sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O Estado, as Leis, as Estruturas, as Pessoas

O Estado é uma entidade de tal forma variada e complexa que temos muitas vezes dificuldades em lidar com ela. Quando necessitamos de interagir com o Estado é normal que ele se nos torne pesado, quando somos nós os solicitados, e seja demasiado leve e impreciso, se dele necessitamos. Nem sempre é fácil sabermos qual a estrutura dentro do Estado a que nos havemos de dirigir. Dificilmente temos uma noção de tanto departamento e gabinete que nos permita a navegação sem orientação.
Se o assunto é complexo para nós, que muitas vezes fazemos de complexo o que é bem simples, somos levados a tentar saber quem é quem na máquina estatal para corresponder à nossa solicitação imediata. E como de velhos e maus tempos nos ficou a ideia de que o melhor é saber quem é a pessoa que mexe os cordelinhos da coisa, tentamo-lo, ou na sua impossibilidade ou inacessibilidade dirigimo-nos a alguém que pensamos ter ligações apropriadas ou relações que possam lá levar. Antigamente fazíamo-lo porque éramos néscios, hoje nem tanto. Um amigo, mesmo que falso e interesseiro, é a melhor âncora.
A velha sabedoria diz-nos que há sempre um melhor caminho, por mais enviesados que sejam os troços que nos obriguem a percorrer. Ou porque queremos pressa ou porque nos queremos subtrair à acção de algumas disposições legais ou porque estamos mesmo saturados da burocracia, há sempre uma razão que nos leva à escolha destes caminhos ínvios que fazem as delícias dos mediadores da nossa praça. Há porém quem use tais vias com má-fé e desde logo para que quem facilite ganhe com isso e quem é facilitado pague menos ao Estado do que aquilo que está estipulado que todos paguem.
Não há qualquer desculpa para fugir a este pagamento nomeadamente o facto do dinheiro posto à disposição do Estado ser por este muito mal gasto. E os políticos têm por obrigação expressa não fugir a um cêntimo com aquilo com que todos estamos obrigados a contribuir. Os políticos são pessoas iguais aos outros, até lhes podemos perdoar alguns destes crimes menores, no entanto é de lhes exigir que peçam o devido perdão por não terem resistido à tentação de fugir às suas obrigações legais. Afinal não os vejo a pedir esse perdão e crimes de alguns estão à vista.
Tendo há já largos anos estado num serviço de atendimento ao público, colocou-se-me muitas vezes o dilema se seriam ou não legítimos e justos certos esclarecimentos dados aos utentes e que podiam fazer a diferença entre o deferimento ou não de um processo. Seria minha função omitir qualquer informação que pudesse beneficiar o utente ou teria a obrigação de ceder todo o conhecimento de que dispunha? Os próprios dispositivos legais eram e continuam a ser por vezes suficientemente ambíguos para permitir interpretações contraditórias. Como podemos estabelecer a diferença entre a promoção de um caminho mais benéfico em relação a um mais usual e natural?
O dilema maior surgia quando a prestação ou a omissão de uma informação sobre uma situação específica relativa ao utente era colocada como uma questão de dever. Sendo servidores do Estado devíamos estar do lado deste e ser insensíveis a questões de justiça ou estar do lado do utente? Todos nós somos muito sensíveis a esta questão de justiça relativa, à diferença entre aqueles que não usufruem de certas facilidades porque são sinceros e humildes e aqueles que beneficiem de todos os apoios porque não são honestos, são arrogantes.
A maioria de nós concordará sem pestanejar em que os humildes devem ser ajudados. Mas aqueles que são favoráveis ao rigor asséptico e sem contemplações acabam normalmente por vencer e, por incrível que pareça, isso só favorece os desonestos. Deambulamos muitas vezes entre a permissividade e esta moral farisaica de não fechar os olhos a nada a não ser em privado. Torna-se muitas vezes muito difícil encontrar o meio-termo, aquele que o legislador pretenderia atingir ao fixar o mais grave como o legal para que o mais humano e compreensivo pudesse ter algum campo de acção.
Eu nunca teria dúvidas sobre o lado em que me haveria de pôr. Porque há imensa gente que não domina a burocracia e até desconhece certas prerrogativas que possui. Os defensores do Estado acéfalo dirão que se não deve ensinar qualquer particular a atingir certos benefícios que o Estado nos pode facultar. Para esses o servidor do Estado presta um mau serviço a este se estiver a elucidar os privados sobre a forma de atingir objectivos a que outros acedem por direito.
Sempre entendi, mesmo quando não havia orientações expressas nesse sentido, que tudo devia ser claro e todos os esclarecimentos deviam ser prestados mesmo quando não expressamente solicitados. Há aqueles que sabem de tudo mesmo antes que as questões sejam colocadas no papel. Mas também há aqueles que, mesmo sabendo de alguma coisa, não fazem as perguntas que se imponham. São estes que devem ser ajudados, no pressuposto de que quem não está habituado a viver à custa do Estado não perde por isso direitos a vir a usufruir algum dia de um qualquer tipo de ajuda ou apoio.
A nossa relação com o Estado é na prática a nossa relação com os seus agentes e servidores. Porém nem só estes são os responsáveis, nem só os actuais legisladores, nem só a herança do passado. Mas temos que presumir que quem dá a sua visão da Lei e dum direito consuetudinário, não reconhecido, mas aplicado, tem que ser capaz da melhor interpretação. A face do Estado são os seus agentes e servidores. São os juízes, são os fiscais, são imensa gente a quem é dado o direito, ou se arvora do direito de intervir na organização da vida em sociedade. A dúvida persiste sempre entre se o Estado está mal dotado de estruturas e leis ou se está mal servido de pessoas.

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