistente. Também a governação tem estado muito dependente de conflitos na máquina do Estado, na qual se criaram mordomias não sustentáveis. Um aparelho estatal caro criou na população a ilusão dum País rico. Daí a virem os apóstolos da desgraça dizer que tudo se resolveria pondo a administração em ordem vai um passo.
O futuro é novas organizações, novos regulamentos, novos objectivos. Falta engenho, pulso, empenho, força e trabalho. Passos de mágica e impulsos milagrosos de políticos preferidos e pretensamente iluminados nada resolvem. Ordem pura e dura nada é. Novos modelos de organização implicariam uma administração mais leve, organizações mais eficazes, sectores económicos mais dinâmicos, iniciativas mais arrojadas. Além disto nos faltar, ainda temos o peso do passado que são os desempregados de agora. A sua maioria vem das velhas indústrias EFTA e dificilmente encontrarão trabalho numa economia que se quer competitiva. As Novas Oportunidades podem não chegar.
Afinal o impulso EFTA, que se manteve com a nossa adesão à Comunidade Europeia, não deu para sairmos do caminho fundo que os nossos antepassados nos reservaram. Continuamos relapsos à organização. A nossa pequena dimensão e força levam-nos a perder sempre na divisão internacional do trabalho. O Apóstolo lança lágrimas hipócritas sobre o passado, elogia organizações decrépitas que nos impuseram no nosso passado secular e que ajudaram no nosso anquilosamento.
A tarefa que nos estaria reservada já seria hercúlea, mas para complicar veio esta crise levantar problemas novos, de que não devemos esquecer-nos. A maioria de nós, pequenos aforradores, pequenos empresários, trabalhadores em geral, nada pode fazer perante a voracidade do capital e não podemos deixar que o Estado se demita. Mas não chega dividir o capital em bom e mau, como outrora se dividia o mundo, para resolver o problema. Culpabilizar somente a ganância, que não é facilmente delimitável, é muito pouco e está visto que o capital não cede a considerações morais.
O Velho do Restelo acusava o poder de todo o mal, de prepotência e ousadia. Na altura tudo era claro e linear. Hoje o poder está muito diluído, mais difuso, difícil de identificar, porventura bem mais forte. O nosso Apóstolo concentra todo o poder no político, o que é fácil, mas não é realista. Conseguisse o poder político subordinar os outros poderes, fosse hoje ousado e seguido! Os poderes são hoje imensos, dispersos em pólos que concentram poder suficiente para manter o politico dependente de si, se não for doutra maneira pelo suborno.
Além disso há um poder imenso que remetemos para o exterior, exigente, mas imobilista. Há uma imensa desilusão em quem participou na construção europeia e esperava um choque benéfico que não ocorreu. Decerto que em 2010 não precisaremos de apóstolos mas de muito discernimento. Obstáculos não faltam. O Apostolo da Desgraça só complica.
O Apóstolo não espera que o notabilizem um dia, tem que ser ele próprio o publicitário. Pronuncia-se desde já, anuncia que a desgraça já aí está. A sua desgraça é porém mais comezinha do que a do Velho, não anuncia a perca da independência, o que talvez até fosse bom, não vai haver agora mais infidelidades do que as que o Auto da Índia já anunciava. Enfim é apóstolo mas nunca será profeta, só anuncia o que já é trivial, mesmo que lhe reforce as tintas.
Também o Velho esconjurava e ele não tem força para tanto. O nosso Apóstolo procura ser assertivo, incisivo, peremptório nas suas sentenças. É um justiceiro ansioso. O Velho atemorizava pelas suas profecias. O Apóstolo também o quereria, só que já não tem tanto poder de manipular o medo. Mesmo assim muitos revêem-se nele, não faltam espíritos apressados a gostar de prestidigitadores, mistificadores, falsos profetas que tornam a desgraça ainda mais familiar para nós.
As más notícias podem porém ser dadas por boas pessoas. Gosto muito do Velho do Restelo, pudesse ele ser recuperado para os dias de hoje. Acho-o muito mais simpático, mesmo que tivesse sido mais triste. Era um macambúzio que se não deixava tolher pela consternação Mas porque razão haveria ele de ser alegre? Falava a sério e com o ar apropriado à função. O nosso Apóstolo fala de desgraças a rir e quando assim é das duas uma: Ou as coisas não são como ele descreve e então é um mentiroso, ou ele se ri com propriedade e então é um cínico.
