sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O que a escola pode fazer pelo sucesso da sua missão

Nunca como hoje tinha sido dada à família a oportunidade de preparar os seus filhos para o futuro com base na sua aquisição de conhecimento. De forma formal ou informal, práticas e experiências foram durante séculos o modelo base do ensino para a maioria da população, mesmo os mais favorecidos.
Do antigo regime herdamos o ensino comercial e industrial que pretendia que as pessoas fizessem a sua preparação para o mundo do trabalho sem ser no escritório ou na fábrica, como noutros tempos. Com base numa suposta descriminação, esse tipo de ensino foi posto de lado e a tentativa de o recuperar não tem infelizmente sido sempre bem sucedida.
Digo infelizmente mas terei que ressalvar ser contra a opinião daqueles que viam neste sistema a melhor maneira de defenderem o imobilismo classicista, de reproduzir incessantemente, numa lógica corporativa, a mesma estratificação social. As virtualidades do sistema podem e deviam ser exploradas noutro sentido, permitindo, à semelhança doutros sistemas, a mobilidade social.
Não investindo nisto, tem-se reduzido todo o ensino ao dito teórico, muito mais difícil de adaptar às necessidades do mundo do trabalho. Como se compreende é necessário transmitir conhecimentos muito vastos para que os alunos na vida prática venham a aproveitar alguns, o que será quase sempre numa pequena percentagem, e os saibam escolher e complementar.
Não será uma perca, mesmo partindo do pressuposto que todo o saber transmitido tem alguma utilidade no sentido da obtenção por todos de uma cultura geral semelhante? Na verdade há um saber essencial muito mais reduzido e eficaz para que os seus possuidores o usem como instrumento sempre que queiram aprofundar conhecimentos num ramo do saber em que são ignorantes.
O saber tão actual quanto possível e as armas intelectuais que o façam progredir num dado ramo do saber deve ser dado a quem já está na prática seguro de que é com a sua utilização que irá estruturar a sua vida futura, em termos práticos, que terá emprego próprio ou alheio. Fica com a sua empregabilidade garantida. Caso contrário só dá para criar frustração e dispêndio inútil.
Os teóricos e investigadores têm que ver as coisas na sua universalidade e intemporalidade, fazer esforços colossais para desbravar caminhos, devem estar preparados para nada conseguir ou para o sucesso repentino. Mas são sempre uma minoria que vive um mundo à parte, com a sua lógica própria e recompensas adequadas, preferencialmente intelectuais.
Alguém tem que fazer a redução do saber teórico ao saber prático para que este se aplique sem o apoio da própria prática. Existem condições tecnológicas e condições locais ou nacionais que recomendam que se sigam determinadas orientações. Mas é a valorização económica que acaba por ser preponderante nessa escolha. E afinal deve-o ser, se o que está em causa é a obtenção de um emprego no tecido económico circundante.
Os técnicos colocam o saber à disposição dos que o vão transmitir. Na realidade nenhum saber é verdadeiro se não for transmissível. Por outro lado são os professores as pessoas encarregues de o fazer. Nenhum ensino é válido se os alunos não estão preparados para o receber ou se não transmite devidamente o ensino mais apropriado.
Além do próprio sistema de ensino, os professores, cada um em particular, pode ser decisivo no sucesso escolar dos seus alunos. No geral, se as explicações têm sucesso é porque, quando os professores se preocupam com aquela parte do ensino essencial para obter bons resultados, estes aparecem. Ou então o explicador não vale nada.
O professor normal, que dá aulas normais, recebe porém solicitações muito diferentes daquelas que se fazem a um explicador. Na realidade ele é limitado por resistências e excessos derivados do ambiente escolar, além do seu próprio ambiente e convicções. O ambiente escolar é determinado pela acção dos governos, dos sindicatos, dos grupos informais de alunos e professores, do ambiente social circundante.
O professor sentir-se-á sempre responsável e pronto a corresponder ao que socialmente lhe é pedido. Um dos problemas é determinar a quem há-de respeitar, tantos são os patrões que se lhe deparam. Um dos problemas a resolver é mesmo o da autoridade, também disciplinar, mas essencialmente pedagógica.
