sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A luta do amor contra a indiferença e o ódio

Numa visão optimista do mundo podemos partir do princípio de que todos aceitamos que cada um de nós seja uma força difusora de amor pelo mundo no pressuposto de que o amor é o sentimento mais belo e que na sua plena vivência corresponderá ao estado de perfeição da humanidade. Quem faz apelos nesse sentido decerto que também o “sente” e que o faz com sinceridade. Mas não estamos livres de muitos, na ocasião em que o fazem, o estarem a fazer com cinismo. E não haverá pessoas avessas ao amor?
Não falta quem pense ser livre de fazer o que quer, desde ser indiferente a espalhar o ódio. Melhor será então ser pessimista quanto à nossa natureza. Pelo menos devemos estar precavidos contra os comportamentos dúbios das pessoas sem que nos deixemos arrastar pela suspeita permanente. No entanto, se todos reconhecemos que estamos muito longe de ser exemplo de virtude, achamos poder contribuir para que quem puder viva mais o amor.
Uma manifestação de amor é também conseguir compreender os outros e desculpabilizá-los se for caso disso. Em primeiro não podemos duvidar da sinceridade de quem faz apelos ao, pese embora não deixem na sua vida prática de contribuir para a incompreensão, para litígios pessoais e colectivos, para que se difundam sentimentos como o ódio. Digamos que, nos intervalos dos momentos em que os corações se abrem, sobra muito tempo para a destilação do fel. A contradição da vida é que nem sempre a vontade chega para seguirmos um caminho mais perfeito. Todos nos podemos interrogar onde, se não é em nós, residirá a fonte de tanto mal.
Algum defeito original ou o resultado da acumulação de sucessos negativos no passado? Se potencialmente possuímos tanto amor porque fazemos tão pouso uso dele? Porque nos esquecemos e nos deixamos levar num enredo do quem não conhecemos o início e o fim? Porque tão poucas coisas dão certas e as que dão tudo fazemos para não acreditar nelas? Porquê a nossa dualidade? Questões que são quase todas suficientemente óbvias para obter respostas triviais.
Nós acumulamos ressentimentos, quando não ódios e é isso que nos torna indisponíveis para um amor constante. Como é natural preocupamos mais com aquilo que rejeitamos do que com o que nos agrada. Damos mais importância aos inimigos que aos amigos. Temo-los em conta para os vencer e não para os melhorar. Pouco nos preocupamos em apaziguar o ódio que campeia. É muito mais fácil pôr o nosso ódio em cima do alheio.
O amor que podemos estar prontos a dar será em estado puro? Encontrá-lo assim será improvável. É na vida que aprendemos o amor nos seus fundamentos mas depressa o relativizamos. No enredo em que a nossa vida particular se torna o amor pode ter muitas facetas, ter dado origem a muitos outros sentimentos, apresentar-se adulterado e já irreconhecível. Se identificarmos amor com inocência é sempre em estado imperfeito que dele tomamos conhecimento.
Normalmente as pessoas só reconhecem o amor pessoal quando encontram afinidades em alguém, com um ser igualmente imperfeito. Não podemos partir desse amor para definirmos o amor universal. Este não é, não pode ser, nem será jamais o somatório dos amores individuais. A possibilidade de cada um de nós partilhar um pouco desse amor universal é uma convicção essencial para nós. Mas que passa pela partilha, pela exposição à vida e não pelo fecho numa redoma de auto-suficiência e auto-convencimento.
A partilha exige pelo menos duas partes que tenham em comum sinceridade, respeito, lealdade, todos aqueles valores que são capazes de colocarem numa relação uma empatia que afaste o abuso, o equívoco, a chantagem emocional ou qualquer outra. O amor só existirá se não quisermos ser desconhecidos nem impormos uma imagem preferencial e se o desconhecido se não queira acobertar sob um das várias imagens que normalmente utiliza para se defender dos outros desconhecidos.
Por mais boa vontade implícita nas nossas declarações de sinceridade temos por hábito compor várias imagens para utilizar em situações específicas. Uma pode ter pormenores que estraguem outra. Cada uma pode comportar diferentes doses de indiferença ao amor ou de ódio. O amor só furará a muralha da indiferença e atenuará o ódio se soubermos a maneira como este se formou e se desenvolveu e se soubermos como se chegou a tanta insensibilidade.
Aquele que manifestam muito amor mais disso se convencem e mais convencidos ficam de que há imensa gente pronta a ouvi-los. No entanto de nada serve se as pessoas ouvirem mas não estiverem sintonizadas. Há formas de abordagem perfeitamente incompatíveis. Às diferentes experiências acresce o facto das relações de poder perturbarem toda a percepção.
Todas as relações sociais nos impõem, com maior ou menor agrado nosso, limitações que nos tornam frios e calculistas. Outrora à partida nós já estamos precavidos que as questões sociais eram colocadas num pé desnivelado e que isso tornava não iguais as emoções e sentimentos das diferentes partes envolvidas. Hoje, se no aspecto formal estamos ao mesmo nível dos outros, há uma muito maior incompatibilidade entre as pessoas. Não é fácil o caminho do amor.
Qualquer manifestação de amor só é eficaz se obtiver reconhecimento. Este sempre esteve ligado ao cumprimento de certas regras sociais. Na literatura o reconhecimento era obtido pela posição inversa de não cumprimento de um número determinado de regras, pela transgressão à norma. Não sendo já hoje necessariamente assim, estamos no entanto prisioneiros das nossas emoções e sentimentos que se podem revelar oportunos ou inoportunos e surpreender-nos.Hoje impõem-se-nos respostas rápidas e até contundentes às emoções e sentimentos que vimos transparecer nos outros. Não temos tempo para analisar os seus propósitos mais imediatos e os mais íntimos, destrinçar os seus aspectos pessoais e colectivos. O amor, que tanta falta faz à humanidade, pode ser utilizado como método e não ser um fim em si. Esta situação é criadora de imensos equívocos e enganos.

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