sexta-feira, 11 de junho de 2010

O dinheiro nunca é barato

Quando se vê os detentores do dinheiro atacar as próprias moedas isso é motivo de perplexidade para a maioria das pessoas. A primeira razão a que se atribui o motivo desse ataque é a especulação, a valorização dumas moedas contras as outras para conseguir ganhos na sua aquisição futura. Mas uma moeda tão forte como o Euro, tão central no sistema monetário mundial de hoje, será tão vulnerável ao ponto das suas cotações poderem ser manipuladas?
Uma manipulação só é viável se o movimento se tornar irresistível e condicionar os principais detentores do capital. Também só é exequível se houver uma moeda forte alternativa que sirva de refúgio e não esteja sujeita a tão grandes flutuações. Estas condições não se verificam nas actuais circunstâncias. Também no domínio financeiro ninguém age por motivos sentimentais, nem haveria qualquer razão para não gostar do Euro. Isto só pode querer dizer que a pretensão dos ditos especuladores não é manter a situação anterior ou destruir o Euro, mas antes é reforçar o seu dinheiro, estabilizar mais ainda esta moeda.
Aos detentores do capital interessa que haja solidez na emissão da moeda o que só os Estados podem dar. Quando a moeda é sólida, mas os Estados se endividam continuamente, estes tornam-se vítimas da própria rigidez da moeda. Os detentores do dinheiro só podem optar por se manterem no sistema sabendo que ele se encaminha para uma situação incómoda ou tentam movimentar-se o suficiente para acordar os governos da letargia que toma conta deles. A escassez de moeda pode levar os Estados a atitudes impróprias.
Perante Estados que pagam débitos com a contracção de novos débitos só há uma hipótese de lançar o alerta que é através da exigência de pagamento de juros usurários que não correspondam a qualquer produtividade do meio em que é utilizado o empréstimo concedido. Se um Estado entra em dificuldade de pagamento dos empréstimos já contraídos, é natural que os especuladores tentem beneficiar da situação, mas também é natural que aqueles que só querem defender o valor do seu dinheiro, e que são a maioria, participem desse alerta.
. Há aqui um círculo vicioso em que se ligam os Estados e o capital que cria uma interdependência em que o mais forte não é sempre o que parece ser. Afinal o Estado só se limita a disponibilizar os meios de pagamento, mas, a partir da altura que transfere a sua posse para os privados, passa a ser apenas o garante do valor do dinheiro. Como o Estado está interessado no seu próprio bom comportamento, procura providenciar para que a inflação seja reduzida ao mínimo e para que o dinheiro mantenha o seu valor fiduciário. A moeda tem que ser a adequada para o nível de desenvolvimento da economia que lhe serve de base.
Quando o Estado não consegue colectar os impostos necessários para assegurar o seu funcionamento tem que recorrer aos empréstimos, como qualquer outra organização. Como esses empréstimos pagam juros é mais um encargo que os Estados têm que suportar. Outrora, quando os emprestadores eram judeus, ordens religiosas, corporações profissionais, o Estado recorria ao homicídio, ao desmembramento, ao confisco para pagar ou obter os meios de pagamento que lhe faltavam. Hoje o Estado é fraco, não pode ter essas veleidades, é impotente perante os detentores do dinheiro.
Hoje uma certa esquerda baseia as suas teorias numa perseguição tenaz aos detentores do dinheiro. Não haverá dúvidas que muitas suspeições se poderão levantar sobre a maneira como se processou a acumulação de tanta fortuna em tão poucas mãos. No entanto este é um domínio de especulação politica infrutífera e nociva à sanidade social. Mexer no passado é complicado e tem efeitos perversos. O desejo supremo de muitos era verem os seus amigos envolvidos nesse ambiente de suspeita permanente. A mesquinhez está logo aí na primeira curva da estrada.
Aquilo que é justo que as pessoas exijam é a utilização social do dinheiro. Como bem social que os Estados colocam ao dispor de cidadãos e organizações para poderem exercer a sua actividade económica tem que ser usado em benefício do progresso da sociedade. Torna-se é difícil destrinçar entre comportamentos que visam defender e aqueles que visam pôr em causa o valor duma moeda. No entanto é entendido que um primeiro princípio reside em que deve ser facilitado ao máximo o acesso ao dinheiro por parte de quem dele necessita e o pretende repor.
A direita, na sua política de defesa dos detentores do dinheiro, pretende sempre diminuir a pressão sobre estes, fazendo passar a ideia de que o dinheiro é barato. Porém esta ilusão paga-se cara. A mobilidade do dinheiro tem limites e a sua eficácia depende mais da oportunidade de um negócio do que da facilidade da sua aquisição. Já houve tempo em que havia muitas oportunidades e havia juros altos a pagar pelos empréstimos, mas que não eram impeditivos dum investimento. Hoje com juros baixos não surgem oportunidades, a iniciativa individual é mais difícil, o dinheiro barato só serve para consumir e este não tem retorno.
Se um privado ainda pode ter a ilusão de não pagar, o Estado não pode partir dessa pretensão. A única forma de se resolver a sua situação é colectar mais e mais aqueles que não se podem eximir ao pagamento de impostos. Como esta situação tem limites a alternativa é diminuir aos seus encargos, alterar a configuração dos serviços que presta, ter menos pessoas ao seu serviço, pagar menos, dar menos apoios sociais, comparticipar menos nas despesas com saúde, educação, lazer. A dificuldade de enveredar por este sentido reside em determinar o que é essencial e o que é menos fundamental e o que é supérfluo.
Estamos numa situação cada vez mais decisiva em que temos que optar pelo sistema social europeu ou por um liberalismo desenfreado e voraz assente na gestão privada e especulativa de muitos dos fundos que hoje são púbicos. Porém uns e outros, durante muitos anos todos andamos a desprezar certos fundamentos essenciais de um modelo financeiro são. A condição de respeitabilidade do dinheiro, da moeda, do sistema é agora decisiva para todos os que querem uma evolução não atrabiliária em direcção ao futuro.

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