sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Num mundo contingente que o Bem seja um princípio de vida!

Para os crentes, Deus criou um mundo contingente e nada pode fazer para alterar essa condição. Os homens que acreditam em Deus crêem-no como estando para além dessa contingência, obstáculo que eles nunca conseguirão transpor. No entanto e no geral acreditam que existe um prémio para cada comportamento, mas divergem muito na forma da sua atribuição.
Uns acreditam que Deus se limita a observar e que o homem é o único responsável pelo seu destino, havendo tão só um princípio e um fim a que eles não podem fugir, enquanto tal ou enquanto pré-determinados. Outros acreditam que no seu percurso o homem vai recebendo indicações, mensagens, graças, que lhe permitem, sem ser só pela sua cabeça, ir corrigindo o trajecto. Outros ainda, mais minoritários, acreditam em que tudo já está pré-definido, sem que isso torne indiferente o percurso de cada um.
Por sua vez os materialistas, vulgo comunistas, pensam que não há outra intervenção além da sua e os homens são capazes de vir a dominar todas as contingências, de modo a que os que sobrarem tenham uma paz e uma satisfação perpétuas. Se acreditam nisto, também acreditam que o princípio e o fim de cada um serão absolutamente indiferentes.
Entre estas duas visões extremadas do mundo há porém uma outra que reconhece a existência de algumas características de cada uma destas. Em primeiro lugar parece evidente, sem necessitar de crença, que existe contingência no mundo e que esta é, para nós, o factor mais relevante. Por outro lado nós, estando integrados na própria contingência, não a vemos influenciada por factores que lhe sejam estranhos.
Esta visão admite a possibilidade de o homem alterar alguns factores que à partida pareciam contingentes, sem que isso passe necessariamente por criar mundos em redomas, universos fechados, como o faz para analisar certos fenómenos. Mas o que está de todo vedado ao homem é submeter a contingência que o é efectivamente em absoluto ou mesmo significativamente aos seus ditames.
Os homens que têm esta visão do mundo partem de princípios que a prática, a experiência e os recursos próprios do cérebro humano permitem a elaboração de saber que, nunca sendo definitivo, permite a redução da contingência a níveis aceitáveis e que ela tenha uma melhor influência sobre o seu próprio destino. No decorrer dos tempos o homem já eliminou os aspectos mais grosseiros, já tornou explicáveis e de certo controláveis fenómenos considerados até então aleatórios.
O que o homem tem feito é determinar o maior número possível de condições que podem influenciar um dado fenómeno. O homem vai-se libertando da sua perspectiva natural e conseguindo ver a realidade a níveis mais precisos, menos passível de ter um outro aspecto alternativo, uma interferência por factores desconhecidos. Mas saberá que condições não conseguiu identificar para que o mesmo fenómeno se possa ter passado de uma outra maneira?
O homem na sua vida prática tentou em primeiro lugar adquirir conhecimento que lhe permitisse controlar melhor os elementos naturais que estavam ao seu dispor. Mas também foi adquirindo conhecimentos teóricos cuja aplicação não imaginou possível durante muito tempo, mas de alguns dos quais viria a beneficiar extraordinariamente. Mesmo assim a maioria do saber de hoje não tem ou parece não ter aplicação prática e é desprezado pelos ignorantes.
Mal estão aqueles que atribuem a esse saber um carácter absoluto e mal estão também aqueles que o relativizam para se justificarem a si próprios. O que não pode é ser ignorado, o que não pode é ser esquecido o seu carácter contingente na perspectiva humana, mesmo que já tenhamos retirado esta característica a muitos fenómenos aos quais a tínhamos atribuído.
A contingência é uma realidade ainda muito presente e é uma defesa para a própria mente humana. O que não pode é ser usada para justificar o absolutismo. Efectivamente a realidade humana e em particular as relações sociais estão prenhes de contingência que nós procuramos contornar, enganar ou utilizar em proveito das nossas ideias particulares.
A sociedade é um domínio complexo que quase todos tentamos simplificar, aplicando-lhe normas redutoras que, maugrado inexactidões e injustiças, nos dão uma visão mais clara e mais fácil para os nossos movimentos mais vulgares. Dada a natureza humana, a sociedade é o domínio em que a contingência mais é visível pelos seus efeitos práticos. Aqueles que tentaram criar a sociedade normalizada, estereotipada, perfeita esbarraram pela incapacidade de dominar todos os factores.
