sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Que professores haveríamos que ter?

O conflito que opõe actualmente pessoas e estruturas do sector do ensino básico e secundário ao Governo não se insere na típica luta de classes, não é o proletariado a querer tomar o poder, é a luta de um grupo de privilegiados a querer garantir um modo de vida excelente, até porque privado de responsabilidades.
No sector do ensino as condições de trabalho confundem-se com a própria natureza do trabalho em si. Assim os sindicatos arrogam-se o direito de interferir em todos os aspectos que têm a ver com a natureza do trabalho, conteúdos, avaliação, estruturação do tempo, etc., porque eles afectariam as suas condições de trabalho. Ora os sindicatos não se podem opor à evolução do ensino.
Com mais ou menos custo o Governo lá foi pondo em funcionamento horários completos, aulas de substituição, estruturação de carreiras, aumento da idade de reforma, aqueles aspectos que, pela sua evidência, por revelaram uma desigualdade iníqua, tiveram o apoio da opinião pública e a que os sindicatos se tiveram que vergar.
Poder-se-á perguntar porque é que os professores tiveram que ceder em direitos que tinham adquirido depois de desenvolveram lutas com esse fim. Mas também se poderá perguntar porque é que os sindicatos cederam tão facilmente. Com certeza porque então não tinham razão, porque houve Governos que aceitaram ser chantageados, porque houve fraca noção do interesse nacional. E hoje o Governo viu-se num beco sem saída, atentas as suas responsabilidades e vá de tirar regalias que injustamente outros tinham concedido.
Era necessário que o Governo realçasse as extravagantes condições de prestação de trabalho dos professores para puder vir a alterar a própria natureza do ensino, que é aquilo que verdadeiramente interessa, aquilo de que o País já está à espera há décadas. Para um ensino diferente, em que é a sua própria natureza o factor a alterar, a alteração das condições de trabalho é pura consequência.
Perto do fim do ano lectivo de 2007/2008 os sindicatos, perante a união perversa que tinham conseguido no universo dos professores, aceitaram uma trégua e no sentido de consolidar a sua influência e distenderem o clima tenso e adverso gerado na opinião pública, tentaram entretanto reforçar a ligação a outras eventuais lutas ou contestações.
O certo é que, se alguém pensou em apresentar reivindicações na praça pública, estruturadas e com suficiente apoio, nada apareceu de substancial. Estes novos tempos estão para os poderosos, para as grandes corporações de professores, médicos, juízes, etc. Só alguns poucos destes grupos têm poderio e estrutura para se apresentar no palco deste estranho assalto ao poder, não para o exercer, mas para dele se aproveitar.
Sem espanto algum apareceram agora, no início do ano lectivo de 2007/2008, sindicatos plenos de pujança a congregar debaixo da sua capa, não quem compartilhe das ideias dos seus dirigentes, mas que dos comunistas têm aquela visão utilitária de que é para isto que eles servem. Agarraram-se a esta questão da avaliação porque aparentemente é a mais inócua e fácil de passar na opinião pública. Afinal ninguém gosta de prestar contas do que faz.
Cada professor tem o seu pretexto, a sua causa de insatisfação e perante a facilidade com que até aqui tudo lhes era concedido é natural que os mais ingénuos alinhem. Mas alinham também aqueles que um dia se entregaram de alma e coração a uma ideologia de direita e integram esta luta na sua luta mais geral contra a esquerda.
Alinham ainda aqueles cuja retórica não vai além da do populacho, do bota abaixo mesquinho e invejoso. Um amigo meu, professor, dizia-me que as críticas aos seus colegas utilizavam no geral uma linguagem demasiado popular, cheia de lugares comuns. É incrível como eles, pela sua parte, usem o mais reles argumentário político para achincalhar os governantes.
A ganância levou o nosso professorado a vender a sua velha e honesta imagem por um banquete à custa do orçamento e um plano de férias à maneira. Uma professora já disse na televisão que detestava o ambiente de trabalho que imperava agora na escola. É degradante o espectáculo que nos é dado por uma classe social fulcral para o futuro.
