Genericamente é difícil a nossa relação com o poder, até porque este apresenta sempre uma face diferente conforme quem o exerce e a quem ele é dirigido. Não há poderes abstractos, só quando estamos perante um deles, exercido por uma pessoa específica ou por um órgão colegial, podemos avaliar a sua natureza e a sua forma de se manifestar.
No entanto nós geralmente já temos ideias feitas, sentimentos arreigados, o que torna difícil a mudança de opinião, a simples discussão livre destes assuntos, já que não a há sem pormos a hipótese de acrescentarmos um novo ponto de vista ao nosso conhecimento, de alterarmos alguma conclusão, por pouco que seja, de modificarmos, pelo menos em certa medida, a opinião que tínhamos sobre quem exerce o poder e até sobre quem é condicionado por ele.
A nossa difícil relação com o poder deriva também de ser complicado, senão impossível, racionalizar essa relação, transformá-la em ideias precisas, claras, que nós mesmos entendamos, mas que a mediana das pessoas entenda também. Na minha opinião ninguém se pode ter por intelectual, por pessoa culta se não ambicionar ter um discurso escorreito sobre o poder, de preferência sobre os vários poderes. Um discurso que não esteja sujeito a qualquer hermenêutica. Raramente aquelas nossas ideias feitas correspondem a este padrão.
A simples manifestação dos nossos sentimentos que descrevem a relação que temos com os poderes é quase sempre perfeitamente redutora. Os sentimentos correspondem ao estado de paralisia do nosso espírito. São uma imagem instantânea muito mais disponível que um conjunto de argumentos. Mas são uma imagem vulnerável, manipulável pelos outros que mais se preocupam a atacá-los directamente, usando outras imagens seleccionadas, do que a desmonta-los pelo esclarecimento dos motivos da sua criação.
Os sentimentos são-nos necessários porque nos facultam na hora instrumentos de análise que nos permitem ter uma resposta rápida e fundamentada. Porém os sentimentos podem tornar-nos seus prisioneiros. Fazem-nos descansar sobre o trabalho de análise realizado aquando da sua elaboração e não tem em conta as enormes mudanças entretanto ocorridas. Os nossos sentimentos têm pois um certo grau de incerteza.
Podemos, para obviar a este problema, fazer uma certa actualização permanente dos nossos sentimentos. Como porém um dos seus objectivos é dar-nos uma certa estabilidade emocional e intelectual temos que os fazer durar o maior tempo possível. Neste sentido a sociedade, se não nos exigisse tanto, ajudava-nos a mudar lentamente os nossos sentimentos. Simplesmente não quer e as horas que temos de dedicar a outras tarefas raramente nos deixam tempo para pensar. Também neste domínio a comunicação social nos fornece mais enlatados do que comida saudável. Mas afinal de que sentimentos e poderes falamos?
O poder familiar, maternal e paternal, é o primeiro com que nos defrontamos, e porque desde logo elaboramos sentimentos, estes vão-nos condicionar na nossa futura vida de relação, seja com os nossos contemporâneos seja com o poder social e político. As dificuldades do relacionamento familiar são difíceis de conhecer e, além das nossas, embrenhamo-nos imenso na especulação. Há quem queira reduzir tudo a uma questão económica, mas o melhor será considerar a família como o reflexo de todas as contradições existentes numa sociedade.
Podemos facilmente confirmar que em Portugal a nossa relação com o poder é mais problemática ainda devido ao nosso percurso feito de longas paralisias e bruscos avanços. Enquanto há normalmente um maior afastamento das pessoas em relação ao poder, há também ocasiões em que há uma proximidade inquietante na medida em que se não traduz em qualquer relação consistente. Uma certa imaturidade emocional leva-nos a imaginarmos uma relação demasiado estreita mas a não sabermos colocar exigências que lhe dêem substância.
A dificuldade do nosso relacionamento com o poder tanto pode derivar do facto de não nos opormos suficientemente à sua expansão, como pode derivar de fazermos uma oposição sistemática, visando o seu próprio bloqueamento. O poder precisa de encontrar alguma resistência para não amolecer, mas também de algum estímulo para encontrar o seu melhor caminho. A nossa passividade não é benéfica, mas a nossa irreverência nem sempre ajuda.
A atitude mais fácil perante o poder é a subserviência, a qual em Portugal parece ser endémica. A subserviência surge quando imaginamos um poder mais forte do que aquele que se nos apresenta e assumimos uma atitude mais submissa do que aquela que nos seria exigível. Esta subserviência propaga-se mais quando existem poderes sólidos mas não particularmente despóticos, que não são agressivos, que não se afirmam pela persistência, pela crueldade ou pela insídia.
Perto da subserviência surge o deslumbramento quando pensamos que o poder é iluminado. Da subserviência ainda saímos com uma certa facilidade mas o deslumbramento não nos permite uma saída fácil. Aliás a subserviência pode-se diluir lentamente mas também pode dar origem a erupções de contestação violenta ao poder precisamente porque quem é subserviente não está preparado para uma relação pacífica imediata com esse poder.
Lado a lado com a subserviência caminha muitas vezes a resignação, de modo que são sentimentos que convém não confundir. A resignação pode produzir o mesmo efeito, mas é própria de quem tem mais consciência da realidade, está mais próximo dela. É um sentimento mais elaborado, mais próximo da racionalidade e como tal mais facilmente desmontável se, aos nossos olhos, se justificar que dele nos libertemos. O resignado está mais preparado para vir a estabelecer uma relação aberta e pacífica com o poder.
