sexta-feira, 27 de abril de 2007

A mensagem que encontrou mensageiro em Abril

Muitos lutaram antes do 25 de Abril para que o regime vigente à altura sucumbisse. A contribuição de cada um para essa revolução nunca foi demasiado relevante, as próprias organizações permanentes da oposição nunca adquiriram dimensão significativa. Também não foi um povo inteiro que se levantou.
A conjugação de factores que determinaram aquela ocorrência não surgiu por acaso, mas os factores imediatos são doutra natureza e são tanto de ordem interna como externa. São o isolamento internacional, as necessidades económicas, são o inimigo principal de Salazar, mas que ele nunca conseguiu identificar com precisão. São, como ele dizia, “os ventos da história”.
Os protagonistas, aqueles que quiseram evitar o suicídio, porque neles o medo suplantou a vergonha, foram os militares, porta-bandeiras de uma causa de que pouco mais conhecimento tinham que o comum dos cidadãos: Umas breves leituras em momentos de desalento, uns contactos com outros militares.
A falta de preparação dos militares para a democracia, a sua incapacidade de separar as suas obrigações como militares e cidadãos, o facto de os valores democráticos não terem o enraizamento necessário na sociedade em geral, levou à tomada de atitudes precipitadas e à colagem dos militares às forças sociais e políticas que foram apresentando maior dinamismo.
Em alguns aspectos salvou-se o resultado, noutros nem por isso. Podemos dizer que os povos das colónias quiseram ser livres, tiveram a liberdade, mas não assumimos a responsabilidade de uma descolonização menos sofrida, que comportasse menos dramas tanto aos “circunstanciais” colonizadores como aos “não preparados” colonizados.
A maior vergonha neste aspecto resultou do abandono daqueles que tinham sido o suporte local da administração e do exército coloniais, porque, ao contrário dos outros, o seu destino era previsível: A morte.
Internamente, embora que por processos tortuosos, chegou-se a uma situação em que as feridas deles resultantes sararam. Acabou-se com o sistema de monopólios, liberalizou-se a actividade económica, alargaram-se a segurança social e as possibilidades de acesso aos patamares mais altos do ensino e às diferentes profissões.
O que se cumpriu, porque comporta em si a Liberdade, porque passou ao lado de um processo ditatorial, sem sentido, mas hasteado como bandeira por alguns, é de tal maneira importante para configurar o nosso futuro que aquilo que muitos dizem faltar cumprir não lhe é comparável.
Porque tudo se tem que fazer com as pessoas que somos, com o País que somos, no sítio em que estamos, todas as culpas por não estarmos numa melhor situação nos têm de ser endereçadas a todos nós em conjunto, sabendo nós que não temos o dom da omnipotência e da ubiquidade.
Quem fez o 25 de Abril poderia tê-lo feito com objectivos diferentes, nunca tão vastos como aqueles que se propalaram, nunca tão míseros como aqueles a que alguns os quiseram reduzir. Mas restituída a soberania ao povo, a este cabe decidir, é o povo que mais ordena.
Só existe democracia quando o povo não renuncia ao seu poder soberano, antes o delega periodicamente em quem o possa exercer em seu nome no dia a dia. Este estado maduro, no qual o povo está seguro que delega o poder mas não renuncia à democracia já o teríamos atingido há anos, creio.
Mas é sempre bom relembrar no que consiste o essencial da democracia, para que as franjas marginais se não tentem a capturar em seu proveito e capricho o poder que ela faculta, mas que deve, tão só, assegurar o bem e a liberdade de todos.
O 25 de Abril foi o despoletar das energias populares que levaram o País a viver esta imensa Liberdade de nos podermos expressar. Cabe-nos a nós não ter vergonha do passado e aprofundar a democracia, desenvolver e melhorar a sociedade para que a herança a transferir seja de valor superior.
Se não havia uma mensagem precisa, detalhada, como os mais fracos estariam à espera, se a mensagem foi sendo usurpada por uns e por outros e deturpada em conformidade com a ideologia de cada um, se só a experiência nos foi avisando dos muitos perigos que qualquer sistema comporta, fomos nós que ficamos a ganhar.
Também a experiência nos vai ensinando que ela mesma, permanecendo como tal, vai sendo esquecida e perdendo os seus efeitos positivos. Há que tornar a experiência em sabedoria e esse é o nosso maior desafio. Qualquer dia, se nos deixarmos andar nesta quietude intelectual, o 25 de Abril tem o mesmo significado popular do 1 de Dezembro ou do 5 de Outubro.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Por cortesia … Senhor Engenheiro! Não … Senhor!

