O futuro é uma aspiração a que todos nos julgamos e bem com direito. Porém que futuro? Entre o futuro que ambicionamos e aquele que viremos a viver vai decerto haver uma grande diferença. Como é raro sermos surpreendidos para melhor o mais normal será virmos a ter um futuro pior do que o que antevemos. Como não ganhamos nada em sermos surpreendidos, seja viver na ilusão dum futuro melhor ou viver numa amargura que se não justifica, o melhor é vermos a evolução mais provável mediante aquilo de que dispomos e que melhor conhecemos, a nossa mente.
Mediante aquilo que temos tido e o que não tivemos, vamos construindo um futuro de desejos com pouca lógica interna. Não é saudável abandonar muitas das nossas aspirações e às vezes fazemo-lo por economia de recursos. Por outro lado esquecemos mais depressa aquilo que tivemos do que aquilo que não tivemos e na altura desejávamos ter tido. Recuperar as aspirações que tiveram sucesso pode ser bom para avaliar as aspirações de hoje. Aspirações há que são mesmo de abandonar, mas é bom que compreendamos as razões de as ter tido.
Porque muitos de nós fomos comunistas ou, pelo menos, complacentes com eles? Não foi pela falta de informação que Salazar impôs, pela sua propaganda sem qualquer crédito intelectual. Sabíamos da perseguição aos escritores e intelectuais de Leste, da invasão da Hungria e Checoslováquia, da forma como os comunistas haviam ocupado o poder no Leste da Europa, e no entanto relativizávamos tudo, atribuíamos os erros cometidos ao facto de o comunismo ter despontado num país pobre e rural como a Rússia que era Imperial, mas atrasada no seu imenso território. O comunismo foi pensado para um país evoluído.
Portugal era também um país atrasado, constituía uma máquina pesada, apática, difícil de deslocar para novos voos. Porém nos anos cinquenta o país estava exausto e Salazar prestes a cair. Só que paradoxalmente três factores haveriam de mudar o rumo dos acontecimentos. Primeiro a entrada na EFTA permitiu uma abertura ao comércio e a possibilidade de instalação de novas indústrias para aproveitar a mão-de-obra barata. Depois as guerras coloniais permitiram um reagrupamento, uma unidade à volta de um objectivo, porque então quase ninguém aceitava a perca das colónias e poucos políticos eram favoráveis à independência colonial. Em terceiro a emigração para a Europa Central foi o factor que descomprimiu a tensão social, permitiu mascarar a miséria dos campos, possibilitou a entrada de divisas preciosas para a manutenção do regime.
Criou-se na década de sessenta um clima de condescendência com o carácter musculado do salazarismo, tendo este por seu lado suavizado o controlo sobre a população. A perseguição tornou-se mais selectiva. Dado o considerável apoio implícito dado às teses de Salazar, devido à ocorrência daqueles três factores atrás descritos, as organizações que podiam pôr em causa as suas teses tinham dificuldade de implantação na população em geral. As vozes incómodas que surgiram do lado da Igreja Católica foram colocadas de quarentena de forma fácil. Os velhos republicanos já tinham perdido o folgo.
A adesão às teses de uma revolução democrática e nacional de Cunhal era ao tempo um desfecho plausível para quem queria fazer alguma coisa pela mudança de um estado de coisas moribundo, doentio, que, de qualquer modo e à força dos factores exteriores, daquilo que Salazar chamava de ventos da história, haveria de terminar mais dias menos dia, mas cuja espera nos desesperava. Já que assim haveria de ser, a maioria limitou-se a esperar mesmo que até lá tivesse que ir cumprindo os serviços mínimos que o salazarismo imponha. Os rebeldes eram poucos e na enxurrada em que se transforma a história deles não resta valor.
