Uma função primordial do Estado é a de soberania. Essa função teve o seu desenvolvimento durante o longo percurso da humanidade, mas esteve sempre presente em todas as sociedades organizadas. A cada passo dado no sentido da civilização correspondeu uma melhoria no seu desempenho.
Se anteriormente a soberania já existia como função específica, foi com o Estado Moderno que ganhou realce e autonomia. Criaram-se estruturas permanentes e delimitaram-se os seus poderes e zonas da sua intervenção. Deu-se um grande salto no sentido da sua dignificação.
É verdade que quando o homem se sente mais auto-suficiente vê esta função de soberania como um mal a que só contra vontade se sujeita. Com o advento da modernidade passou a haver uma consciência mais generalizada do carácter essencial dessa função para promover o progresso, o bem-estar, a segurança e muitos outros objectivos que o Estado legitimamente prossegue para atingir o bem comum. “Prescindimos” de muitos dos nossos direitos ditos naturais a favor de direitos colectivos devidamente constituídos.
Porém reconheçamos que os resultados são em parte contraditórios. Ditadura ou anarquia, usurpação de direitos ou desleixo, centralidade ou divergência, unidade ou fraccionismo, negociação ou destruição, quantos têm sido os nossos dilemas!?
Intercalando muito sofrimento, muita cobardia e grandes retrocessos com alguma satisfação, muita galhardia e avanços intermitentes, o progresso vai-se consolidando. O consenso que se vai obtendo, vai-se propagando, passa regiões e fronteiras. O Estado vai adquirindo uma configuração mais inteligente e eficaz, mais racional e universal.
Um dos princípios basilares em que assenta a configuração do Estado Moderno é a universalidade da sua soberania. As leis que a sustentam têm de abranger todo o seu universo. As descontinuidades na sua aplicação têm de ser excepcionais e estar expressamente previstas na lei. Os agentes do Estado têm de fazer respeitar as suas leis em todos os recantos do território estadual.
Mas o verdadeiro poder soberano pertence ao Estado unitário. Se este tem legitimidade para impor como objectivo uma uniformização “antinatural”, simultaneamente tem a obrigação de a fazer corresponder ao padrão de desenvolvimento médio da sociedade.
Órgãos e agentes de soberania
O Estado Português dispõe de vários órgãos que actuam de modo esporádico ou permanente, e que exercem funções que cabem no conceito de soberania. Todos têm uma estrutura centralizada, em pirâmide encimada por uma entidade unipessoal, directamente responsável perante outro órgão hierarquicamente superior.
Os agentes do Estado podem ou não estar distribuídos por todo o território, podem ou não ter carácter de permanência em local fixo, mas estão integrados numa estrutura rígida e permanente e no exercício das suas funções estão investidos daquele poder de soberania.
Em Portugal chegaram a existir quatro fortes estruturas que enquadravam a maioria daqueles agentes estaduais. A P.S.P., a G.N.R., a P.V.T. e a G.F. exerciam funções de soberania com carácter permanente e abrangendo todo o território.
A P.V.T. foi a primeira de entre aquelas estruturas a ser extinta já no antigo regime. Os seus agentes foram maioritariamente integrados na G.N.R.. A G.F. teve mais recentemente o mesmo destino.
A G.N.R. incorpora hoje forças que têm funções distintas entre si mas complementares. Essas forças visam assegurar o cumprimento de múltiplas leis essenciais ao funcionamento do Estado. Só algumas dessas funções são executadas pela P.S.P. nas áreas urbanas em que esta força existe.
Há uma clara distinção entre estes corpos (G.N.R. e P.S.P.) mas já não tanto entre algumas das forças que os incorporam, se vistas do ponto de vista individualizado. Todas as forças integradas na P.S.P. têm a sua correspondente integrada na G.N.R..
Se, infelizmente, a actuação de qualquer destas duas forças correspondentes nem sempre é feita a contento de todos, está hoje provado que onde há G.N.R. a executar as funções que em locais semelhantes são desempenhadas pela P.S.P. se consegue igual nível de desempenho.
Porquê criar situações de descontinuidade territorial na área do município?
Porquê a duplicação da cadeia de comando?
Porquê ter duas forças que não são complementares, antes nos aspectos relevantes para este caso, são concorrentes? Se as pudéssemos pôr em concorrência no mesmo espaço talvez valesse a pena. Assim não.
Sem querer entrar em questões internas de disciplina e funcionamento, direi que, dada a especialização que hoje é necessário existir em várias áreas de actuação, se torna imperioso que num corpo de segurança existam várias forças com formação específica para o desempenho de funções determinadas.
É evidente que quanto maior for o corpo, maior o grau de especialização que se pode obter. A especialização pode ser melhor obtida com uma só corpo de polícia, com uma só cadeia de comando para onde convirjam todos os esforços parcelares. Mesmo que na P.S.P. existissem especializações próprias, elas seriam facilmente integradas na orgânica da G.N.R.
O que é necessário é a formação permanente e adequada dos agentes, o investimento em actualização dos meios técnicos ao seu dispor e uma cadeia de comando que consiga obter o melhor aproveitamento desses factores fundamentais para o cumprimento da sua função.
O que é necessário é investir na prevenção em detrimento da investigação. O reforço desta vertente exige a criação de forças cada vez mais especializadas e a uniformização de critérios de actuação, a centralização da informação, a racionalização dos meios. Esta vertente é o factor primordial na criação dum sentimento de segurança nas pessoas e de confiança nos agentes encarregues de a assegurar. Todos os esforços feitos neste sentido são benéficos.
A tentação do ridículo
Não vamos ao ridículo de dizer que uns agentes são melhores para os meios urbanos e outros para os meios rurais. As velhas etiquetas já estão ultrapassadas, tanto em relação aos agentes como em relação à população. Os agentes são igualmente capazes, a população igualmente merecedora.
A ruralidade mental por mais que os ruralistas a apregoem está hoje plenamente afastada. Todos temos de ser tratados da mesma maneira. Só por pretensiosismo alguém dirá que a ruralidade existe na cabeça das pessoas.
Antigamente era estipulado que uns andassem de bicicleta ou mota e outros de jipe ou carro. Os agentes até se diferenciavam pelo meio de locomoção. Hoje o que interessa é o fim em vista. Para cada fim utiliza-se o meio mais apropriado.
Mas a ruralidade continua a existir sim mas nas condições físicas em que se vive. E as zonas urbanas não crescem por decreto. Colocar em todas as estradas que convergem para Ponte de Lima, como vi algures, placas a delimitar a zona urbana não é uma solução inteligente. É uma esperteza saloia.
A urbanidade não nasce dos supermercados e centros comerciais proliferantes. Corresponde a um conceito muito mais amplo e exigente que quando se dirige ao aspecto humano comporta os agentes da G.N.R. e que quando se dirige aos aspectos físicos não comporta a nossa “circundança”.