No entanto nós geralmente já temos ideias feitas, sentimentos arreigados, o que torna difícil a mudança de opinião, a simples discussão livre destes assuntos, já que não a há sem pormos a hipótese de acrescentarmos um novo ponto de vista ao nosso conhecimento, de alterarmos alguma conclusão, por pouco que seja, de modificarmos, pelo menos em certa medida, a opinião que tínhamos sobre quem exerce o poder e até sobre quem é condicionado por ele.
A nossa difícil relação com o poder deriva também de ser complicado, senão impossível, racionalizar essa relação, transformá-la em ideias precisas, claras, que nós mesmos entendamos, mas que a mediana das pessoas entenda também. Na minha opinião ninguém se pode ter por intelectual, por pessoa culta se não ambicionar ter um discurso escorreito sobre o poder, de preferência sobre os vários poderes. Um discurso que não esteja sujeito a qualquer hermenêutica. Raramente aquelas nossas ideias feitas correspondem a este padrão.
A simples manifestação dos nossos sentimentos que descrevem a relação que temos com os poderes é quase sempre perfeitamente redutora. Os sentimentos correspondem ao estado de paralisia do nosso espírito. São uma imagem instantânea muito mais disponível que um conjunto de argumentos. Mas são uma imagem vulnerável, manipulável pelos outros que mais se preocupam a atacá-los directamente, usando outras imagens seleccionadas, do que a desmonta-los pelo esclarecimento dos motivos da sua criação.
Os sentimentos são-nos necessários porque nos facultam na hora instrumentos de análise que nos permitem ter uma resposta rápida e fundamentada. Porém os sentimentos podem tornar-nos seus prisioneiros. Fazem-nos descansar sobre o trabalho de análise realizado aquando da sua elaboração e não tem em conta as enormes mudanças entretanto ocorridas. Os nossos sentimentos têm pois um certo grau de incerteza.
Podemos, para obviar a este problema, fazer uma certa actualização permanente dos nossos sentimentos. Como porém um dos seus objectivos é dar-nos uma certa estabilidade emocional e intelectual temos que os fazer durar o maior tempo possível. Neste sentido a sociedade, se não nos exigisse tanto, ajudava-nos a mudar lentamente os nossos sentimentos. Simplesmente não quer e as horas que temos de dedicar a outras tarefas raramente nos deixam tempo para pensar. Também neste domínio a comunicação social nos fornece mais enlatados do que comida saudável. Mas afinal de que sentimentos e poderes falamos?
O poder familiar, maternal e paternal, é o primeiro com que nos defrontamos, e porque desde logo elaboramos sentimentos, estes vão-nos condicionar na nossa futura vida de relação, seja com os nossos contemporâneos seja com o poder social e político. As dificuldades do relacionamento familiar são difíceis de conhecer e, além das nossas, embrenhamo-nos imenso na especulação. Há quem queira reduzir tudo a uma questão económica, mas o melhor será considerar a família como o reflexo de todas as contradições existentes numa sociedade.
Podemos facilmente confirmar que em Portugal a nossa relação com o poder é mais problemática ainda devido ao nosso percurso feito de longas paralisias e bruscos avanços. Enquanto há normalmente um maior afastamento das pessoas em relação ao poder, há também ocasiões em que há uma proximidade inquietante na medida em que se não traduz em qualquer relação consistente. Uma certa imaturidade emocional leva-nos a imaginarmos uma relação demasiado estreita mas a não sabermos colocar exigências que lhe dêem substância.
A dificuldade do nosso relacionamento com o poder tanto pode derivar do facto de não nos opormos suficientemente à sua expansão, como pode derivar de fazermos uma oposição sistemática, visando o seu próprio bloqueamento. O poder precisa de encontrar alguma resistência para não amolecer, mas também de algum estímulo para encontrar o seu melhor caminho. A nossa passividade não é benéfica, mas a nossa irreverência nem sempre ajuda.
A atitude mais fácil perante o poder é a subserviência, a qual em Portugal parece ser endémica. A subserviência surge quando imaginamos um poder mais forte do que aquele que se nos apresenta e assumimos uma atitude mais submissa do que aquela que nos seria exigível. Esta subserviência propaga-se mais quando existem poderes sólidos mas não particularmente despóticos, que não são agressivos, que não se afirmam pela persistência, pela crueldade ou pela insídia.
Perto da subserviência surge o deslumbramento quando pensamos que o poder é iluminado. Da subserviência ainda saímos com uma certa facilidade mas o deslumbramento não nos permite uma saída fácil. Aliás a subserviência pode-se diluir lentamente mas também pode dar origem a erupções de contestação violenta ao poder precisamente porque quem é subserviente não está preparado para uma relação pacífica imediata com esse poder.
Lado a lado com a subserviência caminha muitas vezes a resignação, de modo que são sentimentos que convém não confundir. A resignação pode produzir o mesmo efeito, mas é própria de quem tem mais consciência da realidade, está mais próximo dela. É um sentimento mais elaborado, mais próximo da racionalidade e como tal mais facilmente desmontável se, aos nossos olhos, se justificar que dele nos libertemos. O resignado está mais preparado para vir a estabelecer uma relação aberta e pacífica com o poder.
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