sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A aposta não proposta dos professores

A proposta em que os sindicatos dos professores apostam, mas que não apresentaram, o decoro parece ainda ser suficiente para eles não avançarem mais nesta galopada infernal, é claramente a autoavaliação. É um método já gasto, que já revelou todos os seus malefícios. Ele é mesmo de rejeitar independentemente da natureza dos próprios avaliadores. E os professores não são de carne diferente de todos os outros.
É uma maravilha quando cada qual diz o que vale e ninguém vai contra isso. Para quê as pessoas se vão chatear se disso parece não vir mal ao mundo, ao pequeno mundo como é o dos professores nesta questão envolvidos? Poucos terão a ousadia de se acharem prejudicados no processo. Beneficiam-se os velhos, acomodam-se os novos, os alunos ficam por ser irrelevantes no contexto.
Sabendo da desonestidade intelectual que por aí paira esta suposta proposta nem mereceria comentários. No entanto, não fosse o Ministério aceitá-la, os sindicatos resolveram retroceder e não a apresentar. Eles entenderam apostar agora a fundo na discussão da verdadeira fonte da sua insatisfação e ir sugerindo que sem a queda das cotas e das categorias entre os professores não vale a pena propor nenhuma avaliação. É mais sincero mas arriscado também.
0u então reservam a proposta da autoavaliação para mais tarde, se virem que não têm força para avançar decididamente no que agora sugerem. É que se o Governo cedesse em matéria de cotas e categorias o caso já estaria resolvido há muito. Neste jogo do gato e do rato os sindicatos têm receio em abrir o seu verdadeiro jogo e o Governo não cederá no essencial, vai cedendo no acessório que não comprometa a avaliação, essencial também para consolidar o conjunto.
A autoavaliação não serve para diferenciar as pessoas pelo extremado cariz pessoal que assume. A avaliação só se consegue por um processo de distanciamento, que de preferência obedeça ao princípio da hierarquia, mas não excessivo. A avaliação deve ser feita por quem está pelo menos um nível acima e não mais que dois e tenha estatuto que torne o avaliador imune a retaliações. Porém é provável que os sindicatos queiram voltar àquele sistema da autoavaliação e vale a pena analisar a sua consistência e os seus resultados:
Há muitas pessoas que até se têm a si próprias em fraco conceito mas que nas horas de verdade não descuram que lhes dêem a boa imagem a que têm “direito”. E quando se trata de verter para o papel a merecida classificação não será a obtida pelo seu conceito não confessado mas aquela que é fornecida pela outra imagem que interessa cultivar. Ninguém se vai auto diferenciar para se prejudicar.
A maioria das pessoas até dirá que isto é o legitimo espírito defensivo a vir ao de cima e ninguém o levará a mal. Cada um trata de si e o Sindicato de todos. Claro que haverá alguns ensandecidos, daqueles que estão mesmo convencidos que não são tão maus como os possam julgar, antes pelo contrário, será difícil encontrar melhor. Nunca se coibiriam de dar a si próprio as melhores classificações. Com razão ou sem ela que se fiquem todos pela mediania.
Mas nem só os ensandecidos são vítimas neste processo. Pode haver transposição de um efeito psicológico proveniente doutro contexto, doutra vivência, mas também pode ser genuíno, originado nesta situação e circunscrito a ela. Nós facilmente nos esquecemos que há mais mundos para além do nosso e que eles não são concêntricos, não giram à nossa volta. Porém há mesmo situações que nos podem ultrapassar, quando involuntariamente nos abstraímos desses mundos ou somos obrigados a isso.
Um dia prestei prova de aferição do 12º ano em Geografia e fiquei estupefacto com o 12 que me colocaram na pauta. Queria recorrer mas era Agosto e a minha professora não estava na Escola, claro. Estava de merecidas férias. Só me informaram que poderia recorrer a outro docente, mas não tive outro remédio se não ser eu mesmo o avaliador e fazer o recurso.
Foi manifestamente difícil porque, analisados os livros de apoio, os meus apontamentos e fazendo mesmo apelo a outros conhecimentos que eu já tinha adquirido antes, concluía que nas minhas respostas não havia lacunas significativas. Parecia-me uma falsa modéstia atribuir alguma valoração a falhas de pouca monta que houvesse, porque achava ter compreendido aquilo que me tinha sido transmitido e se estava errado a mim se não devia.
E vá de me atribuir 20 valores. Claro que levei 17 e já fiquei satisfeito, tão satisfeito como se fora à primeira vez. Eu não tinha pretensões a saber tudo e faltava-me a clara noção do limite, daquilo que me poderia ser transmitido se o professor fosse outro, a escola fosse outra, o contexto outro. Por natureza os limites têm que nos ser transmitidos por outrem, fixá-los nós é pura hipocrisia.
Os alunos sabem das imensas contingências, seja quando são avaliados pelo seu docente, seja quando avaliados por outro e principalmente quando este é quase ou mesmo desconhecido. Os professores sentirão os mesmos problemas. Quando se trata de avaliarem outros professores sentir-se-ão inibidos. Mas se os professores desconfiam dos seus próprios colegas, o que dirão os alunos do professor que lhes tenha ganho raiva, daquele que desconhece o seu contexto?
Uma pessoa isolada, pensando o seu saber, poderá estar consciente das suas limitações, se já teve provas anteriores para isso, mas nunca é tão estúpida para as fixar. Pensará que, na dúvida, é melhor valorizar-se do que passar por parva. Deixar que eu e todos os outros nos valorizemos a nós próprios não dá garantia de qualquer equidade. Mas neste jogo do gato e do rato o mal estará sempre em as pessoas pensarem que ao rato tudo é permitido.

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