À imprensa cabe ser incisiva. Ao jornalista cabe elaborar a notícia com o maior rigor e independência, sob pena de se estar a desacreditar. Ou então arrisca-se a falar e a escrever só para um público restrito, cujos ouvidos já estarão programados para certas leituras.
Reconheçamos que do lado do jornalista nem sempre tudo funciona bem Muitos jornalistas fazem hoje uma afirmação como comentário, como juízo de valor, e estão no seu direito, não podem ser penalizados por isso, mas logo amanhã transformam o comentário em afirmação infalível e objectiva, como não precisasse de ser provada.
No caso de José Sócrates enredou-se muito comentário com muito informação, de tantas proveniências e com diferentes graus de fiabilidade. Se não fora o próprio a dar um fio condutor, dificilmente desembrulharíamos o novelo.
José Sócrates, como qualquer português médio, tirou um curso de engenharia técnica de construção civil em Coimbra, talvez o que lhe estava mais a jeito, empregou-se na Câmara da Covilhã e toda a gente o tratava, com o máximo de naturalidade, por engenheiro. Por cortesia, por respeito, como se diz, que mais não é que subserviência e temor, pouco interessa.
Não ia o homem engolir uma cassete que repetisse a todos que lhe falavam, olhe que não sou engenheiro sou engenheiro técnico e não estou inscrito na Ordem dos ditos. Todos conhecemos casos semelhantes. Engenheiro chegava, era económico, rápido. Contrariamente, tenho para mim que o máximo respeito que se pode manifestar por outra pessoa é tratá-lo por Senhor.
Enveredando pela política e como deputado, todos, por cortesia, por hábito, à falta de outro qualificativo mais apropriado, continuou a ser tratado como engenheiro, que lá nisso a Capital na saloiada não é diferente da província. E sabemos que nisto o hábito até faz o monge.
Inscrito num Curso que lhe daria um Diploma de Ensino Superior Especializado lá tirou várias cadeiras, talvez até ao dia em que um professor lhe tenha dito e a outros alunos, porque não vêm comigo para a Universidade Independente, que tem uma licenciatura.
E lá foram, alegres e contentes para um Curso que, no essencial, muito pouco mais valeria que o D.E.S.E. original. Já chegados a um Universidade em que os poderes paralelos, pelos vistos, existiram sempre, Arouca não era à altura Reitor, mas era quem mandava, verificaram que o curso só tinha começado há dois anos e as cadeiras que lhes faltavam eram das últimas.
Vai daí criaram uma turma especial com dois professores, um para a área técnica e outro, o Arouca, para o Inglês e vá de acabar o curso. Para mim o problema só reside na legalidade ou não de a Universidade, que havia começado um curso dois anos antes, poder emitir diplomas de final de curso, embora à base do plano curricular necessariamente já previamente definido.
O que se não pode ver é uma questão de favorecimento e muito menos pessoal, já que envolveu outros alunos. O que se poder ver é um facilitismo e uma desregulamentação, que aliás é comum a muitos Universidades a operar nesse tempo, de que teria resultado algum favorecimento, não terão os interessados disso tomado consciência. Porque se outros interessados aparecessem nas mesmas ou em condições parecidas seriam bem recebidos.
Se a emissão do diploma era ilegítima por incapacidade legal de naquele momento a Universidade o fazer, não é o destinatário que se pode penalizar mas sim o emissor.
Facilitemos as coisas. Tratemo-nos todos por Senhor, que é a mais digna e elevada maneira de tratar os outros, embora muitos o não mereçam, mas sejamos também condescendentes.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

