sexta-feira, 27 de junho de 2008

Pior que nenhumas é ter expectativas exageradas

Não temos muitas razões para supor que os outros raciocinem de modo muito diverso do nosso, no que se refere a interesses económicos e políticos. No geral vamos formulando uma série de expectativas que nós gostaríamos de ver concretizados com diferente grau de exigência. Além de já nascerem nesses diferentes graus, as expectativas também se transformam, sendo que o normal é que aumente o grau da sua exigência.
As nossas expectativas são influenciadas pela sociedade, pelos amigos, pelos vizinhos, pelos cúmplices, e a natureza de muitas pessoas leva-as mesmo a pensar que qualquer afrouxamento das suas expectativas é uma derrota que há que evitar a todos o custo, pelas implicações que presumivelmente têm na sua imagem, na sua vida.
Tudo o que contraria o percurso normal e linear de criação e realização das expectativas que o indivíduo no seu isolamento ou na sua exuberância vai encrostando em si próprio é visto como um sério obstáculo à nossa realização. Aquilo que é, aos nossos olhos, uma expectativa simples pode na realidade ter-se tornado uma lacuna grave na nossa vida.
No mar agitado em que as nossas expectativas se podem tornar, aquilo que nós conseguimos, aquilo que somos, aquilo que temos é perfeitamente relativo em relação ao carácter absoluto, urgente delas próprias. O normal será que quem mais tem mais quer, que o que se quer seja proporcional àquilo que já se obteve, mas só cada um sabe a importância que dá às lacunas que detecta na sua vida. Se ela se transformou numa expectativa, ela é absolutamente importante.
Nem todas as pessoas são transparentes, no sentido de transmitirem o desenrolar normal das suas expectativas, por uma questão de preservação da imagem e mesmo de auto-controlo. Haverá porém muitos que, antevendo o falhanço de uma expectativa, a não abandonam, por a acharem importante, mas estão totalmente preparados para que ela, se não realizada, se não torne numa frustração, isto é, não continue a pesar na sua vida.
Nada nos permite supor que haja seres que se consigam libertar das suas e das expectativas que os outros criam a seu respeito e ultrapassem de modo completo esta lógica quase determinista. Em especial que se não deixem arrastar pelas expectativas mais “materialistas” e que não se sintam frustrados perante si e perante os outros. Pior que não ter expectativas é ter expectativas exageradas.
Sendo certo que muitos não o conseguem fazer, há uma certa classe de políticos que se querem mostrar desligados de objectivos “mesquinhos”. Na realidade, pretendendo-se intérpretes da vontade colectiva, os políticos têm de entender toda a espécie de expectativas que detectam na população em geral. Fazer a mediana, definir os objectivos gerais a atingir, conciliar os dois é o trabalho propriamente político.
Aquilo que os que não são, não querem ou não têm condições para ser políticos têm que perceber é que não se pode exigir que os políticos se auto-limitem a ocupar a tal mediana quando a interesses e expectativas a ter. Os políticos podem ser em termos pessoais mais ambiciosos do que o são em termos de interesses colectivos mas aqueles que o quiserem ser devem declará-lo.
O que tem que estar claro é que os políticos não beneficiem, enquanto no exercício da sua actividade, da sua própria acção política e não garantam o seu futuro através da sua preparação com a influência de que no presente usufruem. Isto tem que ser considerado um princípio geral embora a população desculpabilize alguns de cuja acção terão beneficiado, embora o não respeitem.
Não se pode ser exigente em relação a todos e permissivo em relação a alguns. É necessário ser exigente em relação a tudo o que seja exigível e permissivo em relação a tudo o que não afecte o resultado colectivo. O político não pode ser particularmente prejudicado em relação àqueles que exercem actividades privadas. Mas também não tem que ser particularmente beneficiado por possíveis restrições em relação às suas ambições pessoais.
Convivemos mal com o sucesso dos políticos porque eles têm a visibilidade que outros mais bem sucedidos não têm. Acima de tudo porque eles crescem mais do que a média de nós todos. Mas numa sociedade não igualitária seria anormal isto não acontecer. Hoje é impossível que para gerir a sociedade estejamos à espera daqueles que o poderiam fazer por gosto e sem grande custo.
