sexta-feira, 18 de setembro de 2009

As Feiras Novas e as noites mal dormidas

Explicar a força da atracção que as Feiras Novas sempre exerceram não é tarefa fácil. Outrora seria pela centralidade, pela existência de um espaço ideal para a Festa, por ocorrerem num tempo que sempre foi de festa, as colheitas. Mas a economia mudou, as pessoas mudaram, os seus gostos são outros, as suas profissões são muito mais variadas, a sua mobilidade é imensamente superior.
Há uns trinta anos para trás a dimensão das Feiras Novas era outra, menor, mas elas não eram vividas menos intensamente. As Feiras Novas instalavam-se, adoptavam o seu ritmo, percorriam um ciclo tradicional, mas sempre revigorado.
Hoje as Feiras Novas visitam-se, há movimentos de vai e vem que se desenrolam por períodos curtos, seja de dia, seja de noite, as pessoas não vivem o ciclo completo das festas, vem ver uma parte ou outra do programa. Quem vem de longe, em particular os mais jovens, mesmo que se instalam perto do recinto das festas acabam por viver as festas duma forma parcelar.
A expansão do espaço das Festas não alterou significativamente as suas características. O Largo, o Passeio, a Avenida, a Alameda e o Areal são ainda o núcleo do espaço festivo. Mas hoje nem sempre se passeia por todo o espaço, escolhe-se a zona em que se vivem as Festas, o programa a que se quer assistir, os amigos com quem se quer estar. Só se tal ainda for possível que as Festas são imprevisíveis e ocasião de novos conhecimentos.
Também se procura a música que mais se aprecia, a tradicional concertina no Largo e Alameda de S. João, as bandas musicais no Largo de Camões, a nova música pela Rampinha Acima. No restante espaço a música confunde-se com o ruído da feira, baralha-se. As pessoas jogam, divertem-se, compra-se e vende-se, marralha-se.
As Festas misturam-se com a Feira, esta outra força atractiva, indissociável das festas anuais. Também esta é uma característica rara e que constitui uma mais valia porque a feira dá vida, entusiasmo e movimento, não falando dos extraordinários valores monetários envolvidos. As Feiras Novas nasceram assim, como feiras anuais, com os festejos próprios de uma qualquer outra Festa.
Preservar esta característica é uma obrigação que se impõe. Só que a gestão do espaço terá que ser mais rigorosa para que a Feira não abafe a Festa. Também a pressão dos estabelecimentos ambulantes de comes e bebes se torna insuportável porque vai condicionar o espaço disponível para a tradicional feira. Limitar as Festas a uma cervejaria imensa e presente em todo o canto e esquina pode ser a sua asfixia.
As Feiras Novas sempre começaram com a chegada dos garranos vindos das serranias circundantes, onde os pastos são propícios à sua manutenção. Se hoje já não vêm em grandes manadas em que os poldros cavalgavam humildemente atrás das suas progenitores, mas vêm agora em camionetas devidamente apetrechadas para o efeito, o espectáculo é diferente, mas o interesse o mesmo.
A manutenção do garrano passa pela defesa do seu habitat e pela sua valorização comercial. Mas o garrano nunca foi, presumo, uma máquina de guerra, um cavalo vistoso para desfiles, um bom fornecedor de carne. O garrano tem que ser defendido com o amor de quem o não valorize por estes aspectos. E uma feira é sempre de uma grande importância na sua defesa e a feira anual de garranos nas Feiras Novas ainda é dos poucos espaços em que o seu comércio se pode fazer. Deve-se-lhe dar outra dignidade.
Depois a feira continua, a festa complementa a feira, como a feira complementa a festa. Afinal todos ficam satisfeitos, quer quem goste do dia, quer quem goste da noite. Mas seria pouco honesto dizermos que concordamos com a evolução que as festas vêm tomando e que se faça dos aspectos mais controversos o seu atractivo principal. Não será mais possível regressar à pureza original, mas decerto será possível limitar os estragos que novos comportamentos e novos aderentes sempre trazem.