As imagens podem simplificar a comunicação

A evolução não se faz sem sobressaltos. Os períodos negativos apresentam-se-nos com uma inevitabilidade que nos entorpece e paralisa. Mesmo em períodos de progresso sofremos as consequências dos efeitos perversos, o que nos leva a fazer pensar se os benefícios compensam os prejuízos que podem advir.
Mas quando decidimos avançar, quando nada podemos fazer para suavizar essas consequências, para diminuir ao grau de perversidade que está subjacente às acções a empreender, ainda temos uma solução minimizadora.
Actuar preventivamente, aumentar as resistências nas pessoas que possam vir a ser vítimas desses efeitos nefastos. É um pouco a teoria de que o mal deve estar presente no mundo para que seja visível e evitável. A não estar presente na paisagem deve estar presente na mente das pessoas.
Os drogados que parasitam pelos locais de estacionamento fazem mais pelo combate à droga de que cem campanhas de sensibilização. As crianças de hoje, sujeitas a este espectáculo degradante, adquirem resistências que os actuais drogados não têm. E afastamos a necessidade de o verem mais tarde.
Como vítimas de um processo de auto-destruição que sucessivas gerações têm tolerado ou incentivado, a sua emersão numa sociedade hedonista tem de ser combatida com essa imagem capaz de provocar uma emoção forte e ser memorizada pelas gerações vindouras.
Este método tem sido usado com algum sucesso noutros domínios o que só prova que nada se deve esconder e deitar para baixo do tapete para que se não veja. Mas em consequência da proliferação de imagens fortes também elas vão perdendo o seu efeito.
O mundo de hoje exige cada vez mais clareza, que se vá para além do efeito imediato que a imagem pode provocar. Exige-se que o fenómeno que deu origem à imagem destinada a causar aversão se investigue, se explique.
É por esta via que as pessoas podem ter cada vez mais resistências próprias àquilo que é intrinsecamente mau, mesmo sem curar de saber qual o melhor caminho, que a escolha deste o devemos deixar ao nosso espaço de liberdade. Mesmo sem esta consideração a verdade é que a indicação de um caminho se mostra cada vez menos capaz de produzir um efeito positivo.
O uso vulgarizado da imagem vai mesmo fazendo que o seu efeito se perca mais rapidamente. A tal ponto que as pessoas, em vez de resistirem àquilo que com a imagem se quer mostrar, podem ganhar resistência à própria imagem. È o que acontece a alguns muçulmanos que, em vez de aderir à condenação do holocausto, negam a veracidade das suas imagens.
Quer dizer que, mostrada a imagem, nos não podemos convencer que ela revela tudo, antes devemos aproveitar o efeito pretendido, quando ocorra, para conseguir uma adesão mais fácil a uma explicação que nunca se pode ficar por aí. Se uma imagem, como uma referência breve, não produz esse efeito então nós temos de ir desde logo mais longe à procura duma explicação convincente.
Somos um País em que vivemos muito da imagem. Pagamos para aparecer na televisão, seja num concurso foleiro, seja na Praça da Alegria, seja até no programa Fátima. Só que não seleccionamos as imagens no sentido de lhes atribuir um objectivo definido. Tudo passa à mesma velocidade. A imagem aqui é o que prejudica a clareza da comunicação.
Misturamos tudo, aquilo que são maus exemplos são mostrados conjuntamente e ao mesmo nível dos bons exemplos. Sem invocar juízos apriorísticos, antes apresentando-os como resultado de uma opção pessoal, os maus exemplos devem ser mostrados com a carga depreciativa a que se devem associar.
Em Portugal cria-se a ideia de que tudo é indiferente, e embora só já em sonhos, ambicionamos ter alguém capaz de cortar a direito e nos venha dizer claramente aquilo que é permitido e aquilo que não o é. O sebastianismo moral é uma das suas características. Enquanto desbundamos.
E parece que nós temos gosto em vivermos neste pântano. Quando conversamos com alguém, quando nos vemos atrapalhados, isto é, pairamos na incoerência, na indefinição e na indecisão há uma estratégia adoptada quase unanimemente: Promovemos a confusão, lançamos imagens isoladas, com conexões contraditórias, efeitos antagónicos de modo a não haver conclusões.
Ou então simplificamos exageradamente, localizamos o mau num espaço demasiado restrito como se pudesse ser imputável. É esta visão redutora que historicamente tem dado origem a regimes ditatoriais, mas principalmente no século vinte deu origem ao comunismo e ao nazismo.
Por isso a tão fraca qualidade das nossas conversas, e em consequência dos nossos escritos. Não podemos andar à procura de pessoas com muitas afinidades connosco e falar só sobre assuntos específicos. As nossas conversas devem ser amplas mas sem deslizar para a generalidade e a indefinição.
Por outro lado temos de ter a consciência de que as pessoas facilmente põem os seus interesses imediatos, mesmo quando eles não estão em causa, à frente de qualquer outra consideração. E quando assim é não há conversa que resista, com facilidade se desconversa.
Também os assuntos de interesse nacional são discutidos muitas vezes nesta base. Confundem-se perspectivas, imediatas ou de futuro, planos pessoais e colectivos, locais e nacionais A gravidade desta situação é que, por ser muito geral, contribui para a indecisão e a paralisia dos órgãos do Estado.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Quando damos mais do que recebemos podemos morrer em paz