Hoje sujeitamos em demasia a nossa vida pessoal em relação à vida social. Somos mais exuberantes, mais exigentes, mais imitativos, menos tolerantes. Com as novas aberturas ao social, se não formos nós a acrescentar, são os outros que nos vão apontando lacunas, que nós inconscientemente vamos aceitando na nossa vida, que nos vão amargurando, que a vão tornando negra.
Devemos ter a modéstia de pôr a questão de eventualmente termos errado, de que em vez de os outros, os políticos em particular, constituírem um obstáculo à realização das nossas expectativas, fomos nós que enveredamos pela sua formulação exagerada e agora, perante os amigos, a sociedade, nos vemos mal a ter que as rever e reformular.
Tal como os políticos não devemos ceder à demagogia. O trabalho deles não é fácil mas também nós temos agora a nossa parte. Antigamente agíamos em função da fé. Hoje temos de agir em função da maneira como nos relacionamos com a mediana social, com os objectivos que o poder institui, quer concordemos com ele ou não. Temos de definir objectivos pessoais para, no final, termos dados sobre quem terá falhado, ou quem terá contribuído para o seu sucesso.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Crónica Política - A confirmação da candidatura de Daniel Campelo

Em entrevista dada ao AltoMinho Daniel Campelo confirmou ter tomado já uma decisão muito mais que provisória, quase definitiva e a anunciará no Primavera de 2009. Será pentacandidato à Câmara Municipal de Ponte de Lima, se nos é permitido ler nas linhas e entrelinhas, que ele as têm e até gosta delas.
O facto de o PSD não ter dado, como estava previsto, o seu apoio à alteração da legislação sobre as eleições autárquicas, embora Ferreira Leite ainda se pode redimir dessa falha, leva a que se possa repetir o cenário de 2001, mas que não parece provável devido às animosidades entretanto acumuladas.
Os campos, para pena de Abel Batista, presumo, estão já demasiado extremados para que o CDS possa prescindir de influenciar a candidatura à Câmara Municipal de Ponte de Lima e se preste a dar somente o seu apoio na Assembleia Municipal. Mas deixemos que o tempo amadureça que, pelos vistos, não falta quem diga os disparates de que a política também vive.
Desde sempre sabemos que nada nasce do nada e se hoje algum nascimento nos parece perplexo só temos que procurar vencer a nossa ignorância. Quando se trata de alguma forma de conhecimento, até que ele alcance o estatuto de sabedoria há um longo caminho a percorrer, pelo que nos não devemos precipitar. Infelizmente a opinião, o exemplo são de algum modo a melhor forma de comunicarmos aquilo que temos a pretensão de ser algum conhecimento.
Há pessoas que alcançam cedo uma auréola de sábios, para já não dizer de santos, embora a pretensão paire por aí. Aprouve que eu tenha nascido num ambiente geral de sacristia. Ainda por cima Salazar não deixou filhos, mas uma caterva de ex-seminaristas, de seres oscilantes entre o profano e o sagrado que, sendo os mais providos de verve ofuscaram outras pessoas com formação diferente, não vem ao caso ser ou não superior.
Não digo isto para atacar ninguém mas como a constatação que durante muito tempo houve uma noção de cultura puramente escolástica, que após o 25 de Abril se haveria de conviver com o dogmatismo transmitido também por via política, mas de sinal contrário. A popularidade destas duas noções deriva da facilidade com que se opina com base numa dicotomia que aplicam a todos os fenómenos, sociedades, opiniões, noções.
Por seu lado é difícil para quem recusa estas teorias opinar com pessoas que estão tão agarradas a estas dicotomias que tão mal dividem o mundo e tanto mal lhe têm feito. O meu próprio caminho intelectual que não pessoal só pode ser afastado o mais possível destes portadores da palavra divinizada. É comum dizer-se que devemos respeitar a opinião dos outros, mas muitas vezes é impossível contrapor as nossas opiniões às de quem só vê o bem e o mal.
Por mim, eu deslizo sobre a realidade, não com a pretensão de ser águia ou anjo, não por força de exercer qualquer espécie de domínio sobre ela, mas tão só devido à minha humilde e humana condição de ser um ser que se quer livre e constata que está cercado de toda a espécie de contingência. Não procuro brilhar mas receber o brilho do sol, estar lá mais acima, não me deixar enredar em teias.