A nossa desgraça tem raízes fundas e procurar culpados vivos é tarefa inglória. São porém muitos os que a isso se dedicam, com mais falácia que rigor. Se há mais de quinhentos anos que percorremos este caminho fundo que nos parece reservado, também já somos pessimistas quase por natureza. Mas, se nem todos os culpados estão no passado, não podemos descarregar todo o nosso azedume sobre os contemporâneos. Sejamos optimistas e tentemos abrir um caminho novo, mais à superfície, preparemos comandante, técnicos, trabalhadores.
O nosso País viveu momentos conturbados, com um acentuado declive até finais dos anos cinquenta do século passado. O efeito EFTA foi preponderante nas mudanças que se verificaram a partir daí. Nestes últimos cinquenta anos houve algum desenvolvimento e foram-se transferindo quase directamente trabalhadores sem qualificação da agricultura para a indústria de roupas, sapatos, cablagens e assessórios de automóveis, construção civil, comércio e serviços. Porém o resultado foi uma competitividade incipiente.
Houve alguma saída da nossa secular miséria, mas não se criou grande lastro para voos mais audazes. Com uma máquina ultrapassada, improdutiva, não se pode querer uma alternativa consistente. Também a governação tem estado muito dependente de conflitos na máquina do Estado, na qual se criaram mordomias não sustentáveis. Um aparelho estatal caro criou na população a ilusão dum País rico. Daí a virem os apóstolos da desgraça dizer que tudo se resolveria pondo a administração em ordem vai um passo.
O futuro é novas organizações, novos regulamentos, novos objectivos. Falta engenho, pulso, empenho, força e trabalho. Passos de mágica e impulsos milagrosos de políticos preferidos e pretensamente iluminados nada resolvem. Ordem pura e dura nada é. Novos modelos de organização implicariam uma administração mais leve, organizações mais eficazes, sectores económicos mais dinâmicos, iniciativas mais arrojadas. Além disto nos faltar, ainda temos o peso do passado que são os desempregados de agora. A sua maioria vem das velhas indústrias EFTA e dificilmente encontrarão trabalho numa economia que se quer competitiva. As Novas Oportunidades podem não chegar.
Afinal o impulso EFTA, que se manteve com a nossa adesão à Comunidade Europeia, não deu para sairmos do caminho fundo que os nossos antepassados nos reservaram. Continuamos relapsos à organização. A nossa pequena dimensão e força levam-nos a perder sempre na divisão internacional do trabalho. O Apóstolo lança lágrimas hipócritas sobre o passado, elogia organizações decrépitas que nos impuseram no nosso passado secular e que ajudaram no nosso anquilosamento.
A tarefa que nos estaria reservada já seria hercúlea, mas para complicar veio esta crise levantar problemas novos, de que não devemos esquecer-nos. A maioria de nós, pequenos aforradores, pequenos empresários, trabalhadores em geral, nada pode fazer perante a voracidade do capital e não podemos deixar que o Estado se demita. Mas não chega dividir o capital em bom e mau, como outrora se dividia o mundo, para resolver o problema. Culpabilizar somente a ganância, que não é facilmente delimitável, é muito pouco e está visto que o capital não cede a considerações morais.
O Velho do Restelo acusava o poder de todo o mal, de prepotência e ousadia. Na altura tudo era claro e linear. Hoje o poder está muito diluído, mais difuso, difícil de identificar, porventura bem mais forte. O nosso Apóstolo concentra todo o poder no político, o que é fácil, mas não é realista. Conseguisse o poder político subordinar os outros poderes, fosse hoje ousado e seguido! Os poderes são hoje imensos, dispersos em pólos que concentram poder suficiente para manter o politico dependente de si, se não for doutra maneira pelo suborno.
Além disso há um poder imenso que remetemos para o exterior, exigente, mas imobilista. Há uma imensa desilusão em quem participou na construção europeia e esperava um choque benéfico que não ocorreu. Decerto que em 2010 não precisaremos de apóstolos mas de muito discernimento. Obstáculos não faltam. O Apostolo da Desgraça só complica.
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