sexta-feira, 4 de junho de 2010

Terá a Europa acordado? E irá a tempo?

Terá a Europa acordado? Terá o abalo financeiro e económico sido suficientemente forte para manter a Europa alerta o tempo suficiente para tomar as medidas que se impõe de modo a precaver o futuro? Algumas decisões já estão tomadas, mas para além de faltarem outras, falta ainda verificar em que medida aquelas decisões tomadas se tornaram irreversíveis e produziram efeitos para além da sua pura eficácia imediata. Falta saber em que medida a Europa tomará a iniciativa de avançar no caminho da sua própria construção.
Os políticos do “pós-guerra” aprenderam que a política pura e dura em condições de grande conflitualidade não é capaz de produzir efeitos duradouros e todos os avanços derivados do simples jogo político são modestos e temporários. As políticas nacionais exploradas no sentido imediatista, dissecadas até à exaustão dos velhos princípios nacionalistas mais arreigados, não servem como base para qualquer acordo entre nações. Abandonadas aos interesses egoístas, reforça-se o mosaico das soberanias, proliferam os conflitos, os enquistamentos.
Aqueles políticos chegaram à conclusão que a simples cooperação entre Estados, por mais boa vontade que presida à sua implementação, também sofre de uma inevitável erosão com o tempo. Sabiam que com o ressurgir da conflitualidade seria o fim de avanços na coesão ou na solidariedade. Salvou-nos o entendimento entre o francês Schuman e o alemão Adenauer. O acesso em igualdade pelas diferentes economias aos bens mais básicos para o seu funcionamento, a criação de um mercado comum para colocação em igualdade de condições dos seus produtos, foi a forma encontrada de fazer com que o olhar para o destino colectivo dos países europeus prevalecesse sobre o olhar para dentro, sobre a gula.
Caminhar pelo lado da integração económica seria mais seguro que pelo simples acordo político. Desde então a Europa percorreu um longo caminho com percalços e solavancos, com países a diferentes velocidades, com tentativas de impulsos positivos, com regressões desastrosas e humilhantes. A moeda única foi um desses avanços parcelares, que não mobilizou todos os países, mas que se pensou poder vir a arrastar os restantes, tal como sucedeu noutros processos, incluindo na gradual adesão à Comunidade. Porém logo de seguida a rejeição de uma Constituição Europeia constituiu um revés trágico para o avanço há tanto tempo almejado e antevisto pelos europeístas como Monet e Delors.
A crise financeira internacional e a crise económica que se lhe seguiu apanharam a Comunidade Europeia indefesa, sem instrumentos de resposta eficaz. Felizmente a força das circunstâncias levou a que se avançasse para soluções que os métodos de decisão não previam, que ultrapassam as competências delegadas pelos cidadãos nos seus dirigentes e pelos países na União Europeia. A economia suplantou a política, não permitiu que esta continuasse a mastigar soluções, titubeante, a pesar o valor dos pequenos gestos perante a grandeza dum futuro comum a defender e que impõe medidas profundas.
Os políticos aperceberam-se enfim que tinham que adoptar os “velhos” princípios desses primeiros construtores da Europa. Puseram enfim em prática esse conceito libertário de que a soberania não é um fim em si. Um país é tanto mais forte quanto mais contribuir para uma união da Europa, para a coesão, mas tem que ter meios para isso. Porém o euro, sendo a moeda de dezasseis países europeus, não deu origem a uma maior coordenação entre eles. Este sistema monetário não está estruturado e dimensionado para enfrentar momentos de crise, nem tem a flexibilidade de métodos suficiente para responder às flutuações que se geram na economia de cada país e o faz avançar sem sincronia com os outros.
As soluções adoptadas não passaram pelo crivo por que teriam inevitavelmente que passar se as decisões fossem adoptadas por um processo político normal. Tal só prova que a Europa terá que adoptar a sua estrutura constitucional à sua estrutura funcional, mas enquanto o não fizer não se pode deixar destruir. Um avanço institucional é uma necessidade de defesa, mas também será o cimento da construção futura. Porém os políticos enleados por velhos sentimentos nacionalistas só pressionados pelos acontecimentos conseguem avançar, abandonando as preocupações de forma para se debruçarem sobre os conteúdos. O interesse europeu impõe que só se aprimorem os processos decisórios depois de resolvidos os problemas de fundo.
Não se sabe o dia em que nos será permitido pesar o bem que temos nesta Europa que resolveu sair da letargia em função do mal que nos poderia vir a acontecer se ela não tivesse uma resposta à altura. Mas devemos estar seguros que é melhor ficarmos nessa ignorância e deixar que os políticos aproveitem estas ocasiões, em que a força das circunstâncias são favoráveis, para avançar no sentido da integração europeia, do federalismo. Se surgir em breve um período em que as dificuldades sejam esquecidas, o individualismo social prevalecerá na maneira de analisar, ponderar e decidir em termos de estruturas sociais e políticas.
Só em dificuldades abandonaremos as nossas ideias de nacionalismo estreito. Se agora podemos avançar sem pesar ganhos e percas porque os objectivos imediatos são convergentes, podemos estar certos que o antagonismo, a inveja, o revanchismo despontarão de novo. No entanto as situações graves também criam uma certa anestesia que levam o colectivo a calar perante a consumação de factos que podem em breve adquirir o estatuto de direito. Decerto que os políticos aproveitarão este facto no bom sentido porque o caminho é estreito e não prevê retrocesso. Se ou actuais políticos não tiverem a visão dos construtores da Europa estaremos tramados.

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