Muitos perguntarão porque nos esquecemos tanto do 25 de Abril, se ele foi tão importante para nós, gostemos ou não, sejam quais as reticências que coloquemos à maneira como se desenrolou e aos resultados que implicou.
A falta de acordo acerca desta questão, que de modo tão amplo pode ser posta, deriva em primeiro lugar da falta de unanimidade acerca da própria natureza do acontecimento. Mas se as divergências podem contribuir para o esquecimento deliberado, há outros factores que vão ajudando ao mesmo efeito.
Alguns até dirão para quê tanta referência a um facto que pouco significado teve na evolução pouco inovadora que a partir daí se processaria. Na realidade as referências são cada vez menores porque, por mais fulcral que tenha sido um episódio histórico, quanto maior for a distância temporal mais se dilui numa tendência geral que nós sempre atribuímos a um largo período histórico.
O tempo sara as feridas, diminui as divergências, dilui as contradições. Pessoas rotundamente contra passaram a aceitar aspectos outrora controversos, evoluções consideradas então perigosas. Pessoas a favor verificaram que nem tudo caminhou no sentido esperado e que houve aspectos negativos que suplantaram os positivos.
O serem conclusões à distância não quer dizer que não resultem de análises rápidas e demasiado simplistas que confundem factores, misturem causas e desnivelem as razões. Mas, se quem viveu os acontecimentos deveria ter uma noção mais precisa, a verdade é que são as razões afectivas que prevalecem.
Já aqueles que não viveram o 25 de Abril normalmente partilham as opiniões do seu meio circundante, mas tem uma tendência natural a ver a história como decorrendo sobre uma linha mais ou menos recta. Depois, estando ainda em acção a maioria das forças políticas que intervieram nessa ocasião, em especial no pós-25 de Abril, é-lhes difícil destrinçar os seus diferentes modos de agir.
O 25 de Abril foi uma verdadeira revolução no sentido em que decapitou o sistema político-militar, instituiu uma orgânica nova na super-estrutura, terminou a fase imperialista do País, tornou irreversível o discurso político. O 25 de Abril não foi uma verdadeira revolução porque optou por manter o regime cooperativo de Salazar, que depois de uma fase fracassada de comissariado político acabou por resultar uma autogestão sustentada pelo Estado.
Instituições e sectores foram sendo remendados, alguns, poucos, reformulados e alguns outros foram caindo de podres pela sua própria natureza. As nacionalizações corresponderam à necessidade de uma reorganização do aparelho produtivo. Ao condicionamento industrial instituído por Salazar e à política de alvará para a maioria das actividades significativas quis o poder que sucedesse um sistema de monopólio integral que asfixiaria a sociedade e levaria ao seu progressivo abandono ainda não totalmente consumado.
Os fortes lobbies e grupos de pressão que ainda hoje existem são resquícios bem vigorosos daquele sistema corporativo. Neste aspecto o 25 de Abril não é uma revolução porque se limitou a permitir o acesso a certas profissões e actividades às pessoas provenientes das mais diversas camadas da população. Esta reforma teve mais ou menos efeito imediato na maioria dos sectores, mas encontrou forte resistência em alguns, como o da medicina.
Além disso passados mais de trinta anos continuamos a correr atrás de reformas que eram imprescindíveis há muito mas que o poder político não consegue impor ou distorce claramente em favor dos seus próprios lobbies dominantes. Veja-se a saúde, o ensino, a fiscalidade. Salva-se a segurança social.
O 25 de Abril prescindiu de ser uma revolução porque não construiu qualquer novo sistema de raiz, não foi um golpe de Estado porque não houve uma clara demarcação entre vencedores e vencidos, não pode mas quase se resignou a passar despercebido, tanto se limitou a dar continuidade às instituições existentes, não fosse o poder cair na rua.
O 25 de Abril é tão só o despoletar da mais longa reforma, de tão longa que possivelmente daqui a uns outros trinta anos os nonagenários dessa altura ainda dirão que está por cumprir. No entanto isso é tão só erro nosso e não retira o mérito de um acontecimento muito mais inevitável nos efeitos do que na forma. Isto é, sabia-se há muito que haveria de acontecer, não se sabia como. Os que estivemos do lado de lá desse dia queríamos inovar mas não sabíamos como.
O 25 de Abril assumiu uma forma casual, pacífica, dadas as desigualdades e os condicionalismos existentes é o mais consensual possível. Podemos acusá-lo de agravar desigualdades e de não resolver certas questões tão aceleradamente como queríamos, mas não lhe podemos atribuir a degradação da vida nas colónias, os efeitos da mercantilização e da globalização na economia e em particular na economia rural. Decerto a adesão à CE e ao Euro foram mais decisivas.
Só podemos culpar o 25 de Abril por ter sido tardio, porque o País não se preparou mais cedo para evoluções já em curso ou que se adivinhavam. Mas esta é uma culpa para os homens que foram o sustentáculo do antigo regime e que, como é evidente, não tinham preparação democrática.
Para nós que nascemos na ditadura mas que nunca a aceitamos, que tínhamos umas noções de democracia mas nunca as experimentamos, que subscrevemos desde a juventude uma visão humanista do mundo, o 25 de Abril foi o dia de festa maior e que, mesmo maugrado os dissabores consequentes, deve permanecer como a primeira referência do Portugal Democrático.
A falta de acordo acerca desta questão, que de modo tão amplo pode ser posta, deriva em primeiro lugar da falta de unanimidade acerca da própria natureza do acontecimento. Mas se as divergências podem contribuir para o esquecimento deliberado, há outros factores que vão ajudando ao mesmo efeito.
Alguns até dirão para quê tanta referência a um facto que pouco significado teve na evolução pouco inovadora que a partir daí se processaria. Na realidade as referências são cada vez menores porque, por mais fulcral que tenha sido um episódio histórico, quanto maior for a distância temporal mais se dilui numa tendência geral que nós sempre atribuímos a um largo período histórico.
O tempo sara as feridas, diminui as divergências, dilui as contradições. Pessoas rotundamente contra passaram a aceitar aspectos outrora controversos, evoluções consideradas então perigosas. Pessoas a favor verificaram que nem tudo caminhou no sentido esperado e que houve aspectos negativos que suplantaram os positivos.
O serem conclusões à distância não quer dizer que não resultem de análises rápidas e demasiado simplistas que confundem factores, misturem causas e desnivelem as razões. Mas, se quem viveu os acontecimentos deveria ter uma noção mais precisa, a verdade é que são as razões afectivas que prevalecem.
Já aqueles que não viveram o 25 de Abril normalmente partilham as opiniões do seu meio circundante, mas tem uma tendência natural a ver a história como decorrendo sobre uma linha mais ou menos recta. Depois, estando ainda em acção a maioria das forças políticas que intervieram nessa ocasião, em especial no pós-25 de Abril, é-lhes difícil destrinçar os seus diferentes modos de agir.
O 25 de Abril foi uma verdadeira revolução no sentido em que decapitou o sistema político-militar, instituiu uma orgânica nova na super-estrutura, terminou a fase imperialista do País, tornou irreversível o discurso político. O 25 de Abril não foi uma verdadeira revolução porque optou por manter o regime cooperativo de Salazar, que depois de uma fase fracassada de comissariado político acabou por resultar uma autogestão sustentada pelo Estado.
Instituições e sectores foram sendo remendados, alguns, poucos, reformulados e alguns outros foram caindo de podres pela sua própria natureza. As nacionalizações corresponderam à necessidade de uma reorganização do aparelho produtivo. Ao condicionamento industrial instituído por Salazar e à política de alvará para a maioria das actividades significativas quis o poder que sucedesse um sistema de monopólio integral que asfixiaria a sociedade e levaria ao seu progressivo abandono ainda não totalmente consumado.
Os fortes lobbies e grupos de pressão que ainda hoje existem são resquícios bem vigorosos daquele sistema corporativo. Neste aspecto o 25 de Abril não é uma revolução porque se limitou a permitir o acesso a certas profissões e actividades às pessoas provenientes das mais diversas camadas da população. Esta reforma teve mais ou menos efeito imediato na maioria dos sectores, mas encontrou forte resistência em alguns, como o da medicina.
Além disso passados mais de trinta anos continuamos a correr atrás de reformas que eram imprescindíveis há muito mas que o poder político não consegue impor ou distorce claramente em favor dos seus próprios lobbies dominantes. Veja-se a saúde, o ensino, a fiscalidade. Salva-se a segurança social.
O 25 de Abril prescindiu de ser uma revolução porque não construiu qualquer novo sistema de raiz, não foi um golpe de Estado porque não houve uma clara demarcação entre vencedores e vencidos, não pode mas quase se resignou a passar despercebido, tanto se limitou a dar continuidade às instituições existentes, não fosse o poder cair na rua.
O 25 de Abril é tão só o despoletar da mais longa reforma, de tão longa que possivelmente daqui a uns outros trinta anos os nonagenários dessa altura ainda dirão que está por cumprir. No entanto isso é tão só erro nosso e não retira o mérito de um acontecimento muito mais inevitável nos efeitos do que na forma. Isto é, sabia-se há muito que haveria de acontecer, não se sabia como. Os que estivemos do lado de lá desse dia queríamos inovar mas não sabíamos como.
O 25 de Abril assumiu uma forma casual, pacífica, dadas as desigualdades e os condicionalismos existentes é o mais consensual possível. Podemos acusá-lo de agravar desigualdades e de não resolver certas questões tão aceleradamente como queríamos, mas não lhe podemos atribuir a degradação da vida nas colónias, os efeitos da mercantilização e da globalização na economia e em particular na economia rural. Decerto a adesão à CE e ao Euro foram mais decisivas.
Só podemos culpar o 25 de Abril por ter sido tardio, porque o País não se preparou mais cedo para evoluções já em curso ou que se adivinhavam. Mas esta é uma culpa para os homens que foram o sustentáculo do antigo regime e que, como é evidente, não tinham preparação democrática.
Para nós que nascemos na ditadura mas que nunca a aceitamos, que tínhamos umas noções de democracia mas nunca as experimentamos, que subscrevemos desde a juventude uma visão humanista do mundo, o 25 de Abril foi o dia de festa maior e que, mesmo maugrado os dissabores consequentes, deve permanecer como a primeira referência do Portugal Democrático.