De certo que à escola se não pode pedir mais do que ela é capaz de dar. A autoridade se se constrói na família não pode falhar logo nela, como tantas vezes acontece. No entanto a escola é demasiado permissiva aos problemas exteriores, a interferências políticas ou pelo menos da política. Esta intervenção da política tornou-se já quase um problema de cultura difícil de erradicar.
Também muitos professores se deixam contaminar por aquela política brejeira que tem resposta imediata para tudo. Mesmo quando se não querem envolver demasiado também eles transmitem displicentemente alguma da cultura de rua. Num local em que a análise devia ser privilegiada é uma síntese pseudo-científica e tendenciosa que impera.
Contrariamente ao que se pretendia com o sistema escolar único e o fim do ensino prático, e devido ao ambiente cultural que nelas se vive, as escolas servem para potenciar as desigualdades sociais, para agravar os problemas oriundos da família, para a constituição de grupos informais de alunos que transmitem culturas anti-sociais, porque a escola não constrói barreiras intelectuais a isso.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Aos jovens restará descobrir o seu caminho?

Hoje em dia os pais, na sua ânsia de querer o melhor para os seus filhos, investem muito no seu ensino. No geral preocupam-se em definir carreiras, amaciar-lhes o caminho, preparar-lhes o futuro. É certo que entregam à escola o essencial da sua preparação mas a gosto ou contra gosto despendem uns cobres para mais algum acrescento nas matérias mais difíceis.
A família, como primeira instituição a transmitir o saber e como base estruturante da sociedade e da constituição de toda a autoridade, nem sempre consegue manter esse papel durante muito tempo. Perde muitas vezes bastante cedo uma sua parte substancial, umas vezes reduzindo-se no tamanho, às vezes e dramaticamente, deixando que ela perca a centralidade.
Contraditoriamente os jovens estão economicamente dependentes da família durante cada vez mais tempo. A sociedade apela aos jovens para que eles prolonguem a sua vida estudantil com promessas de melhor situação futura, o que, aliás, está longe de poder vir a ser cumprido no sentido do estatuto doutoral com que muitos se arrogam.
Sentir, estar atento e receptivo a esse apelo da sociedade para estudar até mais tarde é por princípio saudável, sem que o oposto seja necessariamente reprovável. A formação pode ser conseguida durante a vida. A família, pela sua parte, é chamada a cumprir o objectivo de cada vez “deixar” o jovem melhor posicionado no ranking do emprego e da sociedade no fim do seu longo período de aprendizagem.
A dependência económica prolonga-se muito para além do que ainda vão uns anos se entendia como razoável. Esta situação prolongada nem sempre é fácil de gerir porque os interesses dos dois lados vão divergindo. A uns a situação de dependência pode vir a repugnar. Outros acham-se demasiado condicionados por ela. Outros ainda não assumem plenamente as suas responsabilidades, criando à família situações difíceis de solucionar.
Se a sociedade apela, também seria natural um apelo em sentido inverso, mas no geral ela não está preparada para oferecer condições aos jovens para prosseguir os seus dois objectivos: Estudar e ser economicamente independente a partir de uma idade em que os jovens já estão na posse de todas as suas faculdades e da capacidade de definir o seu destino.
Malgrado a sua falta de sustentação económica, os jovens defendem direitos que ainda há pouco eram entendidos como naturais para a sua idade e que agora são nesta situação mais dificilmente praticados. Naturalmente que querem continuar a obter os mesmos direitos de todos os jovens a partir da mesma altura, mesmo na situação de dependência que existe e então não existia.
As situações de conflito no interior da família são potenciadas por outros aspectos com origem tanto em si como no seu exterior. A complexidade do ensino leva a que no geral a família esteja cada vez mais distanciada do dia a dia dos filhos. A falta de tempo dos pais também vai contribuindo para esse desacompanhamento. As separações e as famílias mono parentais ajudam a agravar o problema.
Os centros de interesse dos jovens são cada vez mais diversificados e cada vez menos decorrentes das referências a que os pais estavam habituados. A perca da centralidade nas famílias, como principal centro de interesses, é o mais dramático dos episódios que ocorrem, mercê dos seus novos envolvimentos.
Os jovens encontram novas referências não totalmente compatíveis com os valores prevalecentes na sociedade na altura que os pais passaram a adultos e que querem fazer perdurar. Novos valores que entretanto despontaram chegam com mais facilidade aos jovens e são no geral mais apreciados por eles.
