sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Portugal e a sua inserção na Comunidade Europeia

O Estado é a organização que mais influencia o nosso bem-estar e o nosso relacionamento. O Estado tanto nos permite que usufruamos dos nossos direitos como nos impõe limitações que não desejaríamos. O Estado pode ser a garantia do nosso direito a ter direitos como pode contribuir para que vejamos serem defraudados direitos que há muito tínhamos por certos e seguros.
Por isso convém, é vital, sabermos em que “Estados” estamos nós metidos. No momento presente pertencemos em simultâneo a dois: Portugal e a Comunidade Europeia. Portugal, velho estado europeu que entre alianças e traições, foi aproveitando as divergências alheias para subsistir. A Comunidade, nascida no pós guerra da necessidade de cimentar através da economia a solidariedade continental e pôr fim a velhas disputas por bens e espaço vital.
São dois Estados com organizações próprias e duas formas diferentes de fazer política. Em Portugal tudo se vê a nível de poder, da sua partilha e das suas manifestações exteriores. Na Comunidade, até pela dependência congénita dos aspectos económicos, é em função da economia que a política se desenvolve. Tudo o mais está condicionando à correcta resolução dos seus problemas.
Hoje a Comunidade tem alguns órgãos de soberania característicos de qualquer Estado. Os Estados unidos no mesmo entendimento sobre as questões que no passado foram causa de tantas guerras e desinteligências prescindiram de alguma soberania fazendo dos órgãos comunitários os seus fiéis depositários. A comunidade usou os modelos já testados e criou os seus.
A economia está no cerne dos problemas de qualquer governo e é a área de mais difícil gestão. A economia tudo condiciona, implica uma interferência noutros domínios que as pessoas envolvidas rejeitam. Há quem nunca tenha pensado em depender da economia, das mesquinhas finanças do Estado. Há quem nunca tenha pensado em submeter-se às leis de concorrência. Há quem nunca tenha pensado em lutar pela competitividade.
Aparentemente ainda é o Estado Português o soberano neste domínio da actividade social, precisamente o mais decisivo e mais discutido na comunicação social, na política, na intelectualidade. Na realidade a nossa integração na Comunidade e na Zona Euro criou-nos um colete-de-forças a que nós não estávamos habituados, obrigou-nos a sermos organizados e disciplinados. Obrigou-nos a mexer em domínios que até aqui pareciam de soberania reservada.
Efectivamente em muitos campos já só decidimos sobre a maneira como havemos de corresponder àquilo que é decidido pela Comunidade. E esta, sem ter agentes directos dotados de poderes de soberania, exerce já muitos poderes por interpostas organizações no território dos Estados Membros. O Estado Português, como os outros, limita-se a respeitar as suas orientações, e a cumpri-las, caso se aplique o princípio da subsidiariedade.
Muito do trabalho de estudo e muitas das tomadas de decisão são executadas por órgãos próprios da Comunidade. Os Estado membros fornecem os dados, os números e esta informação cedida constitui o poder maior. O seu tratamento é feito em termos dos interesses conjuntos da Comunidade e as conclusões são tiradas em termos de preservação desses interesses e da sua competitividade externa. Malgrado o seu esforço a Comunidade tem da sua coesão interna uma noção não consensual entre os europeus.
Se na economia é possível tirar conclusões mais ou menos consensuais já o mesmo se não pode dizer das soluções para os seus permanentes problemas. A Comunidade pode apresentar conclusões aceites como inevitáveis mas não se permite recorrer a soluções rígidas. Assim cada Estado Membro tem a capacidade de escolha entre os cambiantes de solução enquadráveis dentro de parâmetros previamente aceites como razoáveis.
Existe uma espécie de soberania em escada no domínio fulcral da economia e correlativos. A Comunidade já tem mesmo conseguido que políticas semelhantes, ou pelo menos convergentes, sejam adoptadas noutros domínios como a educação e as políticas sociais, mas sem instituir qualquer órgão responsável por um efectivo planeamento de recursos, de meios e das realizações. A Comunidade não assume poderes soberanos nestas questões mas a sua influência é evidente.
Há no entanto domínios que, sendo aqueles cuja resolução constituiria o culminar dum trabalho de mais de meio século rumo a atingir os objectivos de pacificação e harmonização do espaço europeu, mais resistem à intervenção comunitária. Assim a entrada no domínio da segurança, da defesa e da política externa é um passo demasiado perigoso para que alguém o aceite dar levianamente. Todos temos consciência da sua existência e da sua importância, mas eles tocam-nos de maneira substancialmente diferente.
Enquanto o centro de interesse colectivo é a economia há um fácil entendimento. Quando se caminha para os domínios tradicionais que definem a soberania do Estado, as coisas complicam-se. O federalismo ambicionado por muitos é ainda rejeitado pela maioria. Porém a política de pequenos passos já levou a que quase não haja domínios em que o poder central se não exerça.
Em Portugal subsiste muito a ideia que, dada a nossa habituação a copiar modelos estrangeiros, sempre será melhor que esses modelos se vão aplicando em simultâneo e sem atrasos em toda a Comunidade. Portugal é um país pequeno, sem dimensão, não preparado e inexperiente, sem o conhecimento de muitos dos fenómenos próprios de sociedades maiores e mais desenvolvidas, sem grandes hipóteses de reagir à progressiva integração de processos e mercados.