Mas o homem na sua circunstância nem sempre pode ter uma vida intelectual independente, é muitas vezes humilhado, vilipendiado, mas eu estou comigo e com ele. Quase todos já teremos tido razões para nos sentirmos indignados. Está provado que as lições de moral não resultam, a solução só pode ser não colocar gente indefesa nas mãos dos espertos que por aí vão proliferando.
O Ideal será que supramos as nossas falhas, para que não só os ex-seminaristas utilizem os rudimentos de escrita que aprenderam nos seminários deste País para dizerem da sua justiça. A todos se deve reconhecer o direito a uma vida intelectual diferente do necessário no dia a dia. A dignidade dos outros não se pode suportar só no que por acaso brilhe.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A ingratidão irlandesa e as dúvidas de todos nós

A rejeição do Tratado de Lisboa, proposta Carta Constitucional da Comunidade Europeia, em referendo efectuado na Irlanda obriga-nos a pensar sobre as limitações que os políticos têm para vencer um dos aspectos mais negativos do comportamento humano: a ingratidão.
A melhoria das condições devida dos Irlandeses tem sido tanta que qualquer observador independente diria que o deve muito, para além da sua vontade e determinação, ao enquadramento da sua política pela política da Comunidade. No entanto algumas dúvidas, que sempre as há, vencem tanta certeza, de que não há dúvida. Só pode ser ingratidão.
É à acção prática dos órgãos comunitários, à boa gestão dos conflitos de interesses que sempre se criam entre os Estados, mas também à ideia de um futuro comum, solidário, partilhado, que se devem tantos anos de paz na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
Aquilo que os políticos compreendem e cada vez defendem com uma maior certeza e veemência correspondendo ao próprio aumento das dificuldades que vão surgindo, parece escapar à população em geral, mais avessa à organização, a compromissos de longos prazo, a cedência de soberania, à solidariedade.
A primeira conclusão a tirar seria então talvez que a população é estúpida, não consegue medir o alcance dos seus actos, não compreende a sua repercussão em zonas mais distantes da nossa vida colectiva. O que lhe interessará é o imediato, o que ocorre sob o seu olhar mais próximo, tudo o resto é para si nevoeiro.
Claro que isto de nada nos serve, toda a política séria, sem ter que se submeter aos impulsos momentâneos da população, tem que ter em atenção que “o povo tem sempre razão” e é necessário cada vez mais compreender os mecanismos mentais que determinam as tomadas de decisão pessoais, sem as considerar como puro resultado da influência das “massas”, da comunicação social, dos líderes exóticos, da moda.
Há uns anos surgiu uma espécie de medo de que a evolução do conhecimento e em especial no que se refere ao estudo da formação do próprio conhecimento pessoal, levariam a que os políticos adquirissem novas formas de manipular, condicionar, determinar a vontade dos indivíduos e dos vários colectivos em que eles se integram.
Também há nestas “negas” referendárias uma certa forma de responder àquele medo, ao se tomarem atitudes anti-agregadoras, as quais, para nossa sorte, ainda não atingem o efeito desagregador. Esta espécie de consideração de que até aqui tudo bem, mas mais para a frente pode ser aventura, é muito própria do homem, temeroso sempre de que a sua vontade venha um dia a ser submergido por um foco de poder todo-poderoso.
Aqui entronca toda uma série de questões que haveria de considerar para conseguir ultrapassar esta divergência entre a orientação que uns políticos, que servem para um efeito e para outro não, querem imprimir e o rumo que a população que, mesmo assim os elegeu, quer que seja tomado.
Para a população parece evidente que o Estado pode ter várias configurações e diferentes objectivos prioritários, mas, por força da natureza das próprias associações políticas dominantes na Europa, cada vez é mais visto como o órgão que terá de garantir “as mais amplas liberdades”, sem sofismas doutrinários.
A população vê os órgãos comunitários como os tentáculos de um futuro Estado omnipresente, opressor, uniformizador, que aglutinarão à força todos os que queiram manter alguma liberdade. Não podemos ver estas questões pontualmente, mas é evidente que às vezes a população parece ter razão.
Os políticos nacionais também já aprenderam a lançar para cima da Comunidade a responsabilidade pelas questões mais controversas, pelas decisões mais agressivas em relação à população. São eles próprios que contribuem para criar essa ideia de que eles querem ser “bonzinhos”, mas são os outros, os que estão lá fora, que vêm as coisas de mais longe e são mais empedernidos.
