sexta-feira, 14 de setembro de 2007

As Feiras Novas são aquela Festa…

De repente um acontecimento que ainda havia de vir passava a condicionar o tempo. Já não era mais o tempo de praia, dos mergulhos nas límpidas águas do nosso Lima. Com o fim de Agosto a temperatura já diminuiu bastante, o Sol é já menos agressivo, o clima tornou-se mais ameno e apaziguador. Houve como que um abrandamento do ritmo da vida.
Nos campos a vivacidade das plantas foi-se perdendo e o espírito virou-se para as colheitas. Até os jovens parecem contagiados. Há sempre um tempo de sementeira e um tempo de colheita e todos nós nos viramos para recolher à nossa maneira o fruto de uma época de labuta.
Aproxima-se, não mais uma, mas a festa das festas, a suprema festa, o culminar de todas as festas que ao longo do ano se vão realizando. Quão inigualável é esta festa!
Não tardaria muito as aulas recomeçariam e era necessário encará-las com o espírito renovado pela satisfação de se ter vivido mais um ano de uma despreocupada juventude. O momento não podia ser mais oportuno para uma despedida e um até breve, que o tempo de aulas se tornaria mais leve.
Durante o resto do ano tudo se podia comemorar, sempre haverá razões para fazer uma festa. No ciclo da vida rural, da sementeira à colheita sempre há motivo para celebrar. Mas agora que os frutos vão ficando maduros, agora que se aproxima a necessária acomodação a um Inverno áspero e inclemente, celebra-se o sucesso possível de um ano de esforço e empenho.
Quaisquer que tivessem sido as vicissitudes por que passamos, algum ânimo terá sempre sobrado, algumas energias ainda teremos para dar vivacidade, emprestar uma alegria efusiva e contagiante a esta festa de louvor à vida. No final as nossas forças sairão mais renovadas.
As Feiras Novas são aquela festa que qualquer outra não consegue ser. O tempo é bem escolhido, é o momento próprio para a celebração. À festa não faltam as habituais pessoas de todas as Serras e Vales do Alto Minho e mesmo para além, algumas de bem longe. Chegada a época, espalha-se o chamamento.
Em crianças pressentíamos, como que pelo cheiro, o ar transmitia-nos a nova com maior velocidade que os ronceiros carros que transportavam os divertimentos. De súbito, como um frémito entre a criançada, todos os olhos se virassem para um só lado.
Era de lá, daquela estrada que bem se via do Largo de Camões que se esperava que tudo surgisse. Enfim chegaria a efectiva certeza de que a festa se faria. Para nós, jovens despreocupados, todos os anos se repetia a magia do nascimento. Se sabíamos que o arraial era o resultado da conjugação de muitos esforços, a nós só a ansiedade da espera nos ocupava.
A velha estrada de Viana era o caminho que tudo trazia e o Alto de S. Gonçalo era o nosso limite visual. Uma carroça, uma velha camioneta de carga e aí estávamos nós prontos a uma correria para confirmar se já se tratava mesmo das primeiras traves dos carrinhos, dos carris para o carrossel ou outro qualquer equipamento que viesse dar forma à festa.
Ou até, quem diria, as bancadas de um qualquer circo, que também eles cá vinham por vezes nesta altura. Anualmente visitavam-nos os espelhos que nos desfiguram, os comboios fantasmas, as motas que trepavam o poço da morte, os cavalos em que com alguma imaginação galopávamos, os carrinhos de choque, os aviões que subiam na vertical, as cadeirinhas, qual baloiço que arremessávamos pelo ar. Cada um teria a sua preferência mas todos eram bem vindos.
Fosse o que fosse o primeiro que pusesse as suas rodas no areal, já nos tinha à perna. Logo era assaltado pela miudagem pronta a ajudar à medida das suas forças na edificação da cidade fantástica de cor, bulício e alegria que nos três dias de festas nos faria rodopiar pelas suas ruelas sempre apinhadas de gente sorridente e atrevida.
Com sorte arranjaríamos umas fichas como paga de algum serviço mais leve, como ir buscar uma bebida ou chegar uns tacos de madeira para nivelar bem o que começava por serem estranhas armações que haveriam de levar em cima com ferros e madeira que dariam formas aos tão esperados divertimentos.
Se por acaso fora um circo a nossa persistência podia vir a ter o almejado prémio. Não só ver mas viver mesmo alguma da magia do circo. Até nos podiam dar por tarefa vender durante os espectáculos umas fotografias das trapezistas, uns bolos ou rebuçados ou os pirolitos de bolinha que matavam a sede de tanto rir.
Gostava sobretudo desta vida de bastidores em que tão brilhante era o frenesi de trás do palco como o esplendor colorido dos que actuavam à luz dos holofotes. Haveria sempre tempo para percorrer todas a festa, uma e outra vez, sempre se mostrando diferente, sempre novas caras, outro colorido, outra animação.
A festa dos jovens era fascinante, a sua recordação entusiasmava-nos o ano inteiro, ajudava-nos a aceitar melhor os horrores da disciplina e do estudo que tanto tempo nos ocupava. O tempo de festa era imenso enquanto durava e persistente depois de ter terminado. Era um tempo que não terminava nos nossos sonhos.
Só três dias de euforia, mas que únicos pela diversidade dos atractivos, pela liberdade impar que nos proporcionava, pela ausência de qualquer medo de perca ou rapto, eram sempre dos mais felizes que nesse já longínquos anos podíamos viver. E todos os aproveitávamos bem.
O desmontar do arraial era uma tristeza. Saber que só para o lado a festa se repetiria era confrangedor. Até que as aulas recomeçassem, lá deambularíamos por esta cidade fantasma, gastando o tempo nas barracas de bonecos que sempre ficavam mais uns dias. E quase sempre era a chuva que fazia o seu aparecimento para nos convencer que tudo tem o seu fim.