Na verdade ela transmite do nosso passado o mais fidedigno dos testemunhos, que nós sempre fomos assim, com um verbo verrinoso sempre pronto a disparar em todas as direcções e sem uma retórica consistente, perdoe-nos Camões e mais uns tantos. Mas esta gente só aprendeu a dividir orações dos Lusíadas e nunca fez um esforço para ir mais além.
Sempre atribuímos à escola do passado um conjunto de erros, mas nunca nos resolvemos a pegar neles a fundo e ainda por cima os problemas aumentaram com a sua mudança para escola inclusiva, que aglutina alunos de todas as origens. Nenhum plano para resolver as questões acumuladas será consistente se não começar pela mudança orgânica e funcional da escola. É importante mas não chega dar de comer aos alunos, dar-lhes transporte e o Magalhães para navegar.
O Governo está a querer implementar condições de trabalho ainda talvez desnecessárias na escola de hoje mas essenciais na escola do futuro. Também é natural que os professores de hoje se não sintam elementos da escola do futuro. Com o nosso passado, que professores haveríamos que ter? Fracos decerto. É certo que homens brilhantes cresceram no meio de tanta vulgaridade. Mas com o nosso futuro podemos e devemos ter bons professores.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Uma injecção apropriada para diferenciar a molhada?

A escola pública é uma construção dos dois últimos séculos mas que em Portugal só na última metade do século XX com a escola primária abrangeu o território nacional e que só depois do 25 de Abril teve uma implantação abrangente a nível do secundário. Por isso a sua conotação ideológica e política.
A escola primária pensada para o “Ler, Escrever e Contar” foi em tempos “O Quanto Baste” para que nós nos sentíssemos integrados na civilização. Salazar, o Conde de Autora e outros assim pensaram, e só tarde Portugal acordou. Quanto as professores de então eles eram no geral, independentemente até de serem ou não do regime, de um autoritarismo atroz. No entanto agradecíamos.
As promessas de um bom ensino corresponderam à necessidade de acompanhar a evolução que nesse domínio tem tido os Países Europeus, de habilitar as pessoas com capacidades de se integrarem numa economia em permanente desenvolvimento, com o uso de novas tecnologias, e de alcançarem bons níveis de cultura cívica e integração social.
Porém tarda que Portugal alcance no ensino um patamar de razoabilidade. Todos ralhamos embora as nossas perspectivas sejam medianas e tenhamos encrostada no nosso espírito a velha ideia de que, chegado o momento decisivo, lá nos desenrascaremos e se for necessário pagamos, que haverá sempre quem esteja disposto a vender diplomas.
O facilitismo nacional teve um dos seus expoentes máximos no Guterrismo que pariu o célebre Despacho Regulamentar 11/98 que permitiu que os professores se acomodassem na infeliz avaliação com “Satisfaz”, bem característica da nossa mediocridade ancestral e que muitos se aprazem em manter.
Mas valha-nos que em Ponte de Lima há quem se não queira ficar por este Despacho, talvez porque ouviu dizer que na Madeira, mercê da benevolência do Inimitável João, todos receberão um eloquente “Bom”, atribuído administrativamente à revelia da nova legislação, mas aproveitando-lhe o título.
Então foi o Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de António Feijó dar à luz uma Carta Aberta à Ministra da Educação, aquele “Senhora” é hipocrisia, protocolo, termo imposto pela burocracia, a propor que aquele despacho do “Satisfaz”, em boa hora revogado, digo, fosse repescado e injectado com um factor de diferenciação, prevê-se, suficientemente inócuo para não produzir efeitos.
Grande contribuição intelectual, e principalmente cívica, para quem quer que a elaboração das fichas de avaliação, sem imposição de parâmetros, se faça na sua esfera de competência. Quando se quer abrir a escola à comunidade e que esta tenha uma palavra a dizer, tenha uma participação na avaliação, seja directa seja através dos órgãos eleitos, esta proposta é perfeitamente descabida.