O Estado Comunitário já em construção há muito tempo, sem que nós tenhamos tido disso a consciência, mas que continua a funcionar, mesmo que as regras escritas já não sejam suficientes para tal, tem que ser mais “amistoso” para a população, tratar em primeiro lugar dessa relação, tornando-a eficaz, o que quer dizer umbilical.
Sem deixar de considerar que o Universo é o nosso reino, devemos ver na Europa a unidade mais ampla viável no momento presente. Pertencer à Europa é um princípio que nos deve orientar porque aqui estão os valores mais comuns e avançados da civilização. Mas tal não pode implicar um cheque em branco para instituições que cada vez mais fogem ao nosso controlo.
Para que não hajam estes avanços e recuos, esta angústia que resulta de se correr o risco de pôr em causa o essencial a pretexto de assuntos sem relevância, a Comunidade terá que se justificar a ela própria, já que não é possível agora o que pessoalmente me não repugnaria que era a instalação de um poder supranacional na Comunidade.
Mas se todas as decisões importantes tiverem que se submeter à regra da unanimidade parece não ser problema de maior, senão que só está em causa a operacionalidade. Sempre teremos que confiar na boa fé das pessoas que negoceiam os assuntos que nos interessam. A Comunidade não morrerá.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Crónica Política - Os léxicos políticos de Cavaco e de Defensor

A política apropria-se das palavras como cada espécie se apropria das plantas e animais necessários para o seu alimento. Aos políticos é pressuposto que não usem as palavras fora do seu contexto pelo que todos se embrulharam num rol de acusações e desculpas quando Cavaco Silva em Viana do Castelo se referiu à raça perfeitamente fora do contexto em que a palavra terá o valor pejorativo que na política adquiriu. Ou seja fora dum contexto isolacionista do tipo de Salazar.
Mas códigos são códigos e em muitos como este não vale a pena estar a mexer. Situação preocupante será a que tem a ver com a participação dos jovens na vida política, mas isto para Cavaco Silva, que Defensor Moura a não entende assim: “A vida partidária não é escola de educação cívica que se recomende”. “Clientelismo e carreirismo” são virtualidades dum “combate político sem ética e sem lealdade, a luta sem tréguas pelo domínio dos aparelhos partidários”.
Para Defensor, sem medo das palavras, porque hoje são os políticos os seus verdadeiros sacerdotes, será melhor manter os jovens afastados deste mundo, pondo-os todos a escuteiros, aderentes aos seus esquemas de voluntariado e associativismo cultural, desportivo e ambiental. Não será isto seguir a moda de os políticos baterem em si no geral, para se eximirem às responsabilidades pessoais?
Cavaco Silva não tem partilhado desta falsa honestidade daqueles que se acham como uma das causas deste problema, seja em concreto, seja em abstracto. Nem afirmou que a atracção se faça pelos exemplos como Moura parece defender, embora Defensor se não ache ele próprio como exemplo, mas entende que os seus confrades são piores e capazes de toda a espécie de malvadezas.
Todo este tipo de afirmações são demagógicas quando na boca de um político como Defensor Moura e sinais de ignorância quando noutras bocas, sem que as tenhamos que aceitar quando manifestação de um desabafo de quem já está cansado de procurar um político com quem se identifique e não encontre.
É evidente que não existem hoje na política ídolos, gente perfeita que represente no momento a clareza de que os nossos espíritos anseiam. Mas há gente empenhada, que dá tudo o que sabe e pode para resolver os problemas nada fáceis, quer sejam herdados ou surgindo sempre, exigem uma preparação de que se não necessitava há tempos. Se os processos estão viciados, se os métodos são os que permitem os crimes é outro problema.
Talvez tenha passado o tempo em que era fácil surgir um ídolo com quem nos identificássemos porque as opções eram dicotómicas e claras. A complexidade legislativa, a sobreposição de causas de diferente natureza, o encadeamento de efeitos torna as decisões difíceis. E não se pode dizer que as opções do povo tenham estado sempre erradas, se perante tanta dificuldade o povo se apoia mais naqueles que tem mais razão na determinação das causas e subestima bastante a análise das soluções.
Homens como Defensor Moura podem fazer falta à decisão mas não fazem falta à política. Porque quando se passa a vida a dizer mal dos outros e a lançar dúvidas sobre qualidades e méritos que não são só políticos, está-se a levar as coisas para uma mudança de pessoas e não de métodos. Não se está a fazer compreender os argumentos, mas a lançar nevoeiro sobre eles.