Com Marcelo houve uma continuidade pouco evolutiva. O tempo encarregou-se dos estragos e Marcelo não conseguiria obviar ao estado de saturação dos envolvidos nas guerras coloniais. Ele subestimou o papel da motivação pessoal na moral das tropas e não conseguiu travar a avalancha exterior que cada vez mais ia ameaçando precipitar-se sobre o país. Portugal já estava num beco sem saída há muito, mas na realidade parece que ninguém se preocupava muito com isso, somente ninguém queria bater com o nariz na parede do fundo.
Aqueles que tinham instituído o regime e tinham sido o seu sustentáculo durante uns cinquenta anos, o exército, sentiram a responsabilidade. Muitos levaram à letra os ensinamentos de Salazar, que atrás dele viria o comunismo, outros sobrestimaram a força deste e puseram-se ao seu serviço antes que fosse tarde. Outros ainda se reservaram até que fosse aplicada a decisão mais dolorosa que era a descolonização. Os 19 meses de PREC que ocorreram entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 foram o período de descoberta para muitos, de aventura para outros, de realinhamento de pensamento e acção para aqueles para quem as dúvidas eram maiores que as certezas.
Porque razão terão alguns abandonado o lado dos que no processo advogaram a aplicação do teoria comunista, cujo modelo já era conhecido? Em primeiro lugar porque a informação mudou, não só em quantidade, mas também de forma qualitativa. Havia agora a possibilidade de aferir da veracidade de toda a informação através de várias fontes. Depois, porque os comunistas começaram a aplicar métodos que se julgava abandonados e com uma ferocidade desconhecida. Os comunistas desrespeitaram os compromissos antes assumidos ao escolheram o lado errado da democracia. Houve quem gostasse, é certo, tenha esses tempos por gloriosos.
Muitas pessoas passaram incólumes por este período e só acordaram com a queda do muro de Berlim em 1989. Outros ainda não acordaram. Cada um vive os seus próprios problemas pessoais e não é justo especular sobre eles. O que espanta é que parece que nada se passou e deparamos com um esgrimir de ideias sem correspondência com a realidade. Toda a subjectividade é aproveitada pelos comunistas para emitir as suas mensagens, constituída afinal apenas por ideias desgarradas retiradas de uma visão desfocada da realidade e que se destinam a provocar no receptor uma colagem pela repetição insistente. Os amanhãs que cantam emudeceram, mas há quem sonhe com passadeiras vermelhas.
Mediante aquilo que temos tido e o que não tivemos, vamos construindo um futuro de desejos com pouca lógica interna. Não é saudável abandonar muitas das nossas aspirações e às vezes fazemo-lo por economia de recursos. Por outro lado esquecemos mais depressa aquilo que tivemos do que aquilo que não tivemos e na altura desejávamos ter tido. Recuperar as aspirações que tiveram sucesso pode ser bom para avaliar as aspirações de hoje. Aspirações há que são mesmo de abandonar, mas é bom que compreendamos as razões de as ter tido.
Porque muitos de nós fomos comunistas ou, pelo menos, complacentes com eles? Não foi pela falta de informação que Salazar impôs, pela sua propaganda sem qualquer crédito intelectual. Sabíamos da perseguição aos escritores e intelectuais de Leste, da invasão da Hungria e Checoslováquia, da forma como os comunistas haviam ocupado o poder no Leste da Europa, e no entanto relativizávamos tudo, atribuíamos os erros cometidos ao facto de o comunismo ter despontado num país pobre e rural como a Rússia que era Imperial, mas atrasada no seu imenso território. O comunismo foi pensado para um país evoluído.
Portugal era também um país atrasado, constituía uma máquina pesada, apática, difícil de deslocar para novos voos. Porém nos anos cinquenta o país estava exausto e Salazar prestes a cair. Só que paradoxalmente três factores haveriam de mudar o rumo dos acontecimentos. Primeiro a entrada na EFTA permitiu uma abertura ao comércio e a possibilidade de instalação de novas indústrias para aproveitar a mão-de-obra barata. Depois as guerras coloniais permitiram um reagrupamento, uma unidade à volta de um objectivo, porque então quase ninguém aceitava a perca das colónias e poucos políticos eram favoráveis à independência colonial. Em terceiro a emigração para a Europa Central foi o factor que descomprimiu a tensão social, permitiu mascarar a miséria dos campos, possibilitou a entrada de divisas preciosas para a manutenção do regime.