Talvez o que pessoalmente mais me desgosta é a perca do encanto da noite. Tudo hoje é mais previsível e servido em doses super. Mas se a noite de hoje tem o esplendor que a noite de outrora não tinha, falta-lhe a originalidade, a espontaneidade dessas noites em que ainda sobrava areal com a sua areia limpa a brilhar à luz da Lua e a que o estourar dos foguetes e as suas artificiosas luzes emprestavam chispas que faziam repentinamente da noite dia e do “sono” de alguém mal dormido uma explosão de alegria para todos.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Fundação Manuel Pimenta, por um futuro mais solidário

Na presença de vários convidados e jornalistas tomaram posse na Casa da Arrifana em Moreira do Lima os orgãos sociais da Fundação Manuel Pimenta cujo lema é ”Por um futuro mais solidário”. Para demonstrar o papel social que cabe a este tipo de fundações usou da palavra Noé Gomes, Presidente do Conselho Fiscal.
Esta Fundação em particular pretende intervir nas áreas da saúde e educação de modo a promover projectos próprios ou a apoiar projectos alheios que se revelem merecedores de tal apoio.
O primeiro projecto a apoiar é desta natureza e far-se-á no âmbito da geminação da Cidade de Viana do Castelo com a Vila do Cacheu, primeira localidade onde os portugueses aportaram na Guiné e durante muitos anos o grande entreposto comercial dos nossos navegantes na costa ocidental de África. Trata-se da construção de uma maternidade anexa ao Centro de Saúde local.
No entanto o primeiro acto formal que envolve a Fundação foi a assinatura de um protocolo de colaboração com a Universidade Lusófona que, integrando a Universidade Lusófona da Guiné, pode colaborar nesta e noutras acções naquele País.
Esta preferência deve-se ao facto do Dr. Manuel Pimenta ter feito o seu serviço militar na Guiné e ter ficado sensibilizado com uma realidade que ele sabe não ter melhorado. Também o nosso conterrâneo Eng. Montenegro Fiúza, sendo o administrador daquela Universidade da Guiné, desempenhou um papel primordial na assinatura deste protocolo.
O Prof. Dr. Manuel Damásio, Reitor da Universidade Lusófona enalteceu esta acção da Fundação Manuel Pimenta e realçou a necessidade, a determinação, a certeza do êxito de todas as iniciativas que visem retirar do atraso parte significativa do mundo lusófono que ainda vive problemas dramáticos.
Conseguir dar dignidade a todos, elevar os índices culturais e científicos, dar projecção à lusofonia no mundo são também objectivos que norteiam a acção da Universidade Lusófona e para esta todas as colaborações são importantes e bem vindas.
Manuel Pimenta realçou que a sua iniciativa de criação da Fundação, tendo sido pessoal, teve o pleno apoio dos seus dois filhos que se irmanaram no mesmo espírito solidário. Vincou que a Fundação se não destina a obter reconhecimentos mas visa atingir os objectivos traçados dentro das suas possibilidades, tão só para cumprir a função social da empresa que dirige.

Falta-nos um autarca-modelo

Não se pode caminhar para uma autarquia às cegas, acreditando que se vai ter todo o poder do mundo porque os senhores que lá estão dão mostras disso. Como não há nada mais errado, como muitos desses poderes são fictícios, exercidos à margem da Lei, ou não são mais do que ameaças, convém saber dos verdadeiros poderes que as autarquias, e não as pessoas particularmente, devem exercer. Não falando do simples ascendente que tais pessoas adquirem, que não sendo ilegal, não nos deve condicionar.
Quando se luta pela direcção de uma autarquia local, além de que se deve saber para que se luta, e esse é um aspecto pessoal, é essencial que se saiba pelo que se luta. Por exemplo é bom que se saiba em que medida a autarquia é poder, se este é próprio ou delegado ou se há simplesmente uma representação. Também quando há poder delegado convém saber quem tem mais peso nessa delegação de poderes, se é quem está acima, outra autarquia, o governo ou é quem está abaixo, outras autarquias, a população.
No geral a população só escolhe representantes, que vão permanecer como tais ou que vão colher poderes provenientes doutras instâncias. Em qualquer caso os candidatos têm que enquadrar os seus objectivos dentro do conteúdo funcional do órgão para que se propõe. Funcionando nós no quadro duma república gestora de um Estado que se quer democrático, devemos saber que a soberania reside em ultima instancia no Povo e é por este delegada em orgãos nacionais.
No global é o Governo o depositário da parte mais significativa dos poderes soberanos e em particular do poder executivo, não prescinde deles, simplesmente os delega, lhes fixa claramente os limites quando os atribui às autarquias. Doutra maneira não poderia ser porque só assim assegura a unidade do Estado.