A evolução do homem levá-lo-á a ter um mais perfeito domínio dos factores contingentes conhecidos e das suas possíveis manifestações que ainda ignoramos. Mas nunca será possível ignorar que o homem é uma fonte criativa, dotada de força, de poder, da faculdade de intervir livremente, de modo mais ou menos surpreendente. O que temos que fazer, esperemos ou não prémio por isso, é continuar a lutar para que o homem aplique o bem como princípio de vida.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A meritocracia como forma política democrática

Há quem diga que a democracia só seria efectivamente o melhor regime político se os seus quadros pudessem constituir um meritocracia incontestável. Nós só elegemos uma ínfima parte das pessoas que exercem cargos políticos. Depois os poucos que são eleitos escolhem mais alguns, ministros e secretários, e estes são na realidade quem escolhem a grande maioria, muitas vezes sem conhecer as pessoas que beneficiam de tanta “sorte”.
Embora em democracia este procedimento seja perfeitamente legítimo e se aceite ou mesmo recomende que exista alguma afinidade e lealdade entre quem escolhe e quem é escolhido, não é aceitável que a escolha seja feita de fidelidades partidárias ou pessoais. Uma pessoa indicada pelo partido ou por um amigo pode ser muito competente, mas à partida sofre de uma suspeição de compadrio.
Além da revolta gerada por escolhas claramente fraudulentas, no geral para cargos de menor visibilidade pública, mas não menos relevantes no aparelho de Estado, há no nosso país a sensação de que também a sociedade civil se comporta afinal da mesma maneira que tanto critica no sector público.
É verdade que se caminha no sentido da maioria dos empresários escolherem um bom profissional anónimo em detrimento dum parente mentecapto, mas ainda assim muitos se vão afundado alegremente agarrados aos seus. É evidente que o mesmo tipo de pessoas no aparelho de Estado, onde menos lhes dói, se preocupam ainda menos com a competência dos seus colaboradores ou daqueles que, por força do seu peso político, conseguem impingir aos outros.
O triunfo pelo mérito é em Portugal muito difícil e a tradição não ajuda. Na sociedade tradicional não havia mobilidade social, a grande maioria das pessoas iam exercer a profissão já exercida pelos pais ou ainda pior. Só no último meio século, e em particular após o 25 de Abril, passou a ser vulgar os filhos economicamente menos favorecidos ombrearem com os mais favorecidos, suplantá-los nos negócios e ocupar altos cargos.
Este hábito novo ainda hoje encontra resistências em certos sectores sociais e profissionais mas a igualdade de oportunidades é cada vez mais vista como condição básica da democracia. Já a meritocracia encontra mais dificuldades, pelo hábito chamado da cunha, qual veneno larvar, pior que fungo, bactéria ou vírus, que empesta as nossas relações.
Na impossibilidade de haver um sistema electivo para todos os cargos de responsabilidade no aparelho de Estado, a única maneira de lhes dar alguma qualidade é mesmo uma aposta na meritocracia, na escolha de forma transparente daqueles mais capazes e a quem não repugnaria cumprir ordens legítimas dos seus superiores hierárquicos.
A meritocracia não é uma oligarquia, um sistema fechado ou com grandes limitações à entrada, em que um grupo de “eleitos” ocupa rotativamente cargos. Não é uma gerontocracia, um sistema em que os anciãos, mercê de uma experiência que já nada diz à realidade actual, controlam a evolução da sociedade. Não é uma genearquia, um sistema em que está estabelecida a linhagem dos que virão a ocupar os vários tipos de cargos disponíveis no aparelho de Estado.
No entanto estas são as principais doenças que afectam os sistemas que querem basear no mérito toda a escolha dos seus dirigentes não eleitos. Elas constituem sistemas atractivos para o tipo de imaginação portadora dessas doenças. Os oligarcas para os convencidos, os gerontocratas para os respeitáveis, os genearcas para os arrogantes. Ainda não vi um louco que não quisesse ser Rei.
