quinta-feira, 25 de junho de 2009

Políticos versus politiqueiros

Anda aí uma grande confusão sobre o ser político ou ser uma outra coisa qualquer, politiqueiro talvez ou nem tanto. Um conceito demasiado alargado de político leva a que depois se haja de separar os políticos em várias subcategorias que normalmente terminam no politiqueiro, uma espécie de intermediário entre o povo anónimo e os políticos mais empenhados, com nome na praça.
Este afoito medianeiro torna a política pura e dura, crua e sanguinária, de certo modo legível pelo mais indiferente e transmite aos políticos de carteira os sentimentos que vão na alma deste. Nesta intermediação compra e vende favores, arma-se em mais ou menos importante, procura lucrar alguma coisa que sempre sobra em qualquer negócio: Umas comissões encobertas. Na verdade este personagem não deve ser considerado como fazendo parte do domínio da política.
A luta partidária pode passar pela reestruturação da sociedade e pela definição de novos centros de poder. Mas o normal é que ela vise ocupar os centros do poder já existentes e colocá-los ao serviço das ideias de um partido, de um grupo social vasto. Só há políticos de duas naturezas: Aqueles que querem estar nesses centros de decisão e aqueles que querem contribuir para a elaboração, formatação e codificação das ideias que aqueles centros de poder devem colocar em prática, incluindo a sua forma.
Depois há uma outra espécie de intervenientes no processo político de que os ideólogos precisam e de que os práticos não prescindem: São os repetidores, conversores e amplificadores que convenientemente distribuídos, colocados em posições estratégicas, fazem com que a onda oriunda do centro se propague e atinja nas devidas condições o indivíduo anónimo. Esta função é necessária, digna, decisiva em termos de tornar eficaz, duradoira uma política nas condições de uma sociedade muito desigual. Mas um dos objectivos deve ser a sua redução.
Esta função de intermediação é muitas vezes desprezada pelos políticos de topo que, com a pretensão de falarem uma linguagem que o povo entenda, de terem a capacidade de estabelecer uma relação directa com o povo, minimizam o valor dos efeitos que os intermediadores podem introduzir por forma a tornarem escorreita a linguagem hermética, técnica e pouco afectiva dos políticos. Normalmente nem é o povo que despreza esta intermediação mas aqueles que se pretendem colocar a esse nível ao serviço de outras ideias políticas.
Mas efectivamente há um facto que embaralha, complica e torna nebulosa a relação da população em geral com estes pretensos “políticos”. É que muitos, a maioria deles, quer aproveitar a sua maior ou menos proximidade dos centros de poder para obter benefícios, vantagens indevidas, “remuneração” do seu “trabalho”. De uma função nobre, que poderia contribuir para a coesão social, depressa se deixam enredar em interesses de duvidosa legitimidade e criam uma corrente ascendente, uma onda de influência, mas também de voracidade e ganância.
Em casos extremos fecha-se aí o círculo, a onda só produz ressonância em direcção ao centro, não é encaminhada para os seus destinatários naturais. O núcleo duro do poder compraza-se com a satisfação dessa gente e torna-se insensível às manifestações de quem se encontra fora dele. Ultrapassar essa barreira tem que ser preocupação permanente de todos os políticos cuja ambição deve ser ter em atenção as pretensões de todos os estratos sociais. Não permitir que se feche o círculo, que tais intermediários se apresentem como os destinatários finais de uma politica é condição da sua democraticidade.
Destrinçar entre o privado e o público é para muitas pessoas exercício académico, dispensável e incómodo. Por isso não vêem inconveniente em exercer uma qualquer influência que lhes seja facultada nos centros de decisão, seja ela em benefício pessoal ou colectivo. Esta confusão está presente em todos os níveis de poder, embora muitos mais a níveis intermédios e baixos da administração. Contribui para que a hipocrisia que se vê, se percebe e se sente existir em grau elevado seja generalizada e tida por norma.
O domínio das boas e das más intenções é demasiado ambíguo para que alguém consiga estabelecer uma barreira entre quem transporta umas ou outras. Por isso não há nada como retirar estes “políticos” da categoria restrita dos mesmos, a quem devemos exigir um comportamento exemplar, uma separação clara de interesses, uma dedicação exclusiva ao interesse mais amplo e colectivo da sociedade. Mesmo as divergências sobre este não devem lançar suspeitas de favorecimento pessoal.
Antes de mais nada era necessária uma outra forma de escolha, uma selectividade que as formas tradicionais de cooptação não garantem. Quando um eleito está em condições de ele próprio vir a escolher uns milhares de outras pessoas para ocupar cargos em organismos de decisão e até para funções meramente administrativas está a se empolar o cargo pelo qual ele o é. Isto é, são subvertidas as razões pelas quais o eleito deveria ser preferido.
Essas razões deveriam assentar na sua competência, na eficiência que pode ser dada à tomada de decisões, na transparência que consegue dar a essas decisões, na ausência de arbitrariedade, na presença do bom senso e na devida ponderação do risco. Essas razões nunca deveriam ser as solicitações a que alguém consegue dar satisfação, sejam na colocação de apaniguados no aparelho de Estado e até na actividade privada, nos favores oferecidos por via ilegal e mesmo quando a lei parece conceder-lhe poder discricionário.
Isto é, deve ser atacado o princípio aceite por muitos às escondidas de que o bom político é aquele que, na ânsia de recrutar, manter e estimular aqueles intermediários para defender a sua causa está pronto a toda a espécie de malabarismos mais ou menos consentidos por lei. Quase toda a gente está pronta a disparar sobre alguém acusando-o de se vender, de se deixar comprar por isto ou por aquilo, no convencimento de que todos, como ele próprio, têm um preço e quanto mais baixo mais humilhante. Mas não falta quem esteja pronto a aceitar.
Infelizmente não se vê que esta espécie de críticos seja exemplo para ninguém. Nada ganhamos a ver a política por este lado negativo, a colocar tudo negro para que ninguém veja também o exemplo desses críticos. Devemos incentivar que se parta de uma análise positiva para realçar o comportamento a adoptar no futuro. Isso inclui substituir a moralidade por uma clara e restritiva definição dos poderes, das dependências e minimizar o papel dos intermediadores sociais, sob pena de estes reclamarem o seu pagamento.

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