sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O vinho verde na economia local e global

Hoje a economia pura e dura, sem barreiras, globalizada, tomou já conta de todos os sectores que lhe viviam um pouco à margem, imunes às suas consequências e influenciando-a muito pouco com os seus efeitos.
Mas a economia tem artes e a insídia bastante para que nada lhe fuja e para que faça valer as suas leis e razões. Aqueles sectores mais solidamente instalados no seu próprio território tornam-se afinal, por essa situação de aparente segurança, mais vulneráveis nos tempos de hoje.
De forma mais ou menos repentina a exclusividade vai-se perdendo, perde-se o mercado e até o auto-consumo. Quando um produto exterior se nos impõe pelo preço, prescinde-se da qualidade do nosso produto nem que se venha mais tarde a pagar por ela, mas já em relação a um produto exterior.
O vinho estava nesta categoria, tinha em tempos mercado exclusivo, era fundamental no auto-consumo por ser considerado um alimento, era, para todos os efeitos, parte integrante da economia familiar da maioria dos habitantes da região dos vinhos verdes.
Já antes vários produtos autóctones nos tinham abandonado como a galinha caseira (a sério), o porco malhado bízaro, e outros tiveram graves quebras na produção como o gado, em particular o de leite, o azeite, o milho, o feijão, o tremoço, a noz, a castanha.
A economia impõe-nos que deixemos cair o que é nosso. Se estamos demasiado agarrados a isso, depressa a economia arranja novos argumentos das áreas da ecologia, da saúde, até da ordem pública, para impor mudanças, para nos criar outros gostos e apetências.
Ao vinho verde atribuem-se alguns deméritos, como o excesso de acidez, a falta de teor alcoólico, o pouco tempo de vida. Este vinho é próprio desta zona de muita pluviosidade, muito nevoeiro, clima propício a tudo que são pragas, a muita vegetação rasteira, a muito custo com a mão-de-obra necessária para dar combate a todos os seus inimigos.
Ainda tem a desvantagem de nunca se ter imposto verdadeiramente para além da sua região, do seu mercado tradicional, dos emigrantes oriundos da região, daqueles que o consumiam por obrigação e dos seus apreciadores bem definidos.
O sector do vinho é, dentro do domínio agrícola, aquele que mais resistiu mas está hoje sujeito a sofrer o impacto violento mas esperado da economia global. Em particular o hemisfério sul aparece como um concorrente fortíssimo nesta área. O mais dramático é que em muitos lugares o vinho era o que restava na economia, mesmo que a mão-de-obra começasse a escassear.
Se no Douro essa exclusividade se foi criando de há três séculos para cá, na região dos vinhos verdes deu-se esse passo nas últimas décadas. Enquanto só existiam vinhas de bordadura a dependência do vinho era mitigada e só a extrema pulverização da propriedade permitia que tivesse um grande peso.
Tudo se desenvolvia um pouco anarquicamente, no sentido de não olhar senão aos interesses próprios de cada proprietário. A criação da vinha contínua veio alterar este estado de coisas, este equilíbrio da economia de auto-subsistência, de quem essencialmente não trabalhava para o mercado.
A luta pela qualidade e pelo mercado que já começou nessa fase vai-se acentuar agora. Por isso se vai impor aquilo que nunca foi feito senão esporadicamente: A selecção dos terrenos e das castas apropriadas em especial para o vinho tinto. Mas a um outro nível tem que se caminhar no sentido da imunização da vinha perante as pragas instaladas no ambiente.
Só assim haverá possibilidade de competir com os vinhos provenientes de outras regiões e do estrangeiro. A uma diminuição drástica da quantidade que não foi possível fazer voluntariamente, mas que agora se impôs por efeito da economia e a que o clima deu uma ajuda, tem que corresponder a melhoria substancial da qualidade.
Isto terá implicações inevitáveis no meio rural, na economia rural, na paisagem, no ecosistema. As terras fundeiras e mais planas ficarão em exclusivo para a produção de milho para ensilagem e de forragens para a produção animal.
As terras altas ficarão para o pastoreio e produção arbórea. As terras intermédias, ditas de meia encosta, ficarão para a vinha e forragens. Eventualmente poderá surgir alguma cultura destinada à produção de massa vegetal para a conversão em energia.
