sexta-feira, 17 de abril de 2009

O João Pereira, uma Figura Limiana ímpar

O João Pereira era uma figura ímpar em Ponte de Lima. O João da Havaneza, o João do Banco, por onde passava, o João de quem logo se falava era o João Pereira. Cedo o seu Pai, o Sr. Adélio, o Sr. Adélio da Assembleia, o Sr. Adélio do Cinema, o Sr. Adélio Tipógrafo deste Cardeal Saraiva, outra figura multifacetada e incontornável na vida social do seu tempo, o empregou na Havaneza, então a Pastelaria de referência em Ponte de Lima.
O João Pereira tornou-se conhecido de toda a gente limiana e não só, pela alegria contagiante que sempre demonstrava, passando a ser convidado de honra em casamentos e baptizados, matanças de porco e festas de anos, fosse em casa de Abades, fosse na dos Lavradores mais ou menos abastados. Animava quem com ela convivia, partilhando da sua natural exuberância e despreocupação.
Pelo conhecimento que tinha das gentes do concelho, o BPSM haveria de o vir buscar para prospector da sua agência de Viana do Castelo. Não havia comerciante ou pessoa de alguns ou poucos cobres que ele não conhecesse e a todos tratava com a mesma deferência, em pé de igualdade. Mais tarde ingressaria no Banco Borges & Irmão de Ponte de Lima, primeiro Banco além da CGD a se cá instalar, e que ele ajudou à grande projecção que viria a ter.
Era natural que não conhecesse as grandes regras do marketing, as manobras elaboradas de sedução para vender produtos financeiros, não era uma pessoa preparada propositadamente para esta ou aquela actividade comercial em particular, mas pela sua afabilidade depressa se adaptava a qualquer uma. No balcão da Pastelaria ou no do Banco a sua postura criava a confiança em todos que a ele se abeiravam.
João Pereira era amante da boa mesa, facto por alguns denegrido, mas que nele se integrava com naturalidade numa forma de viver, de estar, de conviver, enfim numa forma de cultura com cultores em todos os estratos sociais e que não deve ser isolado dos outros aspectos que podem ser utilizados para caracterizar uma pessoa. Sempre bem humorado, com uma jovialidade que a idade não deteriorou, sempre se manteve fiel às imensas amizades que foi estabelecendo ao longo da vida.
É o caso do meu Irmão António, seu grande amigo desde a infância, já anteriormente falecido e que com ele conviveu até ir para a tropa e se empregar em Lisboa e depois Abrantes. Mas sempre que cá vinha, eles reviviam os momentos passados e mantinham viva a sua velha amizade. Ambos do tempo em que muito se trabalhava, lembro-me que o meu irmão, para fazer render bem o domingo, ia à missa das sete e lá encontrava o João.
Finda a missa, iam matar o bicho ao Augusto, que a sua esposa Carminda, tia do João, já estava a fritar uns bolinhos de bacalhau para o efeito. Mas o João tinha de ir para o seu trabalho, coisa a que ele nunca virou a cara, assim como à festa, sempre que ela se justificava. Com uma bonomia quase inigualável, o seu trato impedia que mesmo a agressividade de muitos nele esbarrasse de modo desarmante e amenizador.
Sempre se manteve fiel ao ideário político que reconheceu em Sá Carneiro a quem atribuía a capacidade para interpretar o sentir nacional e gerir com harmonia e sem grandes sobressaltos uma sociedade em transição. Mas não era atreito a discutir política que saísse daquelas verdades que tinha aceite, nem a ser agressivo ou a pôr inoportunamente em causa as ideias alheias.
O João Pereira dava à política um espaço reduzido na sua vida e entregava-se ao convívio diversificado com uma sinceridade inquestionável. Quando se verifica que a vida se tornou cada vez mais um jogo de interesses, em que tudo se confunde e se compromete perante o vislumbre de uma qualquer carreira ou “ascensão” social o exemplo do João Pereira é de salientar.
O João Pereira era um livro aberto, sem subterfúgios, sem teorias rebuscadas para justificar o obvio. Assumia com naturalidade aquilo que é natural, não confundia a vida pessoal com qualquer outra vida que envolvesse interesses mesquinhos. O facto dos seus patrões terem sabido aproveitar o seu vigor e a sua vida pessoal para efeitos da sua vida profissional só são sinal do valor que ele tinha, sem necessidade de ter ido além da escolaridade obrigatória, como era normal no seu tempo.
No João Pereira tudo era claro, de tal modo que haverá detractores que salientam em tantos anos de vida um ou outro pequeno deslize ou excesso, que nunca molestaram ninguém e tinham a compreensão, a benevolência e a cumplicidade dos seus amigos.
Quem pense que um Grande Homem é um santo incolor e inexpressivo ou um nababo resplandecente e luzidio está decerto enganado. O João Pereira era um Grande Homem porque viveu a sua vida com um autenticidade difícil de igualar.

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