A Escola viveu muitos anos fechada dentro de si, não respondendo a ninguém pelos seus custos e pelo rendimento obtido do seu trabalho. Fosse bom fosse péssimo, tudo era escondido detrás das suas paredes e quem mais sofreu com isso foram os filhos da população mais desfavorecida, a qual não é incentivada a melhorar a sua condição.
Os endinheirados socorrem-se das explicações generosamente pagas a professores que fogem da Escola como o Diabo da Cruz. Aqueles que se empenham em que os filhos tenham aproveitamento lá vão dando voltas ao orçamento para tornar possível a melhoria que fará a diferença. Porque não se saber que diferenças existem entre os professores?
Os alunos são expostos a todos os vexames sociais. A Escola funciona hoje como o maior factor de diferenciação negativa, de segregação social, de exclusão social. Frequentar a Escola é para muitos alunos um suplício, uma sujeição a uma descriminação que impunemente lhes é feita, um ferrete que lhes é aplicado para toda a vida. A Escola não pode ser uma fábrica de despojos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Quem anda a pôr em causa a imagem dos professores?

A ideia dos professores participarem em sucessivas manifestações contra a política de educação do Governo passa por tentar suprir por essa via, compensar pela afirmação, a má imagem que eles têm na opinião pública. Os mentores destas movimentações chamam ao de cima, como estando em causa, o orgulho e o brio profissionais.
Os sindicatos pretendem que essa má imagem foi criada pelo Governo, mas nunca poderia ser assim. O Governo tão só terá tomado a iniciativa de lançar algumas críticas e isso foi suficiente para trazer ao de cima todas as razões de queixa que a população vinha acumulando. Esta incapaz de particularizar, levada pelas achegas vindas da economia, da cultura, da educação, da comparação com a estranja, deu largas a uma imagem genericamente negativa.
Digamos que o Governo deu “autorização” para que se dessacralizasse uma classe profissional até aí intocável. As pessoas perderam o medo de tocar naquilo que parecia destinado a ser abordado só por espertos, porque colocado num patamar superior ao da discussão pública. Isso levou a que a velha e agradável imagem, que muitos talvez tenham merecido, esteja agora definitivamente perdida. Os professores perderam a polidez e subtileza que os caracterizava.
Num País Democrático não pode haver vacas sagradas, mas o certo é que os professores eram uma dessas vacas, um dos sustentáculos de um regime democrático débil que, à medida das suas reivindicações, apoiadas na promessa de uma melhoria do ensino, lhes iam aumentando os salários, as benesses, as excessivas regalias comparadas com as do “povo miúdo”. Muitos dirão hoje que, porque nunca lutaram pelos aumentos que tiveram, não têm responsabilidade nisso, agora é a luta pela dignidade que os move.
A força dos professores deriva de serem uma classe profissional que se não importa de que transpareça para o exterior uma homogeneidade que não existe no seu interior. Lá existe trigo e muito joio. E a sua força deriva também de ocupar a grande maioria de um dos maiores organismos do Estado. Os professores monopolizam todo o sector de ensino, desprezando todos os outros que para ele contribuem. Muitos professores até não estão cientes dessa sua força, limitam-se a obedecer.
Perante a necessidade imperiosa de mudanças no ensino, o Estado vê-se com uma pesada máquina nas mãos e que se serve de todos os pretextos para se não deixar mover, modificar, dinamizar, flexibilizar. O Estado tem contra si poderosas forças que se aproveitam deste movimento, que mais é caracterizado pela inércia, para se lhe encostarem, sangue sugarem, para beneficiarem das suas lutas para fins diversos do socialmente aceitável, para a anarquização do Estado, para a destruição das suas débeis estruturas.
Esta inclinação autofágica, para a aniquilação da memória colectiva, deriva de cada um a seu modo se sentir incapaz de responder pela sua contribuição para a colectividade. À generalidade dos professores bastar-lhes-á irem para casa com uma boa reforma, sem que tivesse vindo agora um governo apoquentar-lhes a consciência com um dever por cumprir. A maioria dos professores é intolerante perante o remexer da memória.