Além de que todos nós temos noção das formas típicas e atípicas como os políticos actuais lá chegaram, não parece ser aqui que reside o problema. Ninguém chega à política perfeitamente virgem, sem contaminação de outras ambiências. Mas tudo seria diferente se quem exerce os cargos e poderes o fizesse de forma transparente, expondo-se à crítica exterior. Ora Defensor Moura é um exemplo acabado da opacidade auto-suficiente.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Senhorialismo, o nosso feudalismo mitigado

Não tivemos o feudalismo que caracterizou a organização social da maior parte da Europa durante séculos. Tivemos um sistema menos estruturado, menos limitador, menos agressivo, o senhorialismo que tanto marcou a nossa maneira de ser e estar e que, como tal, só lentamente se tem desvanecido.
Aquilo que na realeza era o resultado de uma hierarquia funcional, que tinha a ver com a mobilização para a guerra e com a sustentação do clero e da nobreza, na república perde esse carácter e torna-se de certa forma anormal, desfasado da natureza da sociedade que se quer construir, sem consistência material (económica) e ideológica.
Mas até o republicanismo se aproveitou deste sistema oscilante entre a obrigação e o obséquio e, contrariando o seu carácter de horizontalidade, manteve-o tão encrostado no nosso tecido social, veja-se o sistema caciqueiro herdado do liberalismo monárquico. O republicanismo nunca se deu bem com a ausência das escalas sociais rígidas da realeza.
Numa sociedade rural ser dono de determinados domínios manteve-se como um previlégio suficiente para exercer uma influência determinante no arregimentar dos homens num certo sentido de actuação, que nunca foi além do trauliteirismo e da chapelada. Poder-se-ia dizer que as ideias eram mais avançadas que a estrutura social. Mas esta era utilizada tal qual existia.
O regime de Salazar congregou aspectos que, independentemente da proveniência, puderam servir para reforçar o novo escalonamento social e restaurar o autoritarismo e o culto do poder. Na sua miscelânea ideológica, não se comprometeu abertamente com a monarquia, aproveitou somente alguns dos seus aspectos, mas foi buscar outros à própria república, à tradição romana, cristalizou a tradição cristã e refundou o corporativismo.
Sem saberem bem aquilo que os poderosos queriam, a não ser que queriam continuar a sê-lo, as nossas populações, dado o seu modo de vida essencialmente agrícola, não estando sujeitas a condições de servilismo, como eram muito dependentes, tornaram-se subservientes. Salazar nunca exigiu muito empenho, o culto do desenvolvimento não o entusiasmava.
A subserviência instituiu-se porque sobreviveu a quatro regimes diferentes, se é que não vinha da monarquia absoluta. Nesta existia um sistema senhorial que só diferia deste porque havia vínculos formais. Pelo contrário a subserviência recebe-se e presta-se, haja ou não obrigação formal. No republicanismo os cargos administrativos foram engrossados com a transferência desse “direito” de que os seus empossados usam e abusam.
A mobilidade social que se acelerou com o 25 de Abril não alterou esta forma estereotipada de relacionamento. Devido ao alargamento de certas camadas sociais intermédias, aos pais que prestavam “vassalagem” sucederam os filhos que a recebem ou pensam receber. Filhos de pedreiros tornaram-se “doutores” e se não exigiam uma atitude subserviente dos pais já a exigiam, com o patrocínio dos próprios pais, aos seus semelhantes.
Em vez de um conflito de gerações por valores e direito, houve uma ascensão dos mais novos e uma queda dos mais velhos por efeito da escolaridade e de novas oportunidades de “subir na vida”. Nem a proletarização dos mais novos, que afinal se terão apercebido que não subiram tanto assim, resolveu este problema.
A doutorice é tão só o culminar deste problema. Estabeleceu um patamar de certa forma inatingível pela maioria. Aí a subserviência tornou-se imperiosa. Mas também se transferiu subserviência a uma escala mais baixa, seja pela posse de outras habilitações mais baixas, seja pela aquisição de património. Na nossa sociedade até o sindicalismo sofre de doutorice.
A subserviência recebe-se com agrado, estimula-se, corteja-se e presta-se com atenção, com calculismo, acrescenta-se-lhe reverência se necessário. Não se podem cometer erros de cálculo. É melhor a mais do que a menos. Se o indivíduo não era merecedor, na próxima rectifica-se, olha-se para o lado, renega-se.