Mesmo com as facilidades infraestruturais, as pessoas têm dificuldades em lutar pelo mérito. Hoje essa luta começa pelo percurso escolar, de cuja importância às vezes os jovens se não apercebem, mas em que a família pode ter um papel crucial. Depois continua numa adaptação ao mundo do trabalho, sem ser a procura de um lugar de repouso à espera de uma “merecida” reforma.
Efectivamente existem fases fulcrais em que se joga muita da nossa capacidade de chegar ao mérito. Cada etapa pode ser decisiva porque, se cada uma não for ultrapassada com êxito, as sequelas resultantes podem ser inibidoras de um desempenho meritório na etapa seguinte. E aqui convém lembrar o princípio da inteligência emocional. O empenho em prosseguir um caminho que implica algum custo depende da nossa disponibilidade emocional.
Em muitas circunstâncias a nossa descrença, a nossa desconfiança no êxito em alcançar o mérito ou pelo menos o seu reconhecimento mínimo, leva-nos a por de lado qualquer pretensão a ter uma intervenção positiva. Aqueles que são classificados de Velhos de Restelo são muitas vezes pessoas que foram ficando para trás, não numa competição leal, mas numa competição desigual entre quem teoricamente e à partida teria as mesmas possibilidades de êxito.
Por efeito também da nossa luta, as coisas hoje estão mudadas, sem podermos descurar que continua a haver muito cinismo, muita deslealdade, muita traição, muita vingança. Muitos pais continuam a educar os filhos nestes princípios, convencidos que eles se têm que defender e muitas vezes a melhor defesa é o ataque. Não vêm riscos num caminho que já conhecem.
A meritocracia não é o resultado dos elogios mútuos daqueles membros de clubes literários que a isso despudoradamente se dedicam. A meritocracia não é o resultado da protecção das sociedades secretas que se dedicam a promover os seus membros, independentemente do seu valor. A meritocracia não é lobbying exercido pelo poder económico. A meritocracia não passa por filiações partidárias ou amizades cruzadas de interesses suspeitos. A meritocracia é o que isto não é…

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Portugal e a sua inserção na Comunidade Europeia

O Estado é a organização que mais influencia o nosso bem-estar e o nosso relacionamento. O Estado tanto nos permite que usufruamos dos nossos direitos como nos impõe limitações que não desejaríamos. O Estado pode ser a garantia do nosso direito a ter direitos como pode contribuir para que vejamos serem defraudados direitos que há muito tínhamos por certos e seguros.
Por isso convém, é vital, sabermos em que “Estados” estamos nós metidos. No momento presente pertencemos em simultâneo a dois: Portugal e a Comunidade Europeia. Portugal, velho estado europeu que entre alianças e traições, foi aproveitando as divergências alheias para subsistir. A Comunidade, nascida no pós guerra da necessidade de cimentar através da economia a solidariedade continental e pôr fim a velhas disputas por bens e espaço vital.
São dois Estados com organizações próprias e duas formas diferentes de fazer política. Em Portugal tudo se vê a nível de poder, da sua partilha e das suas manifestações exteriores. Na Comunidade, até pela dependência congénita dos aspectos económicos, é em função da economia que a política se desenvolve. Tudo o mais está condicionando à correcta resolução dos seus problemas.
Hoje a Comunidade tem alguns órgãos de soberania característicos de qualquer Estado. Os Estados unidos no mesmo entendimento sobre as questões que no passado foram causa de tantas guerras e desinteligências prescindiram de alguma soberania fazendo dos órgãos comunitários os seus fiéis depositários. A comunidade usou os modelos já testados e criou os seus.
A economia está no cerne dos problemas de qualquer governo e é a área de mais difícil gestão. A economia tudo condiciona, implica uma interferência noutros domínios que as pessoas envolvidas rejeitam. Há quem nunca tenha pensado em depender da economia, das mesquinhas finanças do Estado. Há quem nunca tenha pensado em submeter-se às leis de concorrência. Há quem nunca tenha pensado em lutar pela competitividade.
Aparentemente ainda é o Estado Português o soberano neste domínio da actividade social, precisamente o mais decisivo e mais discutido na comunicação social, na política, na intelectualidade. Na realidade a nossa integração na Comunidade e na Zona Euro criou-nos um colete-de-forças a que nós não estávamos habituados, obrigou-nos a sermos organizados e disciplinados. Obrigou-nos a mexer em domínios que até aqui pareciam de soberania reservada.
Efectivamente em muitos campos já só decidimos sobre a maneira como havemos de corresponder àquilo que é decidido pela Comunidade. E esta, sem ter agentes directos dotados de poderes de soberania, exerce já muitos poderes por interpostas organizações no território dos Estados Membros. O Estado Português, como os outros, limita-se a respeitar as suas orientações, e a cumpri-las, caso se aplique o princípio da subsidiariedade.
Muito do trabalho de estudo e muitas das tomadas de decisão são executadas por órgãos próprios da Comunidade. Os Estado membros fornecem os dados, os números e esta informação cedida constitui o poder maior. O seu tratamento é feito em termos dos interesses conjuntos da Comunidade e as conclusões são tiradas em termos de preservação desses interesses e da sua competitividade externa. Malgrado o seu esforço a Comunidade tem da sua coesão interna uma noção não consensual entre os europeus.
Se na economia é possível tirar conclusões mais ou menos consensuais já o mesmo se não pode dizer das soluções para os seus permanentes problemas. A Comunidade pode apresentar conclusões aceites como inevitáveis mas não se permite recorrer a soluções rígidas. Assim cada Estado Membro tem a capacidade de escolha entre os cambiantes de solução enquadráveis dentro de parâmetros previamente aceites como razoáveis.
Existe uma espécie de soberania em escada no domínio fulcral da economia e correlativos. A Comunidade já tem mesmo conseguido que políticas semelhantes, ou pelo menos convergentes, sejam adoptadas noutros domínios como a educação e as políticas sociais, mas sem instituir qualquer órgão responsável por um efectivo planeamento de recursos, de meios e das realizações. A Comunidade não assume poderes soberanos nestas questões mas a sua influência é evidente.
Há no entanto domínios que, sendo aqueles cuja resolução constituiria o culminar dum trabalho de mais de meio século rumo a atingir os objectivos de pacificação e harmonização do espaço europeu, mais resistem à intervenção comunitária. Assim a entrada no domínio da segurança, da defesa e da política externa é um passo demasiado perigoso para que alguém o aceite dar levianamente. Todos temos consciência da sua existência e da sua importância, mas eles tocam-nos de maneira substancialmente diferente.
Enquanto o centro de interesse colectivo é a economia há um fácil entendimento. Quando se caminha para os domínios tradicionais que definem a soberania do Estado, as coisas complicam-se. O federalismo ambicionado por muitos é ainda rejeitado pela maioria. Porém a política de pequenos passos já levou a que quase não haja domínios em que o poder central se não exerça.
Em Portugal subsiste muito a ideia que, dada a nossa habituação a copiar modelos estrangeiros, sempre será melhor que esses modelos se vão aplicando em simultâneo e sem atrasos em toda a Comunidade. Portugal é um país pequeno, sem dimensão, não preparado e inexperiente, sem o conhecimento de muitos dos fenómenos próprios de sociedades maiores e mais desenvolvidas, sem grandes hipóteses de reagir à progressiva integração de processos e mercados.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

O que fazer pela democracia política?

A noção mais simples de politica baseia-se na necessidade de haver Estado, estrutura não imutável, e de haver pessoas preparadas para desempenhar os cargos políticos que tal estrutura comporta. Não há exemplo de sociedades organizadas que tenham podido prescindir do Estado, nem está na natureza humana que isso seja possível num futuro previsível.
O Estado, podendo sempre assumir formas variadas, constitui o esqueleto da sociedade, sobrevive dependente da sua economia, tem uma intervenção cada vez maior na definição da sua dieta. Mas a sociedade pode não estar de acordo com a forma do Estado. Pode ter acontecido esta ter-lhe sido imposta ou já não corresponder às suas necessidades. Porém não pode prescindir dele, sob pena de por em causa a sua própria existência.
O papel do Estado pode estar inflacionado, ser caro e pode ir para além das possibilidades da sociedade. O inverso pode acontecer por descuido dos responsáveis ou falta de vontade da sociedade em contribuir para isso. Os seus vários modelos têm dependido das condições históricas, internas e externas, das cedências, transferências e do exercício exterior da soberania.