No meio deste colectivo de professores, que quanto mais maciço é, mais é revelador das suas debilidades, há decerto gente boa, gente honesta, que não deu mais porque as circunstâncias o não permitiam. Mas também há muito crápula, muita gente que se arrasta na dependura dos outros, mas querendo que estes se não sobressaiam demasiado, se não distanciem e os deixem sós perante a sua incapacidade e indolência.
A dignidade da função docente não pode estar na benevolência dos pares, no distanciamento doutros grupos, na reverência daqueles que se dizem subalternos, na dignidade colocada em razão inversa do trabalho. Ela passa por um desempenho que revela a eficácia dos professores através do sucesso dos alunos. A integração social, o derrube das barreiras mentais, o exemplo da aplicação ao trabalho, são aspectos importantes na aferição do valor do ensino.
Sempre vi a maioria dos professores empenhados em reproduzir os processos do passado, a cometerem sempre os memos erros. Por isso vemos meninos a dizer que querem ser professores, veja-se pessoas senhoras de um lugar, de um estatuto, encrostadas numa organização que se desenvolve alheada da sociedade.
Não se preparam pessoas para enfrentar a vida, o trabalho, a dureza, o imprevisto, o contingente, para serem solidárias, colaborantes, frontais no essencial, flexíveis no acessório, empenhadas em missões e serviços, leais sem serem subservientes. Os professores afirmar-se-ão através da qualidade daqueles em cuja preparação para a vida colaborem.
Este movimento de professores a que líderes partidários, sindicais e de opinião pretendem dar alguma substância em termos valorativos só tem servido para aglutinar hipocrisia, má educação, destempero moral, diarreia intelectual. Os professores dignos não se podem deixar levar por esta torrente de lama, não procuram reconhecimento social através destes caminhos em que impera a pior vulgaridade.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Cada vez há menos vagas para empresários

Constatamos que num longo período desde a Idade Média houve uma evolução linear na maneira de encararmos a nossa inserção na actividade económica. Com o progresso da liberdade em geral também houve progressos na possibilidade de escolha do nosso lugar na economia. Claro que houve em períodos curtos retrocessos à mistura, que há sempre umas almas retrógradas que pretendem puxar a história para trás.
Até à Idade Média sedimentou-se um sistema de corporações no qual aos filhos quase só restava seguir o mesmo caminho dos pais. Lentamente e por força da satisfação de novas necessidades principalmente nas cidades burguesas, por força do desenvolvimento do comércio e da indústria artesanal lá se foram diversificando os caminhos dos filhos, sem fugir muito do figurino dos pais.
O comércio a longa distância, a indústria manufactureira, o desenvolvimento no domínio da arte e dos saberes permitiu novos rumos, novas perspectivas, sem que ao grosso da população se deixasse de aplicar muitas limitações na mobilidade, no acesso profissional, na liberdade de escolha. Só com o liberalismo muitas das velhas amarras se estilhaçariam.
Portugal seguiu nos séculos dezoito e dezanove, nuns casos com avanço noutros com manifesto atraso, a evolução dos países europeus. Mas devido ao fraco desenvolvimento industrial muitos modos de vida ancestrais permaneceram, e até, uma vez terminada a servidão, surgiu um sistema tipicamente português assente na subserviência.
Com Salazar houve um retrocesso evidente, mas com o 25 de Abril todas as forças se libertaram. Enquanto uns pugnaram pelo colectivismo, não faltaram aqueles que ambicionavam dedicar-se a actividades independentes e que lutaram pelo fortalecimento da iniciativa individual. Mas também estes se não libertaram do pecado original da dependência do Estado.
A ideia de que o Estado deve dar o empurrão inicial, deve apoiar quem quer ser independente e ter iniciativa tem-se vindo a fortalecer proveniente de outros modelos mas que em Portugal adquiriu laivos de fanatismo. O problema é que a tendência da estruturação da economia não caminha neste sentido. O Estado não nos pode garantir o lugar que desejamos, até porque há mais.