Manuel Luciano era daquelas pessoas que durante a vida vão juntando amigos, amigos e mais amigos. Não quer dizer que não haja falsos amigos, daqueles a quem as suas atitudes e o seu modo de ser não agradassem e a quem faltasse a coragem de lho manifestar.
Mas Luciano seguia o seu caminho, imperturbável na sua convicção de que dava a todos mais do que recebia. Nele havia sempre boa disposição e uma palavra amiga para quem quer que fosse.
Um pouco mais velho do que eu, lembro-me dele da nossa velha Freiria, mas particularmente desde o meu tempo de estudante no Externato, quando ele já trabalhava na Tipografia do Jornal Cardeal Saraiva, e tendo assumido um compromisso com um departamento estatal, tinha de ir analisar umas duas ou três vezes por dia o dispositivo que registava o caudal do rio Lima.
Religiosamente, às horas determinadas, entre as quais me lembro era certa a hora do meio-dia, atravessava a ponte rumo a Santo António, em pé ligeiro, no seu andar leve e despachado, com as chaves já na mão para abrir a caixa que continha o rolo com o gráfico em que era registada a altura do caudal de água, que por um tubo era comunicada da bóia ao mecanismo de gravação.
Mas a água foi descendo, descendo e às tantas o Luciano já tinha que registar manualmente, lendo de uma régua que foi colocada no primeiro arco da ponte. Até que o próprio arco ficou seco e o Luciano com bastante tristeza lá deixou de vir ao seu escritório diário.
Em todos os momentos em que podia, o Luciano aproveitava e visitava, já depois de casado, os seus pais na Além da Ponte, tão forte era essa ligação. Cruzava-me com ele, acompanhava-o, mas também conversava com ele pela janela da apertada tipografia, ele sempre agarrado aos seus caracteres que com uma destreza impressionante ia acumulando de modo a formar a palavra, a frase, o jornal.
No jornal do Luciano não havia gralhas, que ele antes corrigia as falhas dos colaboradores. Era o trabalho de que ele gostava e no qual arranjou muitos amigos, que amigos afinal lhe não faltavam por onde passasse. Na tropa Luciano foi pára-quedista, mas o que fez, fê-lo por sentir ser sua obrigação, nunca fazendo alarido dos feitos, nem desrespeitando os adversários.
Luciano foi um desportista, jogando futebol nos Limianos, com ele joguei a brincar, claro, nos domingos de manhã e também com ele corri por estadas e caminhos, entre a Madalena e Santo Ovídio, enquanto eu pude, que a sua preparação era outra.
O Luciano, com o seu voluntarismo, estava sempre pronto a colaborar em actividades desportivas, festivas, de apoio aos outros. Não faltava na Rua do Souto a dinamizar o seu arranjo para que na quinta-feira de Corpo de Deus estivesse devidamente atapetada de cores e flores.
Nos últimos anos o Luciano deu uma importante colaboração à Comissão de Festas das Feiras Novas, a que pertencia, e que presumo vai ter dificuldade em encontrar um substituto com o mesmo entusiasmo e empenho. Aliás o Luciano ponha essas qualidades em tudo aquilo em que se metesse.
O Luciano tinha um alto sentido de família, demonstrava em relação aos amigos um apego invulgar, que o diga o seu amigo mais próximo, o Padre Eurico. No seu semblante não se notava rancor, sempre discreto e apaziguado.
Luciano era um valente que viveu a vida sem temor, sem rancor, como acho que deve ser vivida. Em relação aos amigos, no Luciano notava-se um forte carácter, não era homem de ressentimentos. Era um bravo e um justo.

