Há dois anos atrás quase todos tínhamos a certeza de ter chegado à identificação da origem de todos os males. Seria a ganância, esse sentimento entranhado no nosso código genético que era capaz de nos levar a cometer loucuras, a passar desvergonhas, mas também a praticar muitos sacrifícios para que os nossos olhos se pudessem encher de brilho ao contemplar o resultado da nossa acção. Fosse dinheiro, ouro, acções, imóveis e móveis reluzentes em tudo os gananciosos podiam ver o seu bem que normalmente seria o mal dos outros, o fruto representativo de todo o mal que estará espalhado por esse mundo além.
Em dois anos o caminho percorrido tem sido outro. Os manipuladores do dinheiro estão desculpados, o mercado está divinizado, passou até a ser um elemento castigador tão necessário à nossa redenção. Cumpramos as regras do mercado e tudo estará bem. Já não vale a pena procurar saber quem está por trás da origem do mal, quem é o real soberano do mundo de hoje, quem pode ditar regras sem que lhe vejamos a sua cara, sem o responsabilizarmos pela sua fiabilidade, sem obter a garantia que tudo será melhor para quem as cumprir e que tudo será difícil para quem quiser fugir ao seu cumprimento.
Passados dois anos há uma culpa colectiva a expiar. O mal já está na gula colectiva e abstracta. Na realidade assim como o rico não é quem tem muito dinheiro, mas quem o gasta, assim quem causa prejuízo à comunidade não é quem ganha o dinheiro é quem o gasta sem o ter. Andamos anos e anos a comer aquilo que não era nosso. Recorremos ao fiado para satisfazer apetites que a televisão, os amigos e até os inimigos nos foram transmitindo. Não é que soframos do mal da inveja. Sofremos somente dos defeitos de sermos seres de imitação.
Ao fim de dois anos não só trocamos de culpados, como também é diferente a culpa pela qual estamos dispostos a julgar os outros. Há um mal geral de que ninguém quer assumir a responsabilidade, mas também que temos dificuldade em atribuir a alguém porque tínhamos de reconhecer que alguém nos quereria mal e ninguém se assume. Quanto ao bem já achávamos ultrapassados os castigos do Éden e podíamos partilhá-lo sem sermos castigados por isso. Faltará quem nos convença que por este facto temos um quinhão de culpa pessoal a assumir. Fomos cúmplices, dirão, ninguém pode andar tanto tempo distraído, mas não nos convencem.
Dois anos depois do começo da crise continuamos com dificuldade em identificá-la. Afinal existe uma só ou mais crises? Andam a enfiar-nos crises após crises, uma por cima das outras, sem hipótese de nos vermos livres de uma que não apareça logo outra para nos tolher o raciocínio. Até há quem diga que a crise é permanente, uns destrinçando que o sistema está em crise, outros dizendo que a crise é própria do sistema. Para uns a crise tem o tempo da sua vida, para outros o tempo que decorre até surgir uma nova. Já sabemos muito de crises, mas desta, da última, sabemos menos do que sabíamos então.
Dois anos são pouco para que possamos concluir que o sistema que tem hoje a hegemonia planetária, o capitalismo, tenha um salvo-conduto perpétuo. No entanto podemos reconhecer desde já que o capitalismo de Estado, vulgo comunismo, já viu os seus dias e assim já não pode ser responsabilizado pelas crises. As restantes formas de capitalismo tem uma resistência superior e mais versátil do que a que respeita ao capitalismo de Estado. No entanto teria o comunismo descoberto que pode ser mais seguro juntar à defesa dum sistema a defesa de uma memória familiar e que o comunismo monárquico possa ser uma solução? Veja-se a Coreia do Norte. Mas se esse mal subsiste a culpa não é nossa.
Em dois anos ter-se-ão acumulado experiências que até aqui só julgávamos poderem ser vividos numa eternidade. Em dois anos o não saber pôde respirar de alívio pelos falhanços sucessivos do saber aplicado. Falharam os astros do poder, os da oposição quase poder. Falharam políticos, financeiros e economistas. A estatística e a previsão foram fracassos seguidos. Muita ciência que se presumia existir, e que não estava sequer ao nosso alcance, foi sendo posta em causa no deslizar do tempo. Afinal o que não está em causa é a dignidade dos ignorantes.
Dois anos são pouco tempo e a sua importância não será relevado no futuro por quem vive agora a sua juventude. Mas proporcionaram uma experiência nova, surpreendente, inesperada para quem já julgava ter vivido tudo e julgava o tempo linear. Gerações futuras talvez se riam da leviandade com que vivemos este tempo, da ligeireza com que abordamos soluções que teimam em fugir à nossa frente. Para as gerações futuras o que se está vivendo talvez seja só o fogo crepuscular que fecha um tempo histórico que queimou demasiadas energias para pouco proveito efectivo.