Criou-se na década de sessenta um clima de condescendência com o carácter musculado do salazarismo, tendo este por seu lado suavizado o controlo sobre a população. A perseguição tornou-se mais selectiva. Dado o considerável apoio implícito dado às teses de Salazar, devido à ocorrência daqueles três factores atrás descritos, as organizações que podiam pôr em causa as suas teses tinham dificuldade de implantação na população em geral. As vozes incómodas que surgiram do lado da Igreja Católica foram colocadas de quarentena de forma fácil. Os velhos republicanos já tinham perdido o folgo.
A adesão às teses de uma revolução democrática e nacional de Cunhal era ao tempo um desfecho plausível para quem queria fazer alguma coisa pela mudança de um estado de coisas moribundo, doentio, que, de qualquer modo e à força dos factores exteriores, daquilo que Salazar chamava de ventos da história, haveria de terminar mais dias menos dia, mas cuja espera nos desesperava. Já que assim haveria de ser, a maioria limitou-se a esperar mesmo que até lá tivesse que ir cumprindo os serviços mínimos que o salazarismo imponha. Os rebeldes eram poucos e na enxurrada em que se transforma a história deles não resta valor.
Com Marcelo houve uma continuidade pouco evolutiva. O tempo encarregou-se dos estragos e Marcelo não conseguiria obviar ao estado de saturação dos envolvidos nas guerras coloniais. Ele subestimou o papel da motivação pessoal na moral das tropas e não conseguiu travar a avalancha exterior que cada vez mais ia ameaçando precipitar-se sobre o país. Portugal já estava num beco sem saída há muito, mas na realidade parece que ninguém se preocupava muito com isso, somente ninguém queria bater com o nariz na parede do fundo.
Aqueles que tinham instituído o regime e tinham sido o seu sustentáculo durante uns cinquenta anos, o exército, sentiram a responsabilidade. Muitos levaram à letra os ensinamentos de Salazar, que atrás dele viria o comunismo, outros sobrestimaram a força deste e puseram-se ao seu serviço antes que fosse tarde. Outros ainda se reservaram até que fosse aplicada a decisão mais dolorosa que era a descolonização. Os 19 meses de PREC que ocorreram entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 foram o período de descoberta para muitos, de aventura para outros, de realinhamento de pensamento e acção para aqueles para quem as dúvidas eram maiores que as certezas.
Porque razão terão alguns abandonado o lado dos que no processo advogaram a aplicação do teoria comunista, cujo modelo já era conhecido? Em primeiro lugar porque a informação mudou, não só em quantidade, mas também de forma qualitativa. Havia agora a possibilidade de aferir da veracidade de toda a informação através de várias fontes. Depois, porque os comunistas começaram a aplicar métodos que se julgava abandonados e com uma ferocidade desconhecida. Os comunistas desrespeitaram os compromissos antes assumidos ao escolheram o lado errado da democracia. Houve quem gostasse, é certo, tenha esses tempos por gloriosos.
Muitas pessoas passaram incólumes por este período e só acordaram com a queda do muro de Berlim em 1989. Outros ainda não acordaram. Cada um vive os seus próprios problemas pessoais e não é justo especular sobre eles. O que espanta é que parece que nada se passou e deparamos com um esgrimir de ideias sem correspondência com a realidade. Toda a subjectividade é aproveitada pelos comunistas para emitir as suas mensagens, constituída afinal apenas por ideias desgarradas retiradas de uma visão desfocada da realidade e que se destinam a provocar no receptor uma colagem pela repetição insistente. Os amanhãs que cantam emudeceram, mas há quem sonhe com passadeiras vermelhas.
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