O contraditório é essencial como estímulo à actividade intelectual. Levar as objecções até à exaustão, contrapor incertezas por mais diminutas que sejam, não é um exercício de displicência, é tão só o único caminho capaz de fazer avançar o saber. A dialéctica espiritualista e a sua herdeira materialista, que erram por serem teorias simplistas na sua fórmula redutora de tese/antítese/síntese, são, pela projecção que já tiveram, reveladoras da importância do contraditório, seja no nosso caminho individual, seja no nosso caminho colectivo.
Também a concordância terá o seu papel na actividade intelectual. Mesmo sem ser absoluta, ajuda a consolidar certezas. Os dialécticos não davam a essa concordância qualquer importância porque lhe roubavam a natureza. A concordância derivava somente da anulação da discordância, do seu silenciamento, da sua desvalorização. A concordância era o reverso de uma discordância a que era retirada toda a dignidade.
Para os dialécticos todos os meios eram legítimos para obter a concordância, esta era aglutinada acriticamente. Ora a concordância tem que ser uma construção que nasça da liberdade. A discordância necessita da mesma liberdade para que ela própria se construa. Para os dialécticos a síntese era uma simples figura de retórica, sem conteúdo visível. A síntese era retirada da adesão acrítica do discordante. Ora do contraditório há potencial para sair progresso para ambas as partes e nem necessariamente no mesmo sentido.
Uma concordância pode ser genuína, mas não ser mais do que o resultado de uma junção de equívocos. Pode contribuir somente para o aumento da auto-estima e não para a construção de um edifício intelectual coerente e positivo. Como a auto-estima pode ser e é estimulada de muitas outras formas, ao ponto de dela se abusar, o melhor será sempre relativizá-la num processo intelectual. A humildade diz-nos que uma concordância não é o fim do caminho. A experiência diz-nos também que demasiadas concordâncias nos devem levar a desconfiar da qualidade do contraditório.
Também o contraditório é motivo de abusos. Se uns exageram na concordância, na aceitação incondicional das certezas dos outros, há outros que fazem da contradição um uso sistemático. Quando assim é o contraditório resvala facilmente para o superficial, mas tem uma saída fácil que é a sua ignorância. É porém suicida ou mal intencionado se, também por sistema, ignorarmos a discordância alheia. Devemos ter tão só a preocupação básica de procurar saber a partir de que ponto é legítimo ignorarmos o contraditor. Até podemos vir a saber até que ponto, na economia das suas certezas, estas lhe fazem falta e então não o ignoraremos mas compreenderemos.
Deixar o contraditor a falar sozinho é uma atitude merecida por muitos, mas a tomar só depois de esgotados todos os argumentos ou após o pressentimento de que a discussão pode passar ao nível do insulto. Quando uma aversão primária se manifesta estamos falados. No contraditório nunca se pode sair da base intelectual em que ele deve assentar. Nesta base é insubstituível, fora é pernicioso. Mas podemos e devemos ser mais compreensivos. Não podemos virar as costas ao contraditório que assenta na diferença de interesses defendidos por cada uma das partes. Se ambos forem de igual modo legitimados pelo espaço de liberdade socialmente aceite, isto é, se a sua base for política, podemos estar perante uma situação insolúvel, que deve ser tolerada e explorada, se assim o entendermos.
Aceita-se que a realidade é assim, que há interesses conflituantes e mesmo antagónicos, mas tem que haver momentos em que a política se possa ver pela sua perspectiva de base intelectual sem deixar a vivacidade que lhe é própria. O facto de actualmente a política estar inquinada por um tipo de argumentação redundante, mais virada para os instintos primários do que para a racionalidade, não nos faz esquecer que é um domínio primordial da acção humana em que mais sobressai a dignidade ou a falta dela, em que mais está em causa o nosso futuro colectivo e mesmo a nossa valorização individual.
O facto de o contraditório na política poder facilmente resvalar para domínios de agressividade leva a que as pessoas se não queiram submeter àquilo que na sua opinião mais não é do que o mundo dos caprichos e das simulações de cenários virtuais. Só que, com uma base intelectual sólida, é possível ficar imune às escorrências laterais e impróprias das discorrências de alguns e enfrentar o mundo como se todos fôramos pessoas sem interesses ocultos e incapazes de atraiçoar aquilo que cada qual diz ter como suas bases morais, isto é, como se todos fôramos pessoas intelectualmente honestas e pessoalmente leais.
Estar preparado para todos os contraditórios é tão inglório como ter certezas a respeito de tudo, ter a verdade à mão de semear. A humildade leva-nos a aceitar ouvir, mas não nos deve levar ao ponto de calar. Nesta atitude simples se funda a nossa abertura ao diálogo e a aceitação do contraditório como imprescindível à nossa vida. Podemo-nos questionar a nós próprios, mas o normal será que o contraditório surja do exterior, que alguém nos coloque objecções ao nosso próprio pensamento e assim pudemos aferir melhor as nossas certezas, aumentar o grau de exigência que fazemos a nós próprios.
Infelizmente tal não é possível e as razões são variadas. Desde logo por indisponibilidade de tempo, por não se encontrar a pessoa capaz de fazer de “Advogado do Diabo” em todas as situações em que tal seria conveniente, mas também por nós próprios nos não disponibilizarmos a abrir parte significativa do núcleo central das nossas ideias à contestação alheia e era necessário que nos conhecessem para colocar as questões candentes. Mas efectivamente o maior problema é constituído pelas exigências da vida prática que nos não permitem a igualdade mínima de condições para a evolução intelectual.