sábado, 14 de abril de 2007

Precisamos de ter certezas e … … … cumplicidades

Quando queremos comunicar com a generalidade das pessoas, quando não escolhemos nem segmentamos o auditório ou o leitorado, seja pela oralidade ou pela escrita, é nossa obrigação falarmos com a nossa própria voz.
Há na conversa sempre aquela possibilidade de puxarmos a nossa maneira de nos expressarmos mais para aqui ou mais para ali, de modo a nos aproximarmos da terminologia e da postura mais adequadas para quem ouve.
Na conversa há mesmo a possibilidade de acrescentarmos explicações complementares e até marginais, que na economia da linguagem escrita são de todo dispensáveis e quiçá prejudiciais.
Com as limitações de tempo e espaço, não podendo usar aquelas técnicas para “levarmos a água ao nosso moinho”, tendo que usar uma linguagem universal, que podemos fazer para sermos lidos?
Este jornal, tão difundido na nossa emigração, com certeza que encontrará uma dificuldade acrescida. A maioria dos nosso emigrantes têm uma terminologia mais rica em Francês, ou na língua do País de acolhimento, do que em Português. O contrário se passa connosco. Se acrescentarmos as diferentes vivências são enormes as dificuldades que temos que enfrentar.
É nossa obrigação mantermos a continuidade do discurso, não é vã pretensão, que as pessoas se vão habituando a interpretar o texto pelo contexto, com o esforço que isto requer, e a serem capazes de ler escritos de várias proveniências.
A facilidade de leitura é hoje fundamental, porque ninguém está para fazer grandes esforços para, muitas vezes, ter acesso a coisa nenhuma. Daí a necessidade de o jornalista de hoje ser cada vez mais “directo”, mais”asséptico”, mais “redutor”.
Mas não há volta a dar, os “factos” nunca são os factos, nunca ninguém tem uma visão global, unitária de um acontecimento e o consegue resumir e embalar num invólucro em vácuo e o envia directamente e de modo a ser deglutível, sem um aditivo sódico, pelo destinatário, qualquer que ele seja.
Assim, não sendo eu jornalista, não convirjo nesta orientação, assumo claramente que não falo a verdade, falo com a consciência da mais perfeita contingência. Mesmo quando parece que falo de certezas falo só naquilo que é verdade para mim e o poderá ser também para quem comigo consiga estabelecer um mínimo de cumplicidade, historicamente falível e intelectualmente descomprometida.
É na facilidade de estabelecer esta cumplicidade que reside a diferença entre conversa e escrita. A relação social, a conversa, quando nos aproxima, leva-nos a adequar a linguagem, a fazermos pequenas concessões, nós não vamos estar a desconversar constantemente a propósito de tudo e de nada, sem que isso queira dizer assentimento.
Na escrita temos de manter uma linha de rumo, temos de nos convencer que estamos a falar para estranhos, que teremos sempre leitores novos, que não podemos nem queremos escolher, que não sabem nada de nós, o texto tem de ter o valor só por si, na medida em que outrem o possa fazer, pelo menos parcialmente, seu.
Na escrita só a tempos podemos e devemos repensarmo-nos e repensar os outros, os eventuais leitores. Não temos “feedback” suficiente mas temos mais tempo para especular sobre a forma de, sem nos chegarmos a aproximar, pudermos urdir cumplicidades.
Aparentemente não há nesta situação uma relação social. Na realidade há uma relação social não explícita que inevitavelmente se estabelece entre quem comunica e quem aceita de forma activa a comunicação. Não nos podemos esquecer que, de parte a parte, estamos a acrescentar a nós mesmos algo de novo.
E isso não depende da qualidade do contacto, do carácter positivo ou negativo que advenha do conhecimento que se estabelece, da mais ou menos valia que ele possa constituir. Todos os nossos contactos com o mundo exterior nos afectam seja ténue, seja marcadamente.
Perante a fraqueza do ensino é mesmo pela comunicação social, pelos contactos com amigos e menos amigos, com a Internet, até com a publicidade, que nós apreendemos mais do mundo. Esta situação deve levar-nos a estudar melhor todo o género de comunicação, que a que prevalece não é mais a dos meios familiares. Não nos podemos deixar levar pela aparência.
Porém na vida prática não podemos ter a dúvida metódica sempre presente. Precisamos de certezas, nem que elas sejam só temporárias. Precisamos de cumplicidades nem que elas sejam só parcelares. Precisamos de ter confiança em alguém e de desconfiarmos o suficiente de todos.
Não se trata de dividir o mundo entre o Bem e o Mal. Toda a dicotomia é redutora, não nos permite pensar mais para além. Só por simplificação podemos atribuir a “Bondade” à Natureza e a “Maldade” à Insídia. Mas toda a simplificação não dá clareza, antes perturba as nossas palavras.
Devemos estar preparados mas não obcecados com a Naturalidade ou a Insídia. Toda a luz que consigamos projectar sobre a realidade favorece o estabelecimento de uma relação saudável entre as pessoas, ajuda a que a não deixemos inquinar por aquela perspectiva primária que sempre nos persegue.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Critiquem-me por ser gordo, orelhudo ou vesgo mas não por ser político