Há no entanto quem extravase das competências delegadas das autarquias e pretenda fazer vingar uma visão do poder em sentido inverso, partindo da base para o topo, elevando à categoria de poder soberano a sua capacidade de representação. Esta visão do poder em cascata em sentido ascendente é própria de quem está a lutar para fazer das autarquias um trampolim para outros voos, para alcançar poderes mais vastos ou simplesmente para reforçar o poder da sua força politica a nível geral.
Concomitantemente com esta pretensão de muitos autarcas há uma questão de estilo, há uma tendência pessoal para o exagero como também para a vaidade e cada vez menos para a modéstia. Muitos autarcas vão aproveitando a sua experiência para ir aplicando o seu estilo pessoal, para dar asas à sua imaginação, ao seu ego. Poucos autarcas irão aperfeiçoando o seu estilo de modo a fazê-lo corresponder a um perfil sóbrio e adequado à função.
A exuberância de muitos autarcas é utilizada para esconder muita da incompetência, da incapacidade para ponderar as decisões, da falta de sensatez para avaliar opções decisivas. Se os eleitores tivessem uma noção mais precisa do que se deve pedir a um autarca, se houvesse uma espécie de autarca-modelo que servisse para aferir as condições dos candidatos para exercer as suas funções, se estes candidatos tivessem um guia a seguir tudo seria mais fácil.
Infelizmente aqueles que foram apresentados por autarcas-modelo são dos piores exemplos que existem nas nossas autarquias. Mas isto devesse à maneira como eles foram referenciados, utilizando o seu mediatismo como factor principal que os alcandorou a esse título. Desacreditados esses, ficamos órfãos, todos passaram a ser considerados no patamar dos corruptos ou daqueles que pouco falta para lá estarem. O autarca de hoje tem que provar não ser corrupto, o que é tarefa difícil face à atmosfera nebulosa que os rodeia.
No fundo todos estamos à espera de varrer os dinossauros que proliferam nas autarquias, o que só vai ocorrer daqui a quatro anos, para que se possa abrir uma nova fase na democracia autárquica. É que estes que lá estão, além de todos os defeitos que foram agregando a si, são hipersensíveis a qualquer referência que se faça, a qualquer dúvida que se levante, fazendo da dúvida uma suspeita e da suspeita uma condenação.
Tem que haver uma esperança, mas a simples renovação não garante que as coisas passem a funcionar dentro de parâmetros aceitáveis em que a honorabilidade das pessoas não esteja permanentemente em causa. A vaidade, a ganância, a sofreguidão também residem nos mais novos. Mas o aumento efectivo das nossas expectativas será uma forma de responsabilizar os autarcas e de estes sentirem que lhes é exigido uma outra postura e um mais rigoroso cumprimento das obrigações a que se impõe.
Por sua vez, também as alterações legislativas dificilmente serão de molde a garantir a detecção atempada, o castigo exemplar, o banimento da actividade autárquica de quem se não mostrar digno da confiança dos eleitores. Perante o descrédito da aplicação da justiça temos de confiar preferencialmente na pressão social, no aumento do peso da sociedade, numa cultura de informação e de preparação atempada de alternativas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Porque são diferentes as eleições autárquicas?

A maioria de nós não está vinculado a qualquer partido político mas poucos lhes serão manifestamente indiferentes. Haverá também alguns equidistantes em relação a dois dos partidos mais significativos, mas não em relação a todos. Quase todos nós temos a tendência para em cada momento “cairmos” mais para o lado de um do que para o lado de outro ou dos outros. No fundo para estarmos mais à esquerda ou mais à direita.
Mesmo aqueles que estão vinculados ou têm uma ligação forte a um partido político o terão atraiçoado seja em eleição presidencial, legislativa, autárquica e desde há uns anos nas eleições europeias. Mas é nas autárquicas que se encontra o terreno de eleição para essas democráticas traições. As autárquicas contribuem muito para isso porque aqui o histórico pesa muito mais e até quem está no poder a nível nacional tem muitas vezes dificuldade em conseguir candidatos autárquicos a condizer. A qualidade deixa muito a desejar e convida à traição.
É uma verdade comummente aceite que as eleições autárquicas se perdem, não se ganham. Quer dizer que as eleições se resolvem por arrastamento, quem ganhou uma vez dificilmente não repete a proeza. Quando alguém sai dum partido e muda para outro para concorrer ao mesmo cargo arrasta atrás de si uma legião de seguidores e quase sempre consegue ser eleito. Quem se mantém não precisa de revelar grandes dotes. O que está vale sempre mais do que se propõe vir.
