A maioria de nós ambiciona ter uma relação fácil com o poder, pouco mais do que isso. Que o poder não seja injusto para nós, que consigamos dizer da nossa justiça quando nos aprouver. Hoje é importante ter voz. Podermos falar ou ter quem fale por nós numa relação transparente e leal. Já não é aquela máxima da “paz e sossego” se lida à letra, mas de certa forma a frase ainda pode servir.
Claro que aqueles que se apropriam de modo fraudulento da nossa representação ou aqueles que a adquirem por métodos legítimos mas a vêm a aproveitar para outros fins, a desrespeitar a nossa vontade, não nos deixam estar sossegados. E há sempre algo que ocorre inesperadamente e nos tira a paz.
Como estamos quase sempre calados, até porque se falássemos todos ao mesmo tempo ninguém se entendia, há quem venha falar por nós e, arrogando-se o estatuto de intérpretes da nossa vontade, diz coisas que nós não diríamos ou fala de uma forma diferente da nossa. Mesmo quando falamos quase sempre não o fazemos no momento e no lugar certo. Mas podemos estar seguros de que alguém se aproveita e falará por nós.
Alguns destes ainda se desculpam, que falam assim por ser a maneira de se fazerem ouvir, que aplicam o exagero ou outra forma específica porque só existem duas opções: Ou ocupam um lugar que está vazio ou reforçam a voz que já ocupou o lugar de onde a voz se ouça melhor. Mas o problema é que não é só esta razão que os move, os seus propósitos são no geral bem diferentes dos nossos. Eles movem-se numa lógica de poder e têm do poder uma noção demasiado lata, mesmo quando se dizem liberais.
Todos nós, os não políticos, gostaríamos que o poder se desenvolvesse só o necessário e amoldado a nós, capaz de satisfazer as nossas necessidades do presente e do futuro. Todos nós gostaríamos de ter algum poder e influenciar o restante, disso não fugimos. Hoje, mesmo que tenhamos tido essa ideia, sabemos que é inglório lutarmos pela anarquia, a anarquia já não é possível num mundo de relações complexas que exigem a submissão a algum poder.
No entanto o nosso problema com o poder não está resolvido. Ele consiste muito em deixarmo-nos deslumbrar pelo poder dos políticos. Eles aparecem nos telejornais, dão entrevistas, fazem declarações e nós ficamos embasbacados. Até pequenos títeres de província, caciques de aldeia, quando têm uns minutos de tempo de antena depressa passam a figuras nacionais e a terem a sua eleição garantida.
A nível dos políticos nacionais este poder mediático imenso está mais repartido entre situação e oposição e dá origem a batalhas mais renhidas que têm o duplo efeito de nos causar repulsa e deslumbramento. A gravidade do problema reside em que isto é sinal de que já perdermos a noção, eu diria mais, ainda não chegamos à noção do que é razoável, do que é ponderado, proporcional, apropriado, aplicável na prática.
Assim admiramos os políticos, as suas excentricidades, as suas arrepiantes vulgaridades. Cobiçamos a sua vida por coisas fúteis, condescendemos com poderes excessivos de figuras pueris a quem entregamos mais facilmente o poder. As figuras mais sérias só nos atraem esporadicamente, que no geral ainda nos suscitam temor. Permitimos que o poder seja usado a propósito e despropósito, que no meio das influências legitimas se disfarçam intuitos desonestos.
Todos nós, os não deslumbrados, gostaríamos de exercer algum poder a propósito e de ter alguma influência legítima sobre outros ao mesmo tempo que aceitaríamos ponderar a opinião dos outros em relação ao que nos coubesse fazer e não dissesse respeito somente a nós mesmos. A colaboração com os outros é o caminho e a partilha o objectivo final a atingir.
Quanto ao deslumbramento, nem sequer sabemos se alguma vez acabará. Mas o grave está em que nem nós próprios podemos ter a certeza de que estamos perfeitamente imunes a esse mal. Haverá algumas noções que nos ajudariam a exercer o poder de uma forma moderada e justa. A mais forte é mesmo a noção de partilha que convertida em sentimento muito ajudaria à convivência humana. Mas não haverá dúvida de que o vazio de poder é um impedimento a essa partilha.
Para exercer o poder é melhor retirá-lo a alguém do que ocupar o vazio. Este é aproveitado pelos mais perversos que o utilizam como justificação não de um poder específico e limitado mas de um poder geral, suficientemente lato para permitir todos os sonhos de poder. Invertendo a questão dá a teoria de “ou nós ou o caos”. Nesta situação o deslumbramento é quase inevitável.
Quando temos consciência de que haverá outras pessoas prontas a exercer o poder com uma eficácia semelhante à nossa, quase automaticamente somos levados a exercê-lo com mais cuidado, de forma mais participada, de modo a suplantar por essa via todos os outros possíveis utilizadores. A democracia só avança se houver um número cada vez maior de pessoas habilitado a exercer o poder e se um maior número tiver uma participação genuína no poder.
A desculpa de muitos, que nos é apresentada a nós e também de certeza a eles próprios, é que as alternativas seriam bem piores do que a sua. Há realmente casos em que as alternativas sobram, no entanto de duvidosa qualidade, mas geralmente escasseiam e é nestes casos que a porta está mais aberta a todos os oportunistas. Porém este facto não dá direito a ninguém de excluir os outros da participação na gestão da coisa pública.
É o querer a exclusividade na gestão que leve muitos a não fomentarem qualquer tipo de participação. Quando a preocupação pela defesa do poder suplanta a preocupação pela sua melhoria permanente e pela sua partilha o resultado é sempre desastroso. A opção adoptada por muitos é a teimosia com recurso a argumentos laterais, o prescindir do aperfeiçoamento próprio, a exclusão do contributo dos outros. O poder torna-se um vício e o deslumbramento é o elemento viciante.
Claro que aqueles que se apropriam de modo fraudulento da nossa representação ou aqueles que a adquirem por métodos legítimos mas a vêm a aproveitar para outros fins, a desrespeitar a nossa vontade, não nos deixam estar sossegados. E há sempre algo que ocorre inesperadamente e nos tira a paz.
Como estamos quase sempre calados, até porque se falássemos todos ao mesmo tempo ninguém se entendia, há quem venha falar por nós e, arrogando-se o estatuto de intérpretes da nossa vontade, diz coisas que nós não diríamos ou fala de uma forma diferente da nossa. Mesmo quando falamos quase sempre não o fazemos no momento e no lugar certo. Mas podemos estar seguros de que alguém se aproveita e falará por nós.
Alguns destes ainda se desculpam, que falam assim por ser a maneira de se fazerem ouvir, que aplicam o exagero ou outra forma específica porque só existem duas opções: Ou ocupam um lugar que está vazio ou reforçam a voz que já ocupou o lugar de onde a voz se ouça melhor. Mas o problema é que não é só esta razão que os move, os seus propósitos são no geral bem diferentes dos nossos. Eles movem-se numa lógica de poder e têm do poder uma noção demasiado lata, mesmo quando se dizem liberais.
Todos nós, os não políticos, gostaríamos que o poder se desenvolvesse só o necessário e amoldado a nós, capaz de satisfazer as nossas necessidades do presente e do futuro. Todos nós gostaríamos de ter algum poder e influenciar o restante, disso não fugimos. Hoje, mesmo que tenhamos tido essa ideia, sabemos que é inglório lutarmos pela anarquia, a anarquia já não é possível num mundo de relações complexas que exigem a submissão a algum poder.
No entanto o nosso problema com o poder não está resolvido. Ele consiste muito em deixarmo-nos deslumbrar pelo poder dos políticos. Eles aparecem nos telejornais, dão entrevistas, fazem declarações e nós ficamos embasbacados. Até pequenos títeres de província, caciques de aldeia, quando têm uns minutos de tempo de antena depressa passam a figuras nacionais e a terem a sua eleição garantida.
A nível dos políticos nacionais este poder mediático imenso está mais repartido entre situação e oposição e dá origem a batalhas mais renhidas que têm o duplo efeito de nos causar repulsa e deslumbramento. A gravidade do problema reside em que isto é sinal de que já perdermos a noção, eu diria mais, ainda não chegamos à noção do que é razoável, do que é ponderado, proporcional, apropriado, aplicável na prática.
Assim admiramos os políticos, as suas excentricidades, as suas arrepiantes vulgaridades. Cobiçamos a sua vida por coisas fúteis, condescendemos com poderes excessivos de figuras pueris a quem entregamos mais facilmente o poder. As figuras mais sérias só nos atraem esporadicamente, que no geral ainda nos suscitam temor. Permitimos que o poder seja usado a propósito e despropósito, que no meio das influências legitimas se disfarçam intuitos desonestos.
Todos nós, os não deslumbrados, gostaríamos de exercer algum poder a propósito e de ter alguma influência legítima sobre outros ao mesmo tempo que aceitaríamos ponderar a opinião dos outros em relação ao que nos coubesse fazer e não dissesse respeito somente a nós mesmos. A colaboração com os outros é o caminho e a partilha o objectivo final a atingir.
Quanto ao deslumbramento, nem sequer sabemos se alguma vez acabará. Mas o grave está em que nem nós próprios podemos ter a certeza de que estamos perfeitamente imunes a esse mal. Haverá algumas noções que nos ajudariam a exercer o poder de uma forma moderada e justa. A mais forte é mesmo a noção de partilha que convertida em sentimento muito ajudaria à convivência humana. Mas não haverá dúvida de que o vazio de poder é um impedimento a essa partilha.
Para exercer o poder é melhor retirá-lo a alguém do que ocupar o vazio. Este é aproveitado pelos mais perversos que o utilizam como justificação não de um poder específico e limitado mas de um poder geral, suficientemente lato para permitir todos os sonhos de poder. Invertendo a questão dá a teoria de “ou nós ou o caos”. Nesta situação o deslumbramento é quase inevitável.
Quando temos consciência de que haverá outras pessoas prontas a exercer o poder com uma eficácia semelhante à nossa, quase automaticamente somos levados a exercê-lo com mais cuidado, de forma mais participada, de modo a suplantar por essa via todos os outros possíveis utilizadores. A democracia só avança se houver um número cada vez maior de pessoas habilitado a exercer o poder e se um maior número tiver uma participação genuína no poder.
A desculpa de muitos, que nos é apresentada a nós e também de certeza a eles próprios, é que as alternativas seriam bem piores do que a sua. Há realmente casos em que as alternativas sobram, no entanto de duvidosa qualidade, mas geralmente escasseiam e é nestes casos que a porta está mais aberta a todos os oportunistas. Porém este facto não dá direito a ninguém de excluir os outros da participação na gestão da coisa pública.
É o querer a exclusividade na gestão que leve muitos a não fomentarem qualquer tipo de participação. Quando a preocupação pela defesa do poder suplanta a preocupação pela sua melhoria permanente e pela sua partilha o resultado é sempre desastroso. A opção adoptada por muitos é a teimosia com recurso a argumentos laterais, o prescindir do aperfeiçoamento próprio, a exclusão do contributo dos outros. O poder torna-se um vício e o deslumbramento é o elemento viciante.