Entre eles há hoje valores claramente negativos, canalizados por referências claramente destrutivas em relação à sociedade heterogénea em que nos movemos. Também há porém novos valores que a sociedade assimilará com maior ou menor facilidade, sem perder o fundamental dos seus princípios estruturantes.
São processos dolorosos os que então na génese duma síntese construtiva do passado com o presente, de modo a garantir o futuro. Os jovens acabarão por conseguir, obtidos os conhecimentos e a experiência sempre necessários para a elaboração do saber transmissível, fazer a súmula daquilo que eles acharão deverem deixar em herança às gerações seguintes.
Se analisarmos aquilo que os jovens estão a receber da geração anterior chegaremos facilmente à conclusão que esta ainda não conseguiu realizar convenientemente o seu trabalho. Delegaram-no numa intelectualidade fútil, avessa às responsabilidades próprias, mas manifestamente interesseira, que tudo faz para passar referências nitidamente ilusórias, por terem aspectos de maior negação dos outros do que os de afirmação própria.
Uma conjugação de factores favoráveis fez com que os criadores dessa geração que corre para ser passado conseguissem introduzir as suas próprias referências no mercado dos bens intelectuais transaccionáveis, sem que as tivessem elaborado de modo a constituírem eles próprios o suplantar das contradições vindas do seu passado.
Os jovens dificilmente entendem uns pais mais contestatários que eles próprios, não encontram grande valor em quem se limita a dizer em simultâneo mal dum passado de que nunca se encontraram os responsáveis e dum presente de que dizem não os comprometer. A culpa anda sempre solteira.
A herança recebida pelos jovens de hoje não deixa de ser uma miscelânea desgarrada de conceitos, direitos e reivindicações. Não podemos querer que os jovens bebam nela aquilo que lá não está inscrito. Se os intelectuais de hoje olham para o futuro com os olhos conturbados de quem ainda não conseguiu dar algum limpidez à sua mente, resta aos jovens descobrir o seu caminho.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Só com paciência se equilibra a nossa excessiva impaciência

A paciência é uma qualidade do ramo das virtudes ou um defeito do ramo das maldades. È, conforme o ponto de vista, um aspecto positivo ou negativo que caracteriza o comportamento humano.
A constatação de que existe paciência também revela que a impaciência não está longe. Paciência ilimitada é uma virtude rara e muitas vezes suicidária. A paciência esgota-se mais ou menos depressa. A pessoa ou chega à conclusão de que a sua existência se não justificava ou reage impacientando-se.
A paciência é sempre um sinal revelador do nosso estado de espírito. A maneira pela qual se manifesta, se transforma, se esvai ou se satura, dando origem à impaciência, nem sempre é igual mas caracteriza, para um dado estado de espírito, o comportamento individual.
Constantemente chegamos à conclusão que o que nos impacienta nem sempre sensibiliza os outros e o que olhamos com paciência é motivo de revolta e impaciência no espírito alheio. Esta simples contradição dá origem a permanentes litígios, constantes aversões, ódios e ofensas.
Todos temos um nível de tolerância à contradição da nossa razoável impaciência com a exagerada paciência dos outros e da nossa, pensamos sempre, sensata paciência com a sua excessiva impaciência. Se não houver motivos particulares está definido o nosso grau de sociabilidade.
A importância que, relativizando-o, nós dermos ao assunto que é motivo da nossa paciência ou impaciência pode ajudar-nos a controlar as nossas reacções. O que é diferente de pensarmos que a paciência ou impaciência são sempre de louvar ou pelo contrário merecedoras do nosso desdém.
Uma atitude inicial acertada é sempre mais importante do que qualquer distanciamento que criemos mais tarde. Porque, se nós estamos sempre predispostos a aprender e a reformular reacções que, por força do hábito, tornamos quase mecânicas, a sociedade privilegia comportamentos rígidos, quando não agressivos.
A agressividade, traduzida em insultos e outras ofensas graves, está tão arreigada no comportamento de muita gente que é incorporada na sua própria imagem. Por isso ela se transfere doutras formas de conflitualidade social em que se poderá justificar (¿), para esta situação de simples divergência entre uns que são pacientes e outros pelo contrário.
É muitas vezes assumido como valor civilizacional aceite que a paciência tem limites. Que, passados estes, será natural cairmos num estado de impaciência. Objectivamente não cedemos perante a não satisfação de um dado objectivo que tínhamos em vista. Como a impaciência também tem limites só temos duas saídas: caminhar para a agressividade ou regredir para um estado de paciência.