Porque entusiasma qualquer um, difundiu-se a ideia de não sermos empregados de ninguém. Não aturar toda a vida patrões e encarregados, não se conformar o nosso comportamento a maneiras de ser invasivas, não condicionar demasiado o nosso tempo a interesses alheios parece ser vantajoso para nós. Haverá melhores perspectivas de gratificação e valorização humana e profissional, panoramas mais aliciantes e promissores?
Os exemplos de sucesso vão surgindo um pouco por todo o lado, uns mais espectaculares que outros, sendo que algum deles se enquadrará melhor no nosso caso particular. E não faltará, para dar fluidez à imaginação, a explanação de todos os processos ilícitos, marginais que podem ser usados, e será estúpido não aproveitar, para garantir o sucesso. As pessoas parecem aceitar levianamente que os empresários não tenham obrigações similares aos empregados
Hoje na escola, um pouco a destempo, procura-se incentivar a expansão de uma cultura de iniciativa. Só que falta o enquadramento numa cultura cívica que tenha a ver com limitações éticas, objectivos pessoais conjugados com objectivos sociais, respeito pelos direitos alheios e não comprometimento do futuro. Não chega uma Lei punitiva ou orientadora se prevalece uma cultura de desenrascanço.
E quando se passa da escola para a realidade, para a política, vemos os políticos da oposição a falar de empreendorismo, iniciativa e risco mas a exigir do Governo ajudas e mais ajudas e pelo contrário os políticos do Governo a defender que todas as iniciativas a apoiar têm que ter só por si uma garantia quase absoluta de sucesso até porque o dinheiro não chega para todos.
Provavelmente ninguém tem toda a razão e andamos nós a ser empurrados de um lado para outro de modo, a ficarmos tontos. A um jovem não lhe restará outra alternativa se não procurar emprego. Se teoricamente um mundo de possibilidades se encontra aberto, são cada vez menores as condições económicas, sociais, profissionais para que um jovem sem experiência vença sozinho. Um empresário falhado arrastará esse anátema toda a vida.
A actividade económica é cada vez mais complexa, mais exigente em conhecimentos, capital, organização e mercado. Competir com quem já está instalado exige uma grande dose de inovação, uma visão apurada das oportunidades, uma determinação consistente. Muitos obstáculos são de tal ordem que sem uma grande conjugação de esforços é inútil lutar. Mas precisamente a obtenção de aliados é uma das qualidades para os empreendedores.
De uma coisa nos temos que convencer sem que isso deva constituir para nós uma derrota. As proporções de empregados, de trabalhadores por conta de outrem, são no conjunto do trabalho cada vez maiores. Em muitos ramos só as grandes organizações vencem, há sempre uma dimensão adequada em função do domínio, do local e do momento, mas que está sempre em crescimento.
Se nos prepararmos bem para sermos bons empregados e podermos ser bons empreendedores teremos vantagens evidentes. Se nos convencermos que temos de ser empreendedores a qualquer custo e não encontrarmos lugar adequado na organização económica, sofreremos uma grande desilusão e viveremos sempre decepcionados. E as vagas são cada vez menores.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A cultura, o dinheiro e a sua função social

São os factores culturais que determinam a nossa atitude perante o dinheiro, como parcela da riqueza ou isoladamente considerado. Esta atitude é mesmo parte integrante da nossa cultura e até a sua parte mais visível aos olhos do comum dos mortais. Cultura no sentido mais amplo, não sei se aceitam falar assim, que há quem atribua à cultura âmbitos bem restritos.
Uma pessoa pode saber tocar piano, falar fluentemente o francês, navegar sem sobressaltos na Internet, cultivar o gosto continuamente, ser culta a seu modo ou culta numa visão mais generosa mas menos formal, seja qual for a perspectiva pela qual veja o mundo, tem sempre o malvado dinheiro a condicionar-lhe as principais decisões e também a forma de dar e receber cultura.