Já começou a haver, e haverá cada vez mais, terrenos em pousio, não se sabe para quê. Muitos sonham com a urbanização, com uma vaga de velhos que venha para cá viver os últimos dias. Que dinamizem a economia local e comprem umas ovelhas para apascentar no campo.
Formar-se-ão empresas de jardinagem que lhes tratarão do aspecto. Roçadoras, moto serras e fresadoras vão ser os instrumentos de trabalho mais vulgarizados. Este é o sonho de quem queria preservar artificialmente a paisagem, que já não os modos de vida.
Só que com o rendimento dos velhos a diminuir, ou pelo menos estagnar, só lhes restará retirarem-se para um asilo e deixarem o mato a lavrar livremente pelas suas terras. Já ninguém toma conta delas de graça, nem pelo vinho, quanto mais pagar renda!

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

As Feiras Novas em jeito de balanço

È ocasião para recordar aquela lenga-lenga de que a qualidade se distingue claramente da quantidade. Sendo a quantidade sinal de pouca qualidade pode trazer alguma. Já a qualidade se dilui e é absorvida pela quantidade. O que sobreleva é no final a quantidade em detrimento da qualidade.
As nossas Feiras Novas são cada vez mais a festa de muita festas, a festa da juventude que nada tem a ver com a tradição, a festa dos nossos conterrâneos que nos vêm rever nesta altura, a festa dos saudosistas, a festa dos curiosos, a festa dos feirantes.
Cada qual vive a festa à sua maneira, em diversas ocasiões, de manhã, à tarde ou à noite, em diferentes locais, muitas vezes sem qualquer ligação entre si, com músicas variadas, com intenções às vezes divergentes. Cada novo grupo que vem à festa vai alterando as suas características e a base rural está irremediavelmente em declínio.
Este facto tem influência directa no ritmo, na velocidade com que se vive a festa. As festas são cada vez mais céleres. A nós, habituados a outros ritmos, as festas fogem-nos. A verdade é que há hoje uma série de condicionantes a tornar tudo mais rápido, vivido de maneira mais sôfrega, apressada, que logo há outras coisas para fazer.
Mas uma coisa é o tempo real e outra, bem diferente, é o tempo vivido. Em termos de tempo real as festas têm aumentado, sem que isso implique um maior tempo vivido. Mas maugrado a diminuição deste impõe-se que se diminua a tempo real da festa ou pelo menos de alterem os dias em que ela decorre.
Haverá condicionantes que recomendariam que se diminua o tempo real até porque agora se vive tudo mais depressa. Para a maioria da juventude, que vive a sua própria festa, a sexta-feira e o sábado tanto basta para gastar a sua força e dar vida às suas emoções. Mas claro que a festa não é só dela, mas convenhamos que cada vez mais condicionada por ela, pela cerveja, pela massificação e globalização. Pela falta de qualidade.
Acresce que a antecipação do começo das aulas leva à debandada dos jovens e à preocupação dos pais, ao abandono da festa mais cedo, no domingo ao fim da tarde, que o sono reparador a todos espera e é preciso estar preparado para novo dia de trabalho e de aulas.
Este ano a organização contribui pela sua parte para que a festa acabasse mais cedo. O desfile taurófilo, novidade de domingo, teve três defeitos nítidos: A hora madrugadora, o percurso limitado, o tamanho diminuto. Salvou-se a qualidade dos carros alegóricos, a intenção, alguns quadros sugestivos.
Já o cortejo etnográfico de sábado foi manifestamente grande. Continua a repetir erros antigos e cada inovação que lhe fazem parece ter por intenção o seu desprestígio. De um desfile das nossas tradições mais genuínas, no folclore, no artesanato, nos modos de vida, nos afazeres, nos hábitos e costumes, corre-se o risco de não passar de um desfile publicitário.
Possivelmente, em muitos casos, não se poderá ultrapassar esta pecha, desligar os carros e o seu conteúdo de certas empresas, impedir de modo absoluto qualquer ligação a projectos empresariais, mas há situações que começam a raiar o absurdo.
As festas são feitas pelas pessoas, mas, o facto de a organização ter pouca influência no seu desenrolar, não quer dizer que esta não tenha que ter em conta os interesses destas em termos de horários e configuração dos vários espectáculos. Muitas vezes a organização já fará muito se não atrapalhar, mas o que fizer tem que ter por objectivo o número máximo de pessoas.