Em principio a soberania reside na sociedade e o poder de a exercer reside no Estado. Mas há situações em que o Estado, por impotência, é obrigado a partilhar poder com outras organizações da sociedade como sindicatos, grémios ou ordens. Existem forças politicas que consideram isso como uma situação transitória, enquanto não têm condições para exercer plenamente o poder.
A maioria das forças políticas entende porém não haver razões para a partilha do poder. Conseguir o entrosamento perfeito entre o Estado e a sociedade, dispensando a partilha do exercício de soberania, é antes tido por um ideal democrático que infelizmente não é decerto o objectivo nem mais nem menos imediato da maioria dos políticos. Falam mais disso quando não há dinheiro.
Efectivamente é a sociedade que tem de se preocupar em saber que Estado quer. Um Estado de dimensão excessiva pode ser demasiado complexo, pondo a sociedade perplexa e desorientada quando dele necessita. Por exemplo o excesso de técnicos pode levar a que compliquem demasiado as coisas para justificarem a sua própria existência. Tem a vantagem de ser o refúgio de muito inepto. Muitas vezes a sociedade embarca voluntariamente nesse erro.
Um Estado de dimensão restrita pode não estar a executar de modo conveniente as suas funções dinamizadoras, fiscalizadoras, de segurança e outras. Algumas deficiências podem pôr em causa mesmo a sua independência perante inimigos internos e externos. Outras deixarão mesmo sem resposta algumas necessidades sentidas pela sociedade. Tem a vantagem de não gastar excessivos recursos da sociedade. É muitas vezes uma ilusão que fica cara.
Haverá sempre forças sociais apostadas em incentivar as divergências entre a sociedade e o Estado. Mas isto não seria tão fácil se o Estado fosse transparente, a sua orgânica fosse conhecida, explicada em função de objectivos, os seus custos fossem ponderados e razoáveis. A lógica das organizações contribui porém para que os órgãos do Estado se fechem, se achem auto-suficientes, descurem a necessidade da sua permanente justificação e que, pelo contrário, tudo se lhe exija.
Criando-se o Estado para corresponder aos interesses da sociedade, sendo ele sustentado por esta, é natural que a sociedade por vezes ache exagerada e nada razoável a sua independência, ache que actua em roda livre. A perplexidade da sociedade chega à identificação da exacta sede dos poderes de soberania que têm nela a sua justificação. O Estado é por vezes caprichoso e baralha a sociedade, outras vezes é manietado por organizações desta.
Há vícios do Estado que nasceram com um determinado modelo mas que outros prosseguiram ou tentaram imitar. Por exemplo há regimes que se não cansam de exigir dinheiro para a segurança, quando o gastam em ostentação. Um Estado vanglorioso pode ser mais democrático ou mais totalitário, mas decerto é um Estado inseguro, que não está certo do seu futuro. No entanto, já muitas vezes a sociedade se deixou enlear por este cântico bazofiador.
Se tem que haver Estado para que haja politica, nem sempre é linear a sua relação com ela. Há sociedades que, por sua vontade ou não, viram instalar-se um poder oligárquico que não é exercido por políticos. Para haver política tem que haver candidatos sem origem pré-definida e eleições para todos os órgãos que exercem os seus poderes mais significativos. A política não pode ser exercida por um grupo fechado que usurpa para si os direitos de todos.
Os estados totalitários e autocráticos tendem a reduzir ao mínimo a politica, o debate, a discussão, a eleição. Os membros dos órgãos de soberania são-no por pretenso direito próprio ou cooptados por estes. Ainda por cima no geral só informam a sociedade sobre aquilo que acham fundamental para assegurar a sua manutenção no exercício dos seus exacerbados poderes. Se querem passar-se por políticos, são políticos desprezíveis
Num Estado democrático não cabe o exercício arbitrário do poder mas nele existem bons e maus políticos. A democracia e os próprios políticos só têm a ganhar em serem bons comunicadores, em cultivarem uma imagem de qualidade e rigor, em não serem pau para toda a obra e em se não agarrarem a qualquer preço ao poder. Um político tem que o ser por gosto, sem ceder a facilitismos.
Um político não pode cultivar uma imagem fácil, mas se perdeu o seu controle, se ela se desgastou com o tempo, só tem que deixar as rédeas do poder. Os ditos ícones, mártires e outros insubstituíveis que aproveitam todas as suas influências para se perpectuarem são um preço exagerado da democracia.