A subserviência é um mal de pele, está na cútis. Não nos livramos dela facilmente. Corremos o risco de nos vermos em carne viva, sem pele, vulneráveis a outras viroses. Antes a subserviência que a submissão. No nosso inconsciente há sempre um mal maior. Disfarçamos o medo que isto nos provoca com a anuência a uma falsa inevitabilidade.
Também é inevitável haver uma certa diferenciação social, não por efeitos das nossas diferentes capacidades, que essas nada justificariam, mas pela diferenciação provocada pelo sistema produtivo que essa é insuperável. Não podemos fazer todos tudo embora se tenha que reconhecer que cada um de nós poderia fazer coisas diferentes, senão em simultâneo, pelo menos em tempos diferentes.
Nenhuma diferenciação justifica a subserviência, a reverência senhorial de quem tenha que cumprir ordens, muito menos de quem as não tem que cumprir. Temos que ir tirando esta nossa falsa pele, que outra crescerá decerto mais liberta, que nos deixe respirar.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Crónica Política - A ingratidão de Portas ou um sofisma grosseiro?

A ingratidão é uma atitude a que estaremos muito habituados mas que suscita sempre alguma aversão. Atacar alguém de ingrato não é um juízo definitivo em termos de condenação, mas serve perfeitamente para produzir um efeito imediato e permitir um espaço de espera para um juízo mais definitivo num futuro previsível.
Surgiu neste Jornal e em simultâneo no Cardeal Saraiva um ofício circular para servir os objectivos daqueles que estão contra Portas e por efeito contra Abel Batista, mas não querem assumir clara e frontalmente essa atitude perante a opinião pública. Não é nada de estranho porque na política usa-se muito este género de estratagemas para ir criando um ambiente desfavorável.
Não lembraria porém ao diabo esta ciumeira ridícula com Monção que terá conseguido fazer passar na televisão um pouco de propaganda ao Alvarinho, em detrimento do nosso carrascão. È evidente que esta polémica mais parece de meninos de copo de leite.
E aqui é que surgirá a tal ingratidão. Paulo Portas, tão habituado a vir a Ponte de Lima beber do bom, manifestou um alheamento condenável por uma terra que lhe deveria merecer muito mais que uma simples e efémera passagem e limitou-se a ir à Rampinha e ao Girabola.
Mas nem é referido o redactor, nem qualquer outra pessoa preocupada com o futuro de Ponte de Lima, como tendo sugerido a Paulo Portas qualquer outro itinerário mais ligado aos produtos genuinamente locais, o tivesse aconselhado a aparecer ao lado de uma vaca leiteira, nem que fosse só cenário num dos jardins municipais ou de um casco do “bô” da nossa Adega Cooperativa, que há que salvar, nesta ou noutra configuração mais viável.
Neste tal ofício circular faz-se uma referência laudatória a Daniel Campelo mas não se esclarecem as suas responsabilidades por hipoteticamente desta vez os interesses de Ponte de Lima terem sido defraudados, e o redactor bem diz ao escrever que a visita foi pré anunciada aos militantes, sobretudo responsáveis centristas. Essa referência é tão a despropósito como se não referir as razões porque Daniel Campelo não compareceu a este encontro de militantes.
Esta maneira falaciosa de apresentar os acontecimentos só desprestigia a imprensa. Não se faz um artigo jornalístico agregando parágrafos desconexos sobre factos não relacionados. Custa escrever bem quando se escreve a despropósito. Eu que nada tenho a ver com o caso, mas tão só porque sobre ele me pronunciei na semana passada, não posso admitir passar por ter dado uma imagem falsa daquilo que efectivamente se passou.
Normalmente numa relação complexa como esta de Daniel Campelo com Paulo Portas e com Abel Batista seria de supor que apareceriam pessoas “de fora” interessadas em a agravar e outras “de dentro” em que qualquer episódio menos abonatório não surgisse na opinião pública de modo a não dificultar ainda mais uma possível reconciliação.
Neste caso são os “de dentro” que querem nitidamente agravar o conflito de modo a tirar dividendos imediatos, sem qualquer honestidade intelectual que dizem os profissionais da política não ter. O que se pressupõe eles terem e não serem profissionais da dita. Então aqueles que são ilibados de culpa por este ofício circular não são políticos?