A procura de razão para estes factos leva a pensar que há ocasiões em que os eleitores não gostam de apostar no desconhecido que é sempre quem não tem experiência autárquica do mesmo tipo. O eleitor odeia a descontinuidade salvo se se sentir directamente atingido ou ofendido. Por isso a traição do nosso eleito é tolerada mesmo que nos obrigue a votar num partido diferente e é bem vista se nos permite votar ao mesmo tempo na mesma pessoa e no partido do nosso agrado. Já hoje ninguém se sente constrangido a não fazer trair.
Afinal os partidos não são parte credível nesta questão, as suas indicações são sempre colocadas sob suspeição. Embora todas estas razões possam estar na mente do eleitor, no momento de votar parece haver uma ou mais razões mais profundas para que isto aconteça desta maneira. Uma razão imediata é a cobertura mediática que é dada e o facto de que o ela ser positiva ou negativa é indiferente, ela acaba por proporcionar um saldo positivo a quem dela beneficia.
Outra razão mais longínqua será a manutenção de uma maneira própria de ver o poder local, já não de proximidade ou de afastamento, mas de indiferença próxima. Por mais cordata que seja a população sempre houve ocasiões em que enfrentamos e afrontamos o poder. Mas para nos levantarmos contra o poder local é preciso um motivo muito forte. Mesmo quando o poder local era exercido sob mandato do poder central não era aquele que sofria os efeitos da nossa oposição.
Quando o poder local passou a ser eleito houve de tudo um pouco nas escolhas que os partidos fizeram e que o eleitorado sufragou. Fora alguns equívocos resolvidos nas eleições seguintes, as mudanças verificaram-se depois disso mais por desistência do que por derrota. E esta só ocorreu por evidente falta de jeito demonstrado num mandato infeliz. O crivo para ver a competência autárquica é mais grosso, não é comparável ao usado para a escolha do governo. Há mesmo muita leviandade no eleitorado autárquico.
A entrada em cena de algumas figuras mediáticas viria alterar um pouco a forma de eleição nos grandes centros urbanos onde também o voto político mais se faz sentir. Nos outros locais é o mediatismo que tem reforçado o poder dos que já estão no terreno. Entre pequenas realizações e grandes obras tudo é aproveitado para ter algum tempo de exposição pública que extravase o território. A fama sentida pelos de fora vale mais do que a sentida pelos da casa. Um autarca “querido” do País nunca é traído pela sua população.
Se o eleitorado vê com alguma leviandade a escolha dos autarcas já os interessados não brincam. A luta mais eficaz é subterrânea. Interessa obter apoio seja qual for o método, aliciamento, coacção, sedução. O cerco vai-se apertando sobre Juntas, associações e particulares. Qualquer pretexto é utilizado, agravando-se o método à medida da relutância, com coação moral e económica, com discriminações positivas e negativas, usando os poderes autárquicos de modo arbitrário e pessoal.
Aqueles que se deixam coagir a qualquer título porque disso tiram benefício pessoal ou relacional, económico ou outro, arrastam atrás de si muitos que apostam em manter a mesma cobertura e não vêm razão para mudar. Oferece-se protecção utilizando hierarquias sociais já estabelecidas, lideranças formais e informais e aceita-se protecção que não altere substancialmente o relacionamento normal com o meio social. Os eleitores não se querem chatear muito.
As hierarquias estabelecidas não aceitam com naturalidade lideranças informais. No entanto não tardam a tentar integrá-las sob o seu abrigo protector. A rejeição absoluta quase não existe, existe sim uma tentativa permanente de corrosão e corrupção moral que desvaloriza a ideologia e arrebanha os incautos. No poder local a ideologia funciona pouco e à medida que os mandatos se prolongam cada vez menos influência têm. Porque temos uma relação diferente com ele não vemos no autarca o político nacional do mesmo partido que odiamos, mas no geral ele é mesmo igual, às vezes pior, depende da sua heterodoxia.
Nas escolhas autárquicas os sentimentos ditos pessoais, sem serem provenientes de qualquer aprofundamento de relações realmente pessoais, contam imenso. Quem está no poder, desde que aberto a esse tipo de relações de falsa proximidade, tem uma evidente vantagem. A maioria das pessoas, se diz preferir uma pessoa dura, não dialogante, daquelas de pôr tudo na “ordem”, só aceita essa dureza para os outros, de resto vota preferencialmente em quem for mais permissivo, quem prometa defendê-lo directamente ou por entreposta pessoa.