Controlamos cada vez melhor a impaciência, sendo impacientes cada vez mais. Adquirimos mais sabedoria para atingir os mesmos objectivos, contornando os obstáculos perante os quais a nossa paciência tinha limites. Mas, se o tempo e a experiência são por si mesmos importantes, as excepções continuam a surgir e a revelar afinal alguma forma de exclusão social.
Por outro lado as contradições continuarão a existir e, tendo em vista os nossos objectivos, não nos podemos cingir somente à forma, antes prosseguiremos na tentativa de explorar em nosso proveito as nossas diferentes atitudes, nem que isso passe por nos “deixarmos” vitimizar ou pelo contrário usar outras formas de persuasão ou constrangimento para conseguir esses objectivos.
Baseados na forma podemos atribuir méritos ou deméritos às atitudes, mas são os objectivos que permitem não confundir paciência com cobardia ou impaciência com bravura. Por outro lado os objectivos não justificam tudo, embora, quando prosseguimos objectivos colectivos, tenha que haver sempre quem ceda em relação àqueles que lhe são mais próprios.
Uma das formas pela qual é vulgar surgir a impaciência é, usando a indefinição dos outros, tentar levá-los dessa maneira a tomar decisões rápidas. Além de vencidas possíveis hesitações, consegue-se assim subtrair a questão a alguma observação e ponderação mais atentas. Querendo andar para a frente, sem mais, até se apelida a paciência dos outros de demissão.
A paciência em excesso também pode ser contraproducente. Empregando o necessário calculismo, muitas vezes somos pacientes com o objectivo de levar os outros a aceitarem também serem resignados, como nós somos ou parecemos. Como não queremos que se avance, acusamos os outros de aventureirismo e, não revelando os verdadeiros motivos, coagimo-los a abandonar uma impaciência salutar.
A nossa paciência, ou a ausência dela, é função não só do nosso passado, da satisfação ou não dos nossos objectivos crescentes, mas também do caminho que queremos seguir e das forças que julgamos possuir para garantir um sucesso, que pode ser uma acção futura vitoriosa ou simplesmente a fuga a uma qualquer humilhação.
Mas na sociedade há uma impaciência crescente que mais se nota, muitas vezes sem objectivos definidos, outras vezes perante a não satisfação de objectivos demasiado concretos, mas irrealistas. Somos excessivamente volúveis para conseguir um equilíbrio saudável

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A pobreza de ontem, de hoje e … a do mundo real

Há dois aspectos com particular relevância na vivência humana: A sobrevivência física e o sentimento de segurança. Nestas duas vertentes gasta a política muito do seu esforço, que, aliás, nunca será demais.
Por força do desenvolvimento económico e civilizacional outras necessidades se têm acrescentado de modo a formar um todo em relação à satisfação do qual se define um índice de bem-estar. E também outros índices com parâmetros mais convencionais, a um dos quais se dá, um pouco subjectivamente, o nome de pobreza, melhor dizendo, de deficit económico.
Há uns anos atrás a ambição medianamente aceite pela população passava por não estar sujeito à fome e ter uma “casinha” para viver. Era uma expectativa comedida que tinha que ver com a efectiva situação de pobreza que então se vivia e era o mínimo considerado para abandonar essa situação. Ainda por cima um sentimento de segurança ajudava a colmatar aquele deficit.
O mal é que esse tal sentimento de segurança é que explica a sobrevivência do Estado Novo durante quase cinco décadas. A ditadura não garantiu qualquer situação de bem-estar permanente mas utilizou a seu favor a situação exterior em certos períodos para “justificar” a sua manutenção.
A força política exclusiva da altura tudo fazia para que a muito generalizada situação de deficit económico não fosse tida como situação de pobreza. Mas esta era tal que, em especial com o racionamento nos anos de guerra e nos maus anos agrícolas do período sequente, foram frequentes as situações de fome. Algumas situações posteriores foram um pouco mais amenizadas com ajuda internacional.
Pelo contrário, quem tinha as necessidades de sobrevivência garantidas, por beneficiar de um sentimento de segurança, já era considerado numa situação de riqueza. O dia a dia não revelava porém grande diferença, pelo que também os conflitos derivados de qualquer sentimento de inveja não eram frequentes.