Dois anos são pouco tempo para sepultar um saber e para construir um outro novo e que não permita tanta manipulação. Mas não podemos ficar satisfeitos com a vitória do não saber e deixarmos que se perca o fermento que se formou porque há sempre algo a aprender no meio de tanta asneira. Não podemos perder a ocasião de banir a hipocrisia que anda aí disfarçada de ingenuidade. Também não podemos permitir que nos continuem a enganar com uma ingenuidade que afinal apenas ambiciona ser hipócrita. Mas acima de tudo confirmou-se que não existem vacas sagradas.
Em dois anos o caminho percorrido tem sido outro. Os manipuladores do dinheiro estão desculpados, o mercado está divinizado, passou até a ser um elemento castigador tão necessário à nossa redenção. Cumpramos as regras do mercado e tudo estará bem. Já não vale a pena procurar saber quem está por trás da origem do mal, quem é o real soberano do mundo de hoje, quem pode ditar regras sem que lhe vejamos a sua cara, sem o responsabilizarmos pela sua fiabilidade, sem obter a garantia que tudo será melhor para quem as cumprir e que tudo será difícil para quem quiser fugir ao seu cumprimento.
Passados dois anos há uma culpa colectiva a expiar. O mal já está na gula colectiva e abstracta. Na realidade assim como o rico não é quem tem muito dinheiro, mas quem o gasta, assim quem causa prejuízo à comunidade não é quem ganha o dinheiro é quem o gasta sem o ter. Andamos anos e anos a comer aquilo que não era nosso. Recorremos ao fiado para satisfazer apetites que a televisão, os amigos e até os inimigos nos foram transmitindo. Não é que soframos do mal da inveja. Sofremos somente dos defeitos de sermos seres de imitação.
Ao fim de dois anos não só trocamos de culpados, como também é diferente a culpa pela qual estamos dispostos a julgar os outros. Há um mal geral de que ninguém quer assumir a responsabilidade, mas também que temos dificuldade em atribuir a alguém porque tínhamos de reconhecer que alguém nos quereria mal e ninguém se assume. Quanto ao bem já achávamos ultrapassados os castigos do Éden e podíamos partilhá-lo sem sermos castigados por isso. Faltará quem nos convença que por este facto temos um quinhão de culpa pessoal a assumir. Fomos cúmplices, dirão, ninguém pode andar tanto tempo distraído, mas não nos convencem.
Dois anos depois do começo da crise continuamos com dificuldade em identificá-la. Afinal existe uma só ou mais crises? Andam a enfiar-nos crises após crises, uma por cima das outras, sem hipótese de nos vermos livres de uma que não apareça logo outra para nos tolher o raciocínio. Até há quem diga que a crise é permanente, uns destrinçando que o sistema está em crise, outros dizendo que a crise é própria do sistema. Para uns a crise tem o tempo da sua vida, para outros o tempo que decorre até surgir uma nova. Já sabemos muito de crises, mas desta, da última, sabemos menos do que sabíamos então.
Dois anos são pouco para que possamos concluir que o sistema que tem hoje a hegemonia planetária, o capitalismo, tenha um salvo-conduto perpétuo. No entanto podemos reconhecer desde já que o capitalismo de Estado, vulgo comunismo, já viu os seus dias e assim já não pode ser responsabilizado pelas crises. As restantes formas de capitalismo tem uma resistência superior e mais versátil do que a que respeita ao capitalismo de Estado. No entanto teria o comunismo descoberto que pode ser mais seguro juntar à defesa dum sistema a defesa de uma memória familiar e que o comunismo monárquico possa ser uma solução? Veja-se a Coreia do Norte. Mas se esse mal subsiste a culpa não é nossa.
Em dois anos ter-se-ão acumulado experiências que até aqui só julgávamos poderem ser vividos numa eternidade. Em dois anos o não saber pôde respirar de alívio pelos falhanços sucessivos do saber aplicado. Falharam os astros do poder, os da oposição quase poder. Falharam políticos, financeiros e economistas. A estatística e a previsão foram fracassos seguidos. Muita ciência que se presumia existir, e que não estava sequer ao nosso alcance, foi sendo posta em causa no deslizar do tempo. Afinal o que não está em causa é a dignidade dos ignorantes.
Dois anos são pouco tempo e a sua importância não será relevado no futuro por quem vive agora a sua juventude. Mas proporcionaram uma experiência nova, surpreendente, inesperada para quem já julgava ter vivido tudo e julgava o tempo linear. Gerações futuras talvez se riam da leviandade com que vivemos este tempo, da ligeireza com que abordamos soluções que teimam em fugir à nossa frente. Para as gerações futuras o que se está vivendo talvez seja só o fogo crepuscular que fecha um tempo histórico que queimou demasiadas energias para pouco proveito efectivo.
Dois anos são pouco tempo para sepultar um saber e para construir um outro novo e que não permita tanta manipulação. Mas não podemos ficar satisfeitos com a vitória do não saber e deixarmos que se perca o fermento que se formou porque há sempre algo a aprender no meio de tanta asneira. Não podemos perder a ocasião de banir a hipocrisia que anda aí disfarçada de ingenuidade. Também não podemos permitir que nos continuem a enganar com uma ingenuidade que afinal apenas ambiciona ser hipócrita. Mas acima de tudo confirmou-se que não existem vacas sagradas.
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