Também a concordância terá o seu papel na actividade intelectual. Mesmo sem ser absoluta, ajuda a consolidar certezas. Os dialécticos não davam a essa concordância qualquer importância porque lhe roubavam a natureza. A concordância derivava somente da anulação da discordância, do seu silenciamento, da sua desvalorização. A concordância era o reverso de uma discordância a que era retirada toda a dignidade.
Para os dialécticos todos os meios eram legítimos para obter a concordância, esta era aglutinada acriticamente. Ora a concordância tem que ser uma construção que nasça da liberdade. A discordância necessita da mesma liberdade para que ela própria se construa. Para os dialécticos a síntese era uma simples figura de retórica, sem conteúdo visível. A síntese era retirada da adesão acrítica do discordante. Ora do contraditório há potencial para sair progresso para ambas as partes e nem necessariamente no mesmo sentido.
Uma concordância pode ser genuína, mas não ser mais do que o resultado de uma junção de equívocos. Pode contribuir somente para o aumento da auto-estima e não para a construção de um edifício intelectual coerente e positivo. Como a auto-estima pode ser e é estimulada de muitas outras formas, ao ponto de dela se abusar, o melhor será sempre relativizá-la num processo intelectual. A humildade diz-nos que uma concordância não é o fim do caminho. A experiência diz-nos também que demasiadas concordâncias nos devem levar a desconfiar da qualidade do contraditório.
Também o contraditório é motivo de abusos. Se uns exageram na concordância, na aceitação incondicional das certezas dos outros, há outros que fazem da contradição um uso sistemático. Quando assim é o contraditório resvala facilmente para o superficial, mas tem uma saída fácil que é a sua ignorância. É porém suicida ou mal intencionado se, também por sistema, ignorarmos a discordância alheia. Devemos ter tão só a preocupação básica de procurar saber a partir de que ponto é legítimo ignorarmos o contraditor. Até podemos vir a saber até que ponto, na economia das suas certezas, estas lhe fazem falta e então não o ignoraremos mas compreenderemos.
Deixar o contraditor a falar sozinho é uma atitude merecida por muitos, mas a tomar só depois de esgotados todos os argumentos ou após o pressentimento de que a discussão pode passar ao nível do insulto. Quando uma aversão primária se manifesta estamos falados. No contraditório nunca se pode sair da base intelectual em que ele deve assentar. Nesta base é insubstituível, fora é pernicioso. Mas podemos e devemos ser mais compreensivos. Não podemos virar as costas ao contraditório que assenta na diferença de interesses defendidos por cada uma das partes. Se ambos forem de igual modo legitimados pelo espaço de liberdade socialmente aceite, isto é, se a sua base for política, podemos estar perante uma situação insolúvel, que deve ser tolerada e explorada, se assim o entendermos.
Aceita-se que a realidade é assim, que há interesses conflituantes e mesmo antagónicos, mas tem que haver momentos em que a política se possa ver pela sua perspectiva de base intelectual sem deixar a vivacidade que lhe é própria. O facto de actualmente a política estar inquinada por um tipo de argumentação redundante, mais virada para os instintos primários do que para a racionalidade, não nos faz esquecer que é um domínio primordial da acção humana em que mais sobressai a dignidade ou a falta dela, em que mais está em causa o nosso futuro colectivo e mesmo a nossa valorização individual.
O facto de o contraditório na política poder facilmente resvalar para domínios de agressividade leva a que as pessoas se não queiram submeter àquilo que na sua opinião mais não é do que o mundo dos caprichos e das simulações de cenários virtuais. Só que, com uma base intelectual sólida, é possível ficar imune às escorrências laterais e impróprias das discorrências de alguns e enfrentar o mundo como se todos fôramos pessoas sem interesses ocultos e incapazes de atraiçoar aquilo que cada qual diz ter como suas bases morais, isto é, como se todos fôramos pessoas intelectualmente honestas e pessoalmente leais.
Estar preparado para todos os contraditórios é tão inglório como ter certezas a respeito de tudo, ter a verdade à mão de semear. A humildade leva-nos a aceitar ouvir, mas não nos deve levar ao ponto de calar. Nesta atitude simples se funda a nossa abertura ao diálogo e a aceitação do contraditório como imprescindível à nossa vida. Podemo-nos questionar a nós próprios, mas o normal será que o contraditório surja do exterior, que alguém nos coloque objecções ao nosso próprio pensamento e assim pudemos aferir melhor as nossas certezas, aumentar o grau de exigência que fazemos a nós próprios.
Infelizmente tal não é possível e as razões são variadas. Desde logo por indisponibilidade de tempo, por não se encontrar a pessoa capaz de fazer de “Advogado do Diabo” em todas as situações em que tal seria conveniente, mas também por nós próprios nos não disponibilizarmos a abrir parte significativa do núcleo central das nossas ideias à contestação alheia e era necessário que nos conhecessem para colocar as questões candentes. Mas efectivamente o maior problema é constituído pelas exigências da vida prática que nos não permitem a igualdade mínima de condições para a evolução intelectual.
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