sexta-feira, 6 de maio de 2011

O papel dos debates e do voto em democracia

No geral gostamos de um bom debate. Isto é, que contenha os ingredientes que nos entusiasmam, um assunto actual, os chistes apropriados, as respostas prontas. A maior crítica que se lhes faz é só tratarem dos assuntos que já estão na onda e pouco acrescentarem às opiniões dos verdadeiros protagonistas da luta política. Afinal são esses assuntos que a maioria das pessoas anseia por esclarecer, mas pela voz dos referidos protagonistas. Os debates quando estes intervêm são ocasiões únicas, irrepetíveis, mesmo que se juntem os mesmos intervenientes num outro debate subsequente. Com outros são uma sensaboria.
Debates entre segundas figuras pouco acrescentam. Quando os debates se tornam repetitivos, quando se perde a noção do que está em causa e daquilo que não pode estar em causa, aborrecemo-nos e provavelmente desligamo-nos. Afinal os assuntos são limitados e os que protagonizam esses debates são sempre as mesmas pessoas já profissionalizadas nessa função. E o que é pior é que normalmente as opções já estão cristalizadas antes que o debate comece e as que surgem já estão gastas por demais divulgadas na comunicação social.
Além de ser difícil obter um debate inovador, acresce que todo o debate está depressa desactualizado. Se é verdade que os nossos interesses, o nosso futuro, estão todos os dias em jogo, também é verdade que se torna fastidioso andar a malhar todos os dias no mesmo. Pelos visto o mesmo fastio não ataca os participantes, quais tagarelas que nunca enchem o saco, permanentemente prontos a repisar o que está por demais pisado.
Os participantes defendem sempre que há novas decisões merecedores de comentários, fazem sugestões para manter cheia a agenda mediática, recauchutam de novas as velhas recriminações, usam novos termos e novas expressões que algum criativo lhes tenha transmitido nos bastidores. Há sempre uma maneira nova de enroupar um velho discurso. Os profissionais do debate já não nos surpreendem e nesse sentido enfastiam-nos e podem causar-nos mesmo aversão.
A nossa reacção mais benévola é o desconforto. Afinal mesmo sem poder intervir envolvemo-nos emocionalmente, normalmente mais do que devíamos quando em tudo o resto estamos numa situação demasiado passiva. Já é mais grave se sentimos repugnância pelo uso da insídia, da hipocrisia, do descaramento. Já abominamos os sentenciadores, aqueles que estão prenhes de juízos morais e afinal destilam ódio por todos os poros. Muitos não se coíbem de fazer ataques soezes aos interlocutores, muito menos poupam os correligionários destes, em especial os que detém mais poder.
No geral até são mais perigosas as pessoas que navegam na área do poder, sem um lugar definido, simples aspirantes ao poder. Criticam-se os que detém o poder e deixa-se à sua sorte estes “salafrários”. Uns dizem falar por muita gente, mas não têm mandato expresso, outros são mandatados para falar por um partido, mas falam à sua maneira, fazem descer o nível dos debates. No geral quem tem poder efectivo é mais responsável.
No entanto muitos participantes dos debates conseguem ser atractivos para muita gente. Muitos ambicionam ser como eles, ter umas tiradas idênticas, ser capazes daquela verbosidade escorregadia que os caracteriza. Claro que a sua ambição maior seria o poder, mas, já que o não alcançam, dar-se-iam por satisfeitos se atingissem a mesma capacidade oral. A política, por tratar do domínio social mais abrangente, é o campo de eleição para aplicar os ódios de estimação. Para muitos conseguir emergir um pouco no meio e manifestar a sua animosidade é uma grande vitória.
Nós sabemos que o nosso destino se determina noutros fóruns, noutros gabinetes e não em palcos com actores de segunda. Por isso ao ouvir estes, e ao perder algum tempo com eles, estamos tão só a tentar antever o futuro. Eles sempre estarão mais próximos dos tais locais onde o mais importante se decide. O problema são aqueles que, em vez de contribuírem para excomungar profecias malévolas, para desanuviar o ambiente de pessimismo, fazem tudo para enegrecer a nossa vida. Começa-se sempre por pintar tudo de negro para que pareça que esses debates servem para colocar alguma luz.
Nos debates as surpresas são poucas. Novidades daquelas que nos fazem reforçar ou inflectir nos nossos argumentos rareiam. Fazer depender a qualidade da democracia da existência de debates parece uma falácia. Já a ordem social beneficiará bastante com eles. Os participantes nos debates descarregam energias, sublimam outros instintos mais agressivos e nos espectadores o efeito pode ser o mesmo. Claro que o resultado mais imediato não deixa de ser um mau espectáculo, uma lástima para quem pretenderia chegar a um conhecimento mais profundo.
Os debates podem acrescentar razões para justificar atitudes já tomadas anteriormente por razões mais sérias e fundamentadas. Em poucos casos trarão aquilo que falta para se decidir por um dos lados em confronto. O vencedor do espectáculo não arrastará atrás de si multidões subitamente convencidas. O derrotado não fará diminuir o empenho de quem os apoia. Porém como as eleições são muitas vezes decididas por pequenas diferenças, a vitória pode depender daqueles elementos das margens que deixam tudo para a última hora por sentirem o peso de uma decisão difícil.
Este é um grande paradoxo da democracia. Além de o apoio decisivo ser circunstancial, ele não é perdurável para que se cumpra uma legislatura sem grande contestação. Porém este facto também dá a nós mesmos uma enorme importância derivada da nossa obrigação de marcar a nossa posição, seja ela ganhadora ou não. Se, além de eventualmente não votarmos, ainda tivermos a consciência que são os votos mais voláteis que decidem, mais nos sentimos na obrigação de participar na definição da nossa vontade colectiva. Os debates são importantes, mas mais a sua lógica consequência, o voto.

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