O fogo de artifício é um espectáculo paradigmático, grandioso, empolgante. A cachoeira integrou-se bem em tempo. Hoje, pela dificuldade na sua visualização, pelo seu imobilismo em relação ao restante fogo, pela falta de inovação, já é parte perfeitamente amputável e substituível por outro fogo.
São as festas que se têm que adaptar aos interesses das pessoas e já não estas àqueles. Para os feirantes, para os festeiros todos os dias são iguais. Para os compradores e para quem se diverte não é tanto assim. A organização não pode ter só em vista os interesses dos feirantes e da sua própria receita.
Há a disponibilidade para fazer da sexta-feira um dia de festa plena porque as preocupações que nessa altura possam existir são muito menores. Em compensação a segunda-feira, afora o carácter religioso, já não tem motivos de atracão justificativos da sua inclusão nas festas. Os actos religiosos podiam ser com manifesta vantagem noutra dia como o domingo.
A velha displicência deu lugar à azáfama, à correria. Também a improvisação tem os dias contados. Quem organiza tem de adequar o programa aos tempos das pessoas, às suas folgas, às suas disponibilidades. O tempo de todos nós é hoje medido, distribuído, pensado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Como serão umas Feiras Novas genuínas e modernas?

As Feiras Novas, festas tradicionais de Ponte de Lima foram criadas em plena ligação com a feira, como seu complemento, que uma vez por ano comerciantes, artesãos e agricultores guardavam estes três dias para duas das actividades essenciais na vida e no equilíbrio emocional de todo o ser humano.
Nesta feira sempre se juntaram os limianos que vendiam os seus produtos aos conterrâneos e aos forasteiros ou comerciantes que vinham de fora mercadejar. Aqui se encontrava de quase tudo e se aproveitava o resto do dia e a noite para festejar condignamente a despedida do Verão.
Ponte de Lima sempre teve um espaço óptimo para este efeito. O amplo areal que se formou entre si e o rio, o Largo de Camões e as alamedas de S. João e dos plátanos chegavam e sobravam para o desenrolar do mercado, do arraial, para a instalação de todos os divertimentos que nesta ocasião aqui afluíam.
Não vai muito tempo que o espaço chegava para tudo e que tudo se desenvolvia em harmonia no tempo e no espaço. Sempre foram as pessoas que fizeram a festa, tendo os números que lhe foram sendo acrescentados contribuído para atrair cada vez mais gente.
Na verdade é que a apreciação geral, vendo-se pela atracção que anualmente é exercida, não depende por aí além das alterações que se vão operando, a festa tem “clientela” segura, uns amigos trazem outros e todos se deixam contagiar pela animação que por aqui se vai difundindo.
Onde pode começar a haver problemas é na dimensão das Feiras Novas. A improvisação já há uns anos que não vem satisfazendo as necessidades. Os intervenientes na festa já não conseguem gerir correctamente o espaço disponível e a organização tem que tomar opções claras.
O aumento da mobilidade levou a que as coisas tenham tomado um tamanho tão desproporcionado que a capacidade de absorção, de integração dos novos forasteiros, numa festa com esta tradição, nos moldes em que ela sempre se desenrolou, se tornou insuficiente.
Simultaneamente tem havido tentativas para dispersar o arraial, colocar certos eventos em zonas mais periféricas de maneira a desconcentrar nos períodos de maior afluência. Com certeza que este caminho tem que ser continuado, que o centro urbano não é elástico.
Mas ao mesmo tempo tem que serem dados passos no sentido de não deixar submergir tudo pelo comércio ambulante que aproveita todas as oportunidades para se instalar em qualquer lado com armas e bagagens. E se nós não podemos controlar os visitantes podemos fazê-lo em relação aos ambulantes.
A festa ganha com uma certa anarquia, mas perde se esta se tornar absoluta. A festa ganharia por um lado em separar aquilo que é feira daquilo que é festa. Mas tenderia por outro lado a perder algumas das características mais peculiares de uma feira que se não desmancha em três dias para que as festas se vão desenrolando no seu seio. E um balanço difícil de ponderar.
Mas talvez a separação venha a ser inevitável no futuro. E aí reside a grande divergência que eu tenho com os caminhos que estão a serem seguidos. Em vez de se ir separando a feira das festas, eliminando promiscuidades, criando espaços delimitados, vai-se arquitectando paliativos que só adiam e tornam cada vez mais difícil uma solução definitiva.