De modo tão grosseiramente sofista as culpas do mau desempenho de Paulo Portas em Ponte de Lima no passado dia 31 de Maio são todas arremessadas a Abel Batista, organizador como dirigente distrital do CDS da sua visita. Não sendo seu mandatário, mas, conhecedor de todas as manobras que se operaram no sentido de boicotar esta visita, não posso ficar calado.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Periodicamente um político cai no lodaçal

São já várias as pessoas que chamaram a atenção para o pântano ou lodaçal em que a política se transformou. É verdade que o fizeram só em determinadas ocasiões em que perderam qualquer hipótese de a controlar. Quando ainda pensavam ter algum domínio, pensavam como aqueles que nela estão imersos, eventualmente nunca terão reparado nisso.
O carácter depreciativo que a expressão possa ter não parece porém ser por eles levado a sério. Quase todos voltam a ocupar cargos políticos em qualquer instituição que se mostre a jeito. Talvez tenham encontrado um ambiente em que se movimentam melhor, mais livre de escolhos. Presume-se que as suas razões sejam só de índole pessoal. Espernegando-se e espenicando-se um bocado já ficam bons.
Há pessoas que estão habituadas a vencer sempre e quando lhes acontecem certos percalços disparam em todas as direcções, atribuindo culpas à má vontade de todos os outros. Todos os ressentimentos vêm ao de cima. Não é ingloriamente que acumulam todos os pormenores que lhes possam servir de argumento, que pretensamente provam que todos os outros estão irremediavelmente enlameados.
Não se trata normalmente de uma questão de seriedade. Todas as pessoas combativas memorizam a mais vasta quantidade de informação que podem. Em primeiro lugar para aprenderem e não voltarem a acumular os mesmos erros. Depois para terem uma memória que as reconforte e as armas suficientes para se defenderem dos seus inimigos. Porque essas pessoas têm inimigos, como todos temos, mas procuram antecipá-los e identificá-los com mais precisão do que o comum dos mortais.
Estas pessoas nunca cedem perante os inimigos, mas perante as adversidades. Umas cedem mais depressa do que outras e nem sempre nós nos conseguimos aperceber do cansaço que delas se apodera. À capacidade própria junta-se o nível de adversidade para determinar quando as forças se esgotam, o espírito se satura e perante a sua própria impotência não há outra saída senão abandonar a luta.
Mas também há aqueles que nunca cedem. São os ditadores, que o não são só por terem a força do seu lado. São-no porque a sua estrutura mental já os predispõe para isso. Não há cansaço que os sature, não há adversidade que os demova e infelizmente não há injustiça que os perturbe. Dificilmente aceitam ter cometido erros, não acumulam ressentimentos porque tentam livrar-se logo deles vingando-se dos seus inimigos.
A diferença entre aqueles que dão tudo para vencer mas não entram pelo caminho do desrespeito pelas regras democráticas e aqueles que se perdem por caminhos ínvios está também na capacidade que estes revelam para fazer pagar os outros pelos ressentimentos que lhes provocam sem os acumular e sem acumular eventuais sentimentos de culpa.
As diferentes maneiras de enfrentar as adversidades caracterizam as diferentes perspectivas políticas. Uma coisa é a perseverança, a vontade de persistir em ultrapassar essas adversidades, mas utilizando métodos democráticos. Outra coisa é a obstinação, a vontade de derrotar as adversidades, de passar a falar delas como passado.
O obstinado pode viver em regime democrático, adaptar-se embora de modo constrangido, aos seus regulamentos, ambicionar mais ou menos por uma ditadura. Não quer dizer que o obstinado só refreie os seus ímpetos por não haver condições objectivas e subjectivas para instituir uma ditadura, pode atender a valores democráticos, mas com o andar do tempo cada vez veremos mais gente obstinada na política de que é lícito desconfiar.
O ditador já está mais à vontade. Mesmo que os problemas cresçam geometricamente e mingue o tempo para lhes encontrar soluções nunca se dá por culpado. O ditador convence-se que soube interpretar os interesses dos seus conterrâneos e assumindo-os não permite que alguém ponha em causa a sua capacidade para os gerir. O aspecto pessoal das questões não afecta a sua disponibilidade que transforma em imposição.