As situações de pobreza, sempre mitigadas, e riqueza, sempre não ostensiva, interligavam-se num patamar muito baixo, sendo que esta última se atingia com apenas a posse de poucos hectares de terra ou de algum outro meio equivalente de produção. Toda a gente aceitava que houvessem uns mais pobres e outros mais ricos do que nós.
Hoje os objectivos mínimos das pessoas estão a um nível muito mais elevado e há uma grande confusão entre as situações de pobreza e as situações de falta de bem-estar. Ninguém num regime democrático tem por função acalmar as expectativas das pessoas, antes pelo contrário. Também os que estão em situação de riqueza não se coíbem de a exibir.
Não havendo tanto comedimento nas expectativas e colocando a situação de riqueza a uma altura mais inatingível, o patamar em que as situações de pobreza e riqueza se interligam está muito mais alto e é muito mais ambíguo. Todos os outros factores que influenciam o sentimento de bem-estar individual interferem afinal muito mais do que o da sobrevivência pura e simples.
As modas, as relações sociais, a alteração de modelos comparativos por força da mobilidade social leva a que surjam muitas oscilações no decorrer do tempo e nos vários patamares sociais. Em Portugal as camadas sociais são agora em muito maior número do que há meio século, o que leva a que a nossa percepção de médias e medianas é muito mais problemática.
O tempo é uma realidade que tem hoje uma dinâmica muito acrescida. As pessoas têm bastante dificuldade em acompanhar a evolução mas no geral já não parecem apanhadas de surpresa. É na dificuldade em compreender os passos intermédios que se encontra a explicação para a forma tão desajustada como é interpretada a realidade de hoje. O tempo passado foi vivido demasiado depressa.
Por vezes as pessoas falam como nada se tivesse passado, ingenuamente ou não, vivem numa perplexidade extrema. Não se compreende que as mesmas pessoas se façam de pobres para receber e, quase em simultâneo, de ricas para poderem ser sobranceiras. Equivocamente diz-se que há mais pobres, mas também se inflaciona o número de ricos quando convém. Que, novos-ricos, raramente o são a sério.
Atingir o patamar da sobrevivência física foi um sonho para gerações e gerações de humanos e continua a sê-lo em muitas partes do mundo. A maioria dos residentes no mundo real dos pobres nem sequer pode usufruir de qualquer sentimento de segurança que de certa forma os compense. Lá a pobreza é bem visível. Infelizmente muitos de nós, com uma quase natural displicência, achamos esta pobreza congénita e estas diferenciações lastimáveis mas irremediáveis.
O pior de tudo é que a determinação do nosso patamar relativamente alto de pobreza nada ajuda e antes prejudica a maneira como nós vemos o mundo. Um sentimento apurado de justiça levar-nos-ia a ajudar esses povos a aceder a um patamar de pobreza pelo menos semelhante ao nosso. Mas demitimo-nos facilmente perante a impossibilidade prática imediata disso acontecer.
Nem um maior contacto das pessoas com as realidades exteriores, nem o reconhecimento da influência mútua dos acontecimentos nas várias partes do globo, nem podermos vir a ser vítimas de ondas de choque provenientes de terras longínquas, nos leva a dar mais atenção a esta diferença, afrouxando as nossas próprias expectativas e diminuindo o egoísmo do mundo ocidental.
Alguns de nós pode estar em situação de deficit económico. Mas pobres, pobres são os do Darfur em África e os de tantas outras partes do mundo. Olhemos para eles, para que alguém olhe por eles!

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O imperativo ecológico: Na ecologia eu sou mais decisivo!

A ecologia atingiu uma gravidade tal que tem que ser levada em consideração mesmo que, de forma deliberada ou ingénua, se queira analisar um problema apenas pelo prisma da economia, da demografia, da sociologia, da política ou de qualquer outra ciência exacta ou menos.
A ecologia veio prestar um grande contributo para uma visão global do nosso planeta e para que todas as questões relacionadas com o nosso futuro sejam vistas com o equilíbrio e a ponderação de todos os factores que há uns anos ainda nos era difícil equacionar.
Há muito tempo se sabe que a grande maioria dos bens terrenos mais úteis existem em quantidades limitadas, que para muitos se não encontrará substituição, que na delapidação e na transformação dos produtos naturais se dá origem a subprodutos prejudiciais e, o que é mais grave ainda, mesmo os produtos obtidos podem constituir um perigo para o mundo tal como o conhecemos.
A ecologia tem vindo a entrar lentamente nas preocupações quotidianas mas tem encontrado muita resistência nos negócios, no equacionar pelos políticos dos problemas mundiais. Há mesmo quem feche os olhos aos problemas de tanta gravidade que, como o aquecimento global, já nos entram pela pele dentro.
Com as agressões ambientais a progredirem no ritmo a que se vão exercendo, corremos o risco de romper os ténues equilíbrios que a custo se têm vindo a estabelecer no mundo. Nesse sentido há que prevenir: O desastre que se avizinha pode não tocar da mesma maneira a todos e ninguém se vai conformar em ser mártir quando outros, embora temporários, são beneficiários das suas próprias agressões.
Os factores desencadeadores de conflitos e guerras do futuro podem estar no domínio ecológico, como hoje estão no domínio energético. Por isso a humanidade quer integrar plenamente a ecologia quanto trata de diplomacia económica, dos negócios mundiais, da política planetária. Na ecologia pode estar a diferença entre a guerra e a paz.
Todas as pressões são legítimas para a incorporação séria da questão ecológica no diário político, no mundo diplomático, das negociações e dos negócios, nas leis nacionais e internacionais, nas preocupações locais, nacionais e transnacionais. Todas as oportunidades de ganhar visibilidade, como o oportuno Prémio Nobel da Paz, são de aplaudir.
Como o tempo escasseia, não chega dizer às crianças que tomem este problema como seu. Nem aos adolescentes, que no folclore mediático muitos o tomam tão só como maneira de obter umas fantásticas fotografias e fazer umas sortidas esporádicas à natureza. E mesmo que a consciência ecológica entre nas suas preocupações só chegarão ao poder dentro de trinta anos.
A ecologia também é o problema dos peixes que se matam no Rio Labruja, das garças que são alvejadas no Lima, do lixo que se abandona nas encostas, das leis permissivas e das outras, as correctas que as entidades públicas não fazem cumprir, dos maus exemplos que vêem de baixo e de cima, do desleixo reinante.
Foi sem qualquer sentido crítico que se incorporaram processos e substâncias nocivas na nossa vida económica, no nosso quotidiano, desde o início da era industrial. A ecologia é um problema civilizacional muito mais recente. Entretanto já se criaram situações irreversíveis.
Hoje é irrealista fazer uma guerra contra qualquer bem ou objecto ecologicamente impuro quando entranhado no nosso consumo. Os hábitos são de tal maneira poderosos que as pessoas os assumem como direitos. Só pela via da contestação destes direitos é possível formar uma consciência ecológica.
O realismo leva-nos a pugnar pela criação de um sentido crítico que obste à criação de hábitos novos ecologicamente não recomendáveis, mas também vá pondo em causa aqueles que estão arreigados e que não podem constituir qualquer direito adquirido.
O ideal seria que a humanidade alterasse os seus modos de vida para formas mais saudáveis e ecológicas. Infelizmente a competição é muita e todos estão mais preocupados com o vizinho do que com a humanidade no seu conjunto. As pessoas vão resolvendo os seus problemas de consciência de forma casuística.
Alguns pensam que não consumindo isto ou aquilo referido por pouco ecológico já resolvem a sua parte do problema. Outros pensam que se todos, a não ser ele, contribuem para o problema, porque se há-de ele preocupar e não consumir o que deseja?
Uma atitude colectiva, que não é somente o somatório das atitudes individuais, só é tomada quando um problema atinge uma dimensão crítica. Nós podemos dar uma ajuda para diminuir essa dimensão. Individualmente impõe-se-nos que tenhamos em vista aquela atitude, mesmo quando nos parece improvável que possamos contribuir para ela.
A vertente ecológica, por exemplo a preocupação com a qualidade do ar, tem que ser incorporada na nossa vida pessoal e profissional com a naturalidade com que nós o respiramos. É um imperativo de sobrevivência e da paz.
È necessário que na questão ecológica atribuamos a nós próprios uma importância superior a quaisquer outra que tenhamos obtido noutro qualquer domínio do nosso interesse. Uma máxima pode ser:Na ecologia eu sou mais decisivo!