sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Nós, a sociedade e os grupos

“O Pertencer A” é um sentimento que nos faz falta, que nos afasta da solidão e nos dá algum ânimo nos momentos de maior desesperança. Fazem-nos falta muitos dos grupos que encontramos na sociedade. É verdade que muitos também seriam dispensáveis, ao passo que sentimos a necessidade de novos grupos de cuja criação nos sentimos incapazes. Os grupos fornecem-nos a sua consistência própria e devem ter uma grande plasticidade que nos permita a pertença a vários grupos. Mesmo que não possamos falar por um dado grupo de que reivindicamos pertencer, sentimos um certo aconchego por nos acompanhar esse sentimento de proximidade com alguém.
Nesta questão de grupos nem sempre a veracidade vence. Podemos viver de modo diferente, plenamente imbuídos do seu espírito ou com uma alheamento indisfarçável. Sentimo-nos por vezes desprezados, abandonados, porque a pertença a um grupo pode ser um conforto que nos alivia e anima. Sentimos um especial desconforto quando temos a sensação de que um grupo pertence a alguém. Situação mais grave é aquela que se pode viver ao sermos ou nos sentirmos excluídos de um grupo em que depositamos expectativas exageradas, seja ele da família, de amigos ou de outra natureza.
Investir demasiado num grupo pode ter efeitos perversos, principalmente quando sobrevalorizamos o nosso contributo para ele. Vale pois a pena ser realista, pensar nos aspectos em que o nosso contributo será menor e não compensado pelos contributos noutras áreas que possam ser maiores. Atribuir todos os problemas ao egoísmo alheio não compensa o nosso desencanto com muitos grupos a que não desdenhávamos pertencer. O nosso contributo pode ser mesmo irrelevante para o grupo e nós vangloriarmo-nos daquilo que não damos. “Pertencer a” é dar e receber. Não pode haver equívocos.
Um político quando se sente desligado ou ligado de modo deficiente a certos grupos sociais preponderantes remete normalmente para o povo, essa outra entidade grupal, aleatória, indefinida e inexpressiva a que todos pertencemos e a que ninguém, pelo menos nos momentos de aflição, desdenha pertencer. Os simples mortais como nós, quando se sentem demasiado “acossados pelos cães”, têm muita dificuldade em saber para que lado se há-de virar. Remetermos para o povo é um pretensiosismo que nos fica mal.
Tal ausência de grupos a que possamos ter o sentimento de pertença pode levar a uma situação dramática. Em um ou mais momentos do nosso passado, de modo diferente na juventude ou posteriormente, podemos ter sentido que os grupos que existem não fazem sentido para nós. Pode ocorrer uma ausência de viabilidade de relacionamento, assim como uma descrença em relação à proximidade em que nos sentimos dos grupos em relação aos quais seria pressuposto haver uma razoável aproximação. Por vezes parece que a sociedade nos impõe a pertença a determinados grupos e isso pode ser insuportável.
O suicídio é mesmo a solução encontrada por muitas pessoas que se vêm confrontadas perante estes aparentes becos sem saída. A impreparação e a falta de perseverança fazem com que muita gente venha a cair nos cadafalsos que lhes surgem no caminho. Para muitas pessoas este tipo de preocupações é irrelevante, em especial para aqueles que têm no “Ter” o centro do seu projecto de vida. Claro que se fizermos uma avaliação social este “Ter” leva nítida vantagem, não por estar numa situação de exclusividade, mas por ter uma preponderância que muitos, em situações menos favoráveis, pretendem escamotear para melhorar a imagem.
O “Ter” tem importância, à volta dele se discute o contributo de cada um para a sociedade, e reconheça-se que procurar o “Ter” licitamente é procurar nessa medida contribuir para o todo social. Por nos ocupar a maioria do tempo, por ter um carácter primordial em muito desse tempo, o “Ter” assume hoje a nível social um carácter absorvente, pois para ele remetem todas as questões sociais relevantes, a justiça, a educação, a saúde, etc. Além do papel abrangente do dinheiro, o destaque dado pelo “Ter” é intransponível.
Pelo “Ter” ter a importância que tem, por não poder ser ignorado, haverá pessoas que já o absolutizaram, ignoraram outros valores, sentem-se bem a partilhar a pertença a qualquer grupo formado na base da posse. É débil o cimento que agrega em si tais grupos. Não é na sua lógica que se deve deixar absorver todo o relacionamento social. Este deve existir muito para além do seu domínio. Infelizmente a maioria das pessoas, não se sentindo com cabedal para integrar a sua lógica, deixa-se enredar na lógica contrária de contestação permanente do “Ter”, o que não tem qualquer valor moral ou prático e em última instância remete para a mesma lógica do “Ter”.
Pertencer a grupos do “Não Ter” ainda é no entanto uma atitude que parece fornecer dividendos sociais. O espírito humano está cheio de contradições que só se deslindam, descobrem e se desfazem ao atingir um estado apropriado de maturação. O “Ter” é a solução mais lógica e imediata para o “Não Ter”, mas o caminho de cada um tem complexidade diferente. O nosso dilema é que os jovens têm ainda pouco tempo de pensamento das questões sociais e aceitam muitos estereótipos e os velhos estão presos a parâmetros que não lhes permitem ver para além do umbigo. Se deixarmos que os jovens esperem pelas suas próprias contradições, a humanidade não avança.
Pertencer a grupos sociais do “Ter” não é crime, desde que não o seja em exclusividade. Também não é obrigatória uma diversidade absoluta, cada um de nós tem uma idiossincrasia que nos faz ter “inclinações”. Tentar não ceder em demasia e dar o valor àqueles que cultivam valores diferentes é um exercício de cidadania saudável e eficaz. Pertencer a grupos cujo objectivo seja a partilha e não a exploração intensiva de um sentimento redutor, não se deixar reduzir à pertença de grupos do “Ter”, é o caminho que nos ilumina, mesmo que tais grupos sejam apenas virtuais por muitos anos.

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