Enquanto os ditadores não permitem a procura doutras soluções, os democratas, demitindo-se em condições de cansaço, porque caíram no pântano ou no lodaçal, correm o risco de que as suas atitudes, que resolvem problemas pessoais, não resolvam, antes compliquem, a procura de soluções políticas apropriadas.
Os políticos têm sempre voz para falar, para encontrar culpados para os seus falhanços, mas aqueles que são afectados pelos seus actos, que muitas vezes são vítimas efectivas e indefesas, não têm qualquer voz e não se podem furtar aos seus efeitos. Era bom que Cavaco Silva e António Guterres nos explicassem onde está o pântano ou lodaçal político que, em tempos, lhes fez abandonar a política.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Crónica Política - Daniel Campelo fecha as Portas ao Paulo do CDS

O líder do CDS começou na sexta e sábado no Distrito de Viana do Castelo uma campanha de contactos com as suas bases no sentido de as dinamizar para os desafios que se lhe colocam nos tempos mais próximos. Coube ao princípio da tarde de sábado a sua deslocação a Ponte de Lima.
No entanto Daniel Campelo não compareceu à chamada. O que não seria de espantar particularmente, o problema é a sua capacidade para boicotar claramente uma iniciativa que tinha objectivos muito para além do plano local. Maugrado todos os esforços de Abel Batista, Paulo Portas esperou debalde no auditório da Assembleia Municipal de Ponte de Lima que a sua assistência aparecesse.
Os contactos de Paulo Portas ficaram-se assim por uma visita já tradicional à Rampinha e Girabola, roteiro também das noites de Vaca das Cordas e Feiras Novas. Nem mesmo alguns presidentes de junta claramente conotados com o CDS se deram ao trabalho de perderem uma tarde de sábado para dedicar a estas coisas da política.
Desde o regresso de Paulo Portas à política que se vê um manifesto mal-estar nas hostes limianas. Já se não trata de uma divergência pontual, mas do assumir de formas diferentes de ver a causa pública, o interesse nacional. Daniel Campelo, que sempre tem tido um comportamento sui-generis, pretende ser uma reserva moral dos valores mais democrata-cristãos da direita portuguesa.
Daniel Campelo nunca pôs de parte uma pretensão a um papel mais amplo na cena política nacional ou no Parlamento Europeu, mas o CDS é cada vez mais curto para esse propósito. E no plano local sempre tem havido uma maior facilidade de contacto com os governos do PS, do que com aqueles liderados pelo PSD e em que o seu partido tem participado.
As coisas nunca mais serão as mesmas após este episódio de sábado, este nítido confronto das capacidades de Campelo e Abel para controlarem as bases heterodoxas do seu Partido. Campelo não só venceu do modo mais claro a luta de personalidades, como terá contribuído para diminuir a influência do CDS e as suas possibilidades de manter um deputado por este Distrito.
Por mais luvas brancas que se usem, as feridas que ora se avivaram não vão permitir que se faça ao menos aquela colaboração que levou Campelo a liderar uma lista de “A Nossa Terra”, com o apoio explícito do CDS. Não haverá cedências que se possam fazer para disfarçar esta rotura, que sendo uma acumular de ressentimentos, não deixa de ser já irreversível.
È no entanto evidente que Daniel Campelo não vai ficar parado. Se o CDS vai ter que seguir o seu caminho, Campelo ainda terá a possibilidade de elaborar listas para todos os órgãos autárquicos, hipótese que, porém, ele tinha posto de lado, mais pelo trabalho que isso implica, do que pelo melhor posicionamento que isso proporciona, caso viesse a ganhar.
Para as outras forças políticas que intervêm no panorama limiano a divisão do campo adversário parece ser favorável. No entanto não é fácil lidar com candidaturas independentes que sempre podem incluir cambiantes diversificados e captar votos em campos em que tal é mais difícil para as listas partidárias.
A oposição em Ponte de Lima não tem fugido muito da lógica estritamente partidária, tem sido pouco criativa e não tem sabido passar uma mensagem coerente, perdurável, no fundo, credível. Se genericamente os seus líderes do passado não se tornaram credíveis, os líderes do presente, estão a partir de uma base muito frágil, pouco alargada e dinâmica.
Na política nada se faz sem um núcleo duro capaz de gerir as coisas conforme as necessidades de momento, e um grupo alargado de pessoas prontas a, pontualmente, darem a sua colaboração e a consistência técnica necessária às propostas que se forem apresentando.