Entre dois copos, pelo meio da descrição que o amigo de ocasião lhe fazia dalgumas desventuras lá na aldeia, Guerrinha já começava a magicar nos versos que haveria que verter para o seu testamento, dito do Judas, lá para mais perto da Páscoa. O número de quadras talvez dependesse dos copos que viesse a beber.
Para o Judas arder bem, era necessário que as quadras deitassem as suas chispas bem dirigidas, que todos se haveriam de rir. Embora ele próprio, o Judas, não estivesse ainda bem arquitectado, que poderia surgir uma figura mais bonita, mais característica, mais popular. Só lá para o Carnaval lhe seriam definidas as feições.
As histórias tragicómicas iam chegando de todo o lado, que aqui é tão só o concelho de Ponte de Lima. Havia aqueles que para sua alta recriação, para a sua vingançazinha, se dirigiam ao Guerrinha. Mas havia também os doutores lareiros, velha classe, hoje em decadência, e cuja falta os Presidentes de Junta nunca conseguiram suprir.
Estas pessoas sabiam efectivamente de tudo e se não sabiam perguntavam e tinham amigos que, como humildes, essa era a sua grande arma. Levavam e traziam. Na Vila ficavam ao corrente do que mais invulgar se passava. Na aldeia informavam-se do mais rocambolesco que ocorria por lá.
Sem exagerada maldade, mas com malícia quanto bastasse, quanto homem mal casado e mulher folgazã, quanto amigo do alheio ou vigarista encartado, viam o seu nome mais depressa na lama lá longe do que perto da porta de casa. Quando aí chegasse já estava o caldo entornado.
Nem todas lá chegavam, mas qualquer história de malandrice ou malandragem estava sujeita a vir a cair no testamento. Tudo era sugerido que não se podia referir explicitamente ninguém. As referências eram porém normalmente suficientes para que se chegasse a uma identificação das vítimas, que o crime, esse era claro, da carne ou da carteira.
Fossem padres ou sacristães, criados ou morgados, ricas donzelas ou viúvas rapioqueiras, todos que se metessem em altas cavalarias estavam sujeitos a cair na voz popular. Mas não era o Judas que ia afectar a normalidade da vida, que uns continuariam a dizer que sim e outros que não.
Hoje fala-se, fala-se, fala-se, mas ninguém vê nada e todos se recusam a pôr em letra de forma aquilo que sabem. Além de que há assuntos que, por tão triviais, já não despertam a curiosidade pública. Mas continua a haver outros que assumem hoje uma enorme dimensão e que não são referidos.
O testamento na Vila de Ponte de Lima foi recuperado pela delegação de turismo e vem sendo agora feito pelo grupo de teatro Unhas do Diabo. Mas diga-se em abono da verdade, que este Diabo tem fracas unhas, é demasiado subserviente em relação ao poder, não fosse por ele pago.
Perante os poderosos de perto os lareiros de hoje vergam demasiado a cerviz. Há que bater nos que estão longe, lá para a capital, que esses não metem medo a ninguém, e provocam algum riso mesmo que forçado. Antigamente a piada estava em vir em letra de forma aquilo que só se falava e já tinha alguma graça nos lugares em que nem todos iam.
Aproveitar o Judas para pretender fazer política é mesquinho, para não dizer ordinário. A tradição consegue-se manter respeitando os pressupostos que presidiam à queima do Judas antes do 25 de Abril. Porque falar de política hoje é para todos os dias e todas as horas, quando houver assunto para isso.Fazer crítica social, de costumes, de comportamentos é mais salutar, menos banal mas menos pretensioso do que fazer crítica política de natureza primária. Acho que ninguém me criticou mas, se a alguém aprouver fazê-lo, critiquem-me por ser gordo, orelhudo ou vesgo, mas não por ser político. Mas se descobrirem que sou ladrão, insidioso ou outra coisa qualquer, façam favor também.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Se não for pelo C.D.S. ... vá pelos ecologistas que vai bem

A política de Daniel Campelo (D.C.) nos últimos tempos, depois de ter perdido todas as apostas na captação de emprego, é de “ide todos trabalhar para fora e vinde viver (dormir) para Ponte de Lima”. O seu discurso passa por desvalorizar as distâncias, os tempos de viagem, como se fora igual ter emprego perto de casa ou nas cidades do Porto ou Orense.
Numa recente entrevista ao AltoMinho diz “O que preciso é que as pessoas tenham, num raio de 30 minutos um bom emprego. Há muita gente de Ponte de Lima que vai trabalhar a Viana, