sexta-feira, 21 de setembro de 2007

As Feiras Novas em jeito de balanço

È ocasião para recordar aquela lenga-lenga de que a qualidade se distingue claramente da quantidade. Sendo a quantidade sinal de pouca qualidade pode trazer alguma. Já a qualidade se dilui e é absorvida pela quantidade. O que sobreleva é no final a quantidade em detrimento da qualidade.
As nossas Feiras Novas são cada vez mais a festa de muita festas, a festa da juventude que nada tem a ver com a tradição, a festa dos nossos conterrâneos que nos vêm rever nesta altura, a festa dos saudosistas, a festa dos curiosos, a festa dos feirantes.
Cada qual vive a festa à sua maneira, em diversas ocasiões, de manhã, à tarde ou à noite, em diferentes locais, muitas vezes sem qualquer ligação entre si, com músicas variadas, com intenções às vezes divergentes. Cada novo grupo que vem à festa vai alterando as suas características e a base rural está irremediavelmente em declínio.
Este facto tem influência directa no ritmo, na velocidade com que se vive a festa. As festas são cada vez mais céleres. A nós, habituados a outros ritmos, as festas fogem-nos. A verdade é que há hoje uma série de condicionantes a tornar tudo mais rápido, vivido de maneira mais sôfrega, apressada, que logo há outras coisas para fazer.
Mas uma coisa é o tempo real e outra, bem diferente, é o tempo vivido. Em termos de tempo real as festas têm aumentado, sem que isso implique um maior tempo vivido. Mas maugrado a diminuição deste impõe-se que se diminua a tempo real da festa ou pelo menos de alterem os dias em que ela decorre.
Haverá condicionantes que recomendariam que se diminua o tempo real até porque agora se vive tudo mais depressa. Para a maioria da juventude, que vive a sua própria festa, a sexta-feira e o sábado tanto basta para gastar a sua força e dar vida às suas emoções. Mas claro que a festa não é só dela, mas convenhamos que cada vez mais condicionada por ela, pela cerveja, pela massificação e globalização. Pela falta de qualidade.
Acresce que a antecipação do começo das aulas leva à debandada dos jovens e à preocupação dos pais, ao abandono da festa mais cedo, no domingo ao fim da tarde, que o sono reparador a todos espera e é preciso estar preparado para novo dia de trabalho e de aulas.
Este ano a organização contribui pela sua parte para que a festa acabasse mais cedo. O desfile taurófilo, novidade de domingo, teve três defeitos nítidos: A hora madrugadora, o percurso limitado, o tamanho diminuto. Salvou-se a qualidade dos carros alegóricos, a intenção, alguns quadros sugestivos.
Já o cortejo etnográfico de sábado foi manifestamente grande. Continua a repetir erros antigos e cada inovação que lhe fazem parece ter por intenção o seu desprestígio. De um desfile das nossas tradições mais genuínas, no folclore, no artesanato, nos modos de vida, nos afazeres, nos hábitos e costumes, corre-se o risco de não passar de um desfile publicitário.
Possivelmente, em muitos casos, não se poderá ultrapassar esta pecha, desligar os carros e o seu conteúdo de certas empresas, impedir de modo absoluto qualquer ligação a projectos empresariais, mas há situações que começam a raiar o absurdo.
As festas são feitas pelas pessoas, mas, o facto de a organização ter pouca influência no seu desenrolar, não quer dizer que esta não tenha que ter em conta os interesses destas em termos de horários e configuração dos vários espectáculos. Muitas vezes a organização já fará muito se não atrapalhar, mas o que fizer tem que ter por objectivo o número máximo de pessoas.
O fogo de artifício é um espectáculo paradigmático, grandioso, empolgante. A cachoeira integrou-se bem em tempo. Hoje, pela dificuldade na sua visualização, pelo seu imobilismo em relação ao restante fogo, pela falta de inovação, já é parte perfeitamente amputável e substituível por outro fogo.
São as festas que se têm que adaptar aos interesses das pessoas e já não estas àqueles. Para os feirantes, para os festeiros todos os dias são iguais. Para os compradores e para quem se diverte não é tanto assim. A organização não pode ter só em vista os interesses dos feirantes e da sua própria receita.
Há a disponibilidade para fazer da sexta-feira um dia de festa plena porque as preocupações que nessa altura possam existir são muito menores. Em compensação a segunda-feira, afora o carácter religioso, já não tem motivos de atracão justificativos da sua inclusão nas festas. Os actos religiosos podiam ser com manifesta vantagem noutra dia como o domingo.
A velha displicência deu lugar à azáfama, à correria. Também a improvisação tem os dias contados. Quem organiza tem de adequar o programa aos tempos das pessoas, às suas folgas, às suas disponibilidades. O tempo de todos nós é hoje medido, distribuído, pensado.