No geral entende-se que uma pessoa culta convive bem com a riqueza e mal com o dinheiro. Havia mesmo a noção de que o homem culto estava tão bem para o ócio como o inculto para o negócio. O ócio pode ser cultivado pelo rico mas o negócio, a lida promíscua com o dinheiro, era deixada a quem, como modo de vida, se não importa de com ele se sujar, de quem quer enriquecer.
Porém hoje a cultura já é um mundo de trabalhos. São mais numerosos e importantes os trabalhadores da cultura que os cultos. O homem culto já é uma raridade em vias de extinção. Já ninguém se pode entregar tão levianamente como outrora ao ócio e o ocioso para ser culto tem que se dar a muito trabalho, a muito estudo. O homem da cultura já se encontra tão imiscuído na economia de mercado como qualquer outro e as suas atitudes não se diferenciam das do homem comum.
Assim, se outrora a riqueza era algo que livrava o homem culto de outros trabalhos, hoje integra-o no mundo mercantil. A diferença quanto à sua natureza entre riqueza e dinheiro é um preciosismo difícil de comprovar, um artifício mental para agradar ao espírito farisaico tão difundido na sociedade ocidental. O que interessa conhecer, não com espírito inquisitório, mas como necessidade evidente do saber, era a sua influência efectiva em quem o tem.
Está por determinar o efeito que o convívio com o dinheiro ou com a sua ausência produzirá no nosso restante posicionamento em relação ao usufruto da vida. Pressupondo que devemos manter uma relação pacífica com o dinheiro, estamos a reconhecer que ele nos afectará sempre, principalmente se o temos em excesso ou em claro desfavor. Se algumas das formas que em tempos se utilizavam para a acumulação de riqueza caíram em desuso, o dinheiro é hoje a forma mais universal, embora, como vamos ver não totalmente aceite.
Antes da nossa atitude para com o dinheiro está a nossa opção por uma determinada estruturação básica da sociedade. É com esta opção, apoiada na nossa cultura, que determinamos a forma de encarar a nossa integração na economia mercantil. Na diversidade das nossas atitudes chegar-nos-á destacar as quatro basilares que delimitam todas as outras.
Se a nossa cultura nos encaminha para o fundamentalismo moral então o dinheiro causar-nos-á aversão. Ele será a causa de todos os males, devido à qual sobressai a ganância, a avidez, a soberba, todos os sentimentos em que está presente um impulso irresistível, um desejo insaciável de posse. Sem dinheiro o mundo seria outro, bem melhor, entendem os que assim pensam.
Se a nossa cultura nos leva em sentido oposto em direcção ao fundamentalismo liberal então valorizamos tudo o que dá dinheiro e este como a fonte de toda a felicidade, de toda a satisfação. Através dele todos os bens são acessíveis e a ele se podem sacrificar todos os valores humanos. Se houver competição sem regras, capitalismo selvagem, tudo é relativizado. A posse do dinheiro tudo justifica e tudo garante, pensam os que adoptam esta posição.
Como posição intermédia num sentido mais economicista temos o liberalismo moderado que reconhece a utilidade do dinheiro e o avanço que constitui a economia mercantil. Se a posse do dinheiro é legítima, a sua utilização é muito mais do que isso, é meritória. O dinheiro posto à disposição da dinamização económica trará benefícios para todas as pessoas envolvidas, mas reconhece-se que não compra tudo, não deve ser usado indiscriminadamente em qualquer negócio. A economia deve estar ao serviço do homem, afirmam os seus adeptos.
Num outro sentido, mais humanista e como posição intermédia entre os extremos, temos na outra ponta do quadrilátero aquela posição que, um pouco impropriamente, se pode chamar de socialismo moderado. Efectivamente o socialismo começou por se identificar com a primeira posição extremista e tem evoluído para uma posição mais liberal. Mas realça ainda o papel do Estado como estruturador das relações económicas, moderador e corrector dos desvios que possam ocorrer.