O comércio deve ser feito em zonas só a isso destinadas. Ao comércio alimentar em particular deve ser-lhe exigido o respeito de adequadas condições, não deixando que a coberto da tipicidade perdurem situações de manifesta falta de higiene. Neste aspecto a modernidade não é descabida.
Uma falsa originalidade não pode servir de álibi para que não sejam praticadas as normas que as novas exigências de salubridade exigem. Ao contrário do que se possa pensar não é a desordem e a imundice que são típicas. Aquilo que satisfazia as condições mínimas há cinquenta anos é evidente que não satisfaz as condições exigíveis hoje, ainda para servir uma clientela em maior número.
A ideia de que pode haver quem esteja interessado em acabar com as Feiras Novas não é defensável. Mas nada é estático e haverá possibilidade de melhorar aquilo que aos olhos de muitos não é já tradição mas um anacronismo incompatível com as normas de hoje.
Mas a questão do comércio alimentar é só um dos problemas que se nos deparam. Todo o comércio ambiciona estar perto da sua clientela, tão perto que os transeuntes sejam obrigados e entrar pela sua barraca. Nestas ocasiões ninguém vê que não é por tanta gente se ver comprimida que o comércio sai beneficiado.
Quando vamos para a festa não devemos levar preocupações destas. Sou daqueles que acredito no bom senso das pessoas e que elas tudo farão para que não surjam problemas de maior. Mas para quem não conhece as pessoas envolvidas há situações em que se lhes levantam muitas dúvidas. Além do mais sabemos que as soluções são difíceis mas com o adiamento cada vez o serão mais.
Vamos vivendo a festa no nosso cantinho, na nossa praça, na nossa alameda. É tempo de nos empenharmos em que a alegria a todos chegue na dimensão que cada um achar mais adequada para si. A alegria tem que ser tão natural como a cristalina água das nossas fontes naturais, porque não, como o saboroso vinho das nossas cepas.
As Feiras Novas merecem que se lhes olhe para os aspectos mais típicos, mais característicos, mais relevantes. A maioria dos de cá está receptiva a guardar a genuinidade promovendo a modernidade, para que a festa seja cada vez maior e todos aqui caibam.
Toda a gente é bem aceite, venha com o espírito de compartilhar connosco esta festa única.

As Feiras Novas são aquela Festa…

De repente um acontecimento que ainda havia de vir passava a condicionar o tempo. Já não era mais o tempo de praia, dos mergulhos nas límpidas águas do nosso Lima. Com o fim de Agosto a temperatura já diminuiu bastante, o Sol é já menos agressivo, o clima tornou-se mais ameno e apaziguador. Houve como que um abrandamento do ritmo da vida.
Nos campos a vivacidade das plantas foi-se perdendo e o espírito virou-se para as colheitas. Até os jovens parecem contagiados. Há sempre um tempo de sementeira e um tempo de colheita e todos nós nos viramos para recolher à nossa maneira o fruto de uma época de labuta.
Aproxima-se, não mais uma, mas a festa das festas, a suprema festa, o culminar de todas as festas que ao longo do ano se vão realizando. Quão inigualável é esta festa!
Não tardaria muito as aulas recomeçariam e era necessário encará-las com o espírito renovado pela satisfação de se ter vivido mais um ano de uma despreocupada juventude. O momento não podia ser mais oportuno para uma despedida e um até breve, que o tempo de aulas se tornaria mais leve.
Durante o resto do ano tudo se podia comemorar, sempre haverá razões para fazer uma festa. No ciclo da vida rural, da sementeira à colheita sempre há motivo para celebrar. Mas agora que os frutos vão ficando maduros, agora que se aproxima a necessária acomodação a um Inverno áspero e inclemente, celebra-se o sucesso possível de um ano de esforço e empenho.
Quaisquer que tivessem sido as vicissitudes por que passamos, algum ânimo terá sempre sobrado, algumas energias ainda teremos para dar vivacidade, emprestar uma alegria efusiva e contagiante a esta festa de louvor à vida. No final as nossas forças sairão mais renovadas.
As Feiras Novas são aquela festa que qualquer outra não consegue ser. O tempo é bem escolhido, é o momento próprio para a celebração. À festa não faltam as habituais pessoas de todas as Serras e Vales do Alto Minho e mesmo para além, algumas de bem longe. Chegada a época, espalha-se o chamamento.
Em crianças pressentíamos, como que pelo cheiro, o ar transmitia-nos a nova com maior velocidade que os ronceiros carros que transportavam os divertimentos. De súbito, como um frémito entre a criançada, todos os olhos se virassem para um só lado.
Era de lá, daquela estrada que bem se via do Largo de Camões que se esperava que tudo surgisse. Enfim chegaria a efectiva certeza de que a festa se faria. Para nós, jovens despreocupados, todos os anos se repetia a magia do nascimento. Se sabíamos que o arraial era o resultado da conjugação de muitos esforços, a nós só a ansiedade da espera nos ocupava.
A velha estrada de Viana era o caminho que tudo trazia e o Alto de S. Gonçalo era o nosso limite visual. Uma carroça, uma velha camioneta de carga e aí estávamos nós prontos a uma correria para confirmar se já se tratava mesmo das primeiras traves dos carrinhos, dos carris para o carrossel ou outro qualquer equipamento que viesse dar forma à festa.
Ou até, quem diria, as bancadas de um qualquer circo, que também eles cá vinham por vezes nesta altura. Anualmente visitavam-nos os espelhos que nos desfiguram, os comboios fantasmas, as motas que trepavam o poço da morte, os cavalos em que com alguma imaginação galopávamos, os carrinhos de choque, os aviões que subiam na vertical, as cadeirinhas, qual baloiço que arremessávamos pelo ar. Cada um teria a sua preferência mas todos eram bem vindos.
Fosse o que fosse o primeiro que pusesse as suas rodas no areal, já nos tinha à perna. Logo era assaltado pela miudagem pronta a ajudar à medida das suas forças na edificação da cidade fantástica de cor, bulício e alegria que nos três dias de festas nos faria rodopiar pelas suas ruelas sempre apinhadas de gente sorridente e atrevida.
Com sorte arranjaríamos umas fichas como paga de algum serviço mais leve, como ir buscar uma bebida ou chegar uns tacos de madeira para nivelar bem o que começava por serem estranhas armações que haveriam de levar em cima com ferros e madeira que dariam formas aos tão esperados divertimentos.
Se por acaso fora um circo a nossa persistência podia vir a ter o almejado prémio. Não só ver mas viver mesmo alguma da magia do circo. Até nos podiam dar por tarefa vender durante os espectáculos umas fotografias das trapezistas, uns bolos ou rebuçados ou os pirolitos de bolinha que matavam a sede de tanto rir.
Gostava sobretudo desta vida de bastidores em que tão brilhante era o frenesi de trás do palco como o esplendor colorido dos que actuavam à luz dos holofotes. Haveria sempre tempo para percorrer todas a festa, uma e outra vez, sempre se mostrando diferente, sempre novas caras, outro colorido, outra animação.
A festa dos jovens era fascinante, a sua recordação entusiasmava-nos o ano inteiro, ajudava-nos a aceitar melhor os horrores da disciplina e do estudo que tanto tempo nos ocupava. O tempo de festa era imenso enquanto durava e persistente depois de ter terminado. Era um tempo que não terminava nos nossos sonhos.
Só três dias de euforia, mas que únicos pela diversidade dos atractivos, pela liberdade impar que nos proporcionava, pela ausência de qualquer medo de perca ou rapto, eram sempre dos mais felizes que nesse já longínquos anos podíamos viver. E todos os aproveitávamos bem.
O desmontar do arraial era uma tristeza. Saber que só para o lado a festa se repetiria era confrangedor. Até que as aulas recomeçassem, lá deambularíamos por esta cidade fantasma, gastando o tempo nas barracas de bonecos que sempre ficavam mais uns dias. E quase sempre era a chuva que fazia o seu aparecimento para nos convencer que tudo tem o seu fim.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

As Geminações na defesa do nosso património cultural

As geminações entre terras de diferentes países são patrocinadas pela Comunidade Europeia como forma de proporcionar o intercâmbio de actividades de natureza cultural entre povos com passados distintos e um futuro que se quer de paz, de solidariedade e harmonia, convergente nos objectivos.
Em Ponte de Lima são já vários os casos de geminação com terras de diversos países a que nos ligam laços bem anteriores à integração europeia. Mesmo assim nem todos têm tido sucesso e pelo menos um já estará esquecido.
Talvez que a ideia dos patrocinadores não tenha correspondido uma implementação correcta e eficaz, essa geminação não tenha sido assumida e vivida pelos vários extractos sociais, não tenha sido garantida uma continuidade para além do acto institucional.
É claro que para este parcial fracasso terão contribuído uma série de equívocos. Em primeiro lugar porque, sendo a geminação feita entre terras, estas são representadas por pessoas que são transitórias nos cargos políticos e associativos que dão corpo a este tipo de associação.
Se há mudanças nas direcções e não se dá continuidade a um esforço, só porque ele foi iniciado por outros que se querem menosprezar, quando as prioridades passam a ser outras, corre-se o risco de dar origem a uma rotura num processo que, quando está no começo, é ainda muito frágil.
Depois porque os promotores são no geral emigrantes que encontram na geminação uma forma de manter os laços com a sua terra de origem ou pelo menos com o seu País. E da parte dos que por cá estamos encontra-se na geminação uma forma de compartilhar uma aventura passada que não vivemos, de seguirmos de forma mais aprazível um caminho que para eles foi de sacrifícios, quando não de pesadelos.
Esta lógica é legítima, deve ser incentivada e apoiada, mas é necessário que não só estas personagens participem no processo. Todos os elementos das duas comunidades locais, seja qual for a sua origem, devem ser chamados a integrar o espírito que preside a esta associação e incentivados a partilhar esta vivência.
O facto de haver um núcleo de emigrantes bem integrados deve ser visto como um elemento facilitador da ligação e a garantia de uma maior colaboração entre as duas comunidades locais. Também na comunidade de origem é necessário que haja um grupo de pessoas que viva esta associação mas também a divulgue e a abra a outros sectores sociais.
Uma geminação para ser de sucesso tem que ser capaz de criar múltiplos elos de ligação. O pior que pode acontecer é isolar-se numa só ligação exercida em regime de exclusividade. Sem prejuízo de uma coordenação e de haver certos domínios privilegiados, se não houver vivacidade e dinamismo, a associação, se se tornar repetitiva, esmorecerá com o tempo.
Os contactos entre duas comunidades não se pode restringir àqueles que por natureza já são semelhantes, nem sequer a uma só geração. A segunda geração de emigrantes é importantíssima porque já tem outras possibilidades de ter um melhor conhecimento e integração no espírito do novo lugar e ainda mantém alguma ligação ao lugar de seus pais.
Maugrado o diferente estado de desenvolvimento que forçosamente existe entre duas comunidades desta natureza, maugrado as diferentes características que adquiriram num passado com frequentes divergências, é possível haver uma aceitação dessas diferenças, uma vivência e uma apreço mútuo.
Uma das razões de interesse é mesmo haver manifestações culturais variadas que criam o gosto pelo seu intercâmbio. Se não fora os emigrantes quem poderia dar início a este processo? São eles que nas terras de acolhimento ganham gosto pelos seus habitantes e mais gosto sentem em que estes também tomem contacto com a comunidade que os viu nascer.
As geminações podem dar um grande contributo para que os locais compreendam melhor os seus recentes conterrâneos. Afinal há muitas mais afinidades e convergências do que pode parecer à primeira vista entre quem, com mais ou menos atropelos, foi criado a respeitar os mesmos princípios civilizacionais.
Integrado neste espírito, devem ser ultrapassadas as barreiras de certo artificio que sempre existem, desenvolvendo esforços a nível do ensino e da formação para dar a todos as mesmas possibilidades de realização pessoal. Cabe às associações de geminação reforçar pelo intercâmbio juvenil a cooperação prática, no sentido da integração e partilha de valores.
Não haverá pois grandes problemas se as novas gerações foram colocadas em contacto de modo a desenvolverem laços que dêem continuidade ao trabalho desenvolvido pelos seus pais. È importante que se promovam contactos a nível de folclore, da música, do desporto, do artesanato, da gastronomia mas é a sensibilização das famílias para acolher alunos e permitir que os seus filhos tenham períodos de estudo noutras comunidades que pode alicerçar uma geminação que perdure.
Uma forma de defender o nosso património também passa por dar apoio aos nossos emigrantes para que, à medida que vão criando as suas famílias nos países de acolhimento, não vão perdendo os laços que os ligavam à sua terra e antes os alargam à comunidade em que agora se integram. Todos os elos que se possam criar são bons para manter essa ligação e esse amor pela terra mãe.