O dinheiro é inevitável mas não pode modelar com ele todas as relações entre as pessoas. A acumulação de capital é necessária mas não deve ser utilizada em prejuízo da sociedade. A usura deve ser combativa e a especulação controlada. O Estado deve ter os meios suficientes para que a solidariedade seja, com todos os defeitos que possa ter, exercida quando o não pode ser por outro meio. Em suma, na posse do Estado ou de particulares, o dinheiro deve executar a sua função social, pensam os defensores deste ponto de vista.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Referendo com meio aval Constitucional

Na política estamos habituados a confusas discussões e até a convites em ocasiões menos próprias para tomarmos decisões cujas consequências nos fogem. A Lei deu aos Municípios a faculdade de se associarem, mas para o fazerem terá que ser nos precisos termos que por ela são definidos.
Têm que ser os Municípios a conformarem-se com a definição prévia das áreas em que a associação é possível e isto no pressuposto evidente que tem que haver uma articulação com as próprias estruturas descentralizadas da Administração Central. Só assim haverá a colaboração imprescindível.
Assim Viana do Castelo só tem como hipótese entrar na Comunidade Intermunicipal do Minho-Lima, não havendo escolha de parceiros. É nesta área que muitos problemas comuns se podem resolver, aqui se podem estabelecer complementaridades e sinergias que possam potenciar o desenvolvimento.
Como o Presidente da Câmara de Viana do Castelo se acha prejudicado na partilha de encargos e poder, como acha que Viana do Castelo até não necessita da colaboração de ninguém, o mar tudo lhe trás, a terra atrás de si pode ficar deserta, resolveu colocar a sua adesão à Comunidade em referendo.
Chamado a pronunciar-se, o Tribunal Constitucional achou que a pergunta a constar do referendo seria demasiado extensa e pouco clara para o entendimento médio da população. Na verdade para o entendimento do que está em causa, a adesão ou não à Comunidade Minho-Lima, a referência a NUTS, Leis específicas e Concelhos envolvidos é perfeitamente despiciente.
Como porém o Tribunal deu razão de ser ao referendo, se se fizer o devido acerto à pergunta, o que aliás já está assegurado, vamos ter mesmo referendo. É necessário que os democratas lutem agora para que seja assegurado que o eleitorado não utilize esta votação para fazer juízos históricos doutra natureza ou eleições autárquicas antecipadas.
Segundo o Tribunal num referendo tem que estar garantido que as respostas possíveis sejam dicotómicas e que se saibam com precisão quais as ilações a tirar se se disser Sim e quais se se disser Não. Não se podem tirar do referendo consequências que não derivem da Lei.
Porém tudo está já a ser feito para que este referendo não seja honesto e leal. As ameaças de demissão de Defensor Moura, caso a resposta ao referendo seja favorável à adesão, não se enquadram no tipo de consequências que é legítimo considerar e portanto não devem ser levadas em linha de conta pela população. Esta só se pronuncia sobre o que estiver expresso no referendo.
Claro que Defensor Moura é livre de tirar as suas próprias ilações do referendo, mas não é correcto fazer chantagem com elas. Seja qual for o resultado, a situação em que Defensor Moura se coloca não é de modo algum confortável. Como irá justificar a sua permanência no cargo caso ganho a Não adesão? Como se articulará com a Administração Central e a Comunidade Europeia em termos de financiamentos comuns e não comuns aos outros Municípios?
O Secretário de Estado da Administração Local já veio dizer que não vai haver interlocutores privilegiados. O que houver para contratualizar com as Associações de Municípios e que só com elas o possa ser, segundo a Lei, assim continuará a ser. Quem não estiver nessas condições não beneficiará de comparticipações estatais ou comunitárias.
Somos um povo condescendente, que volta a trás quando não deve, que perde imenso tempo à mesa a discutir o sexo dos anjos. Felizmente que nos abrimos já um pouco a outras maneiras de ver, abandonamos a mesquinhez de alguns artifícios que permanentemente inventávamos para deitar areia na engrenagem do que presumimos ser o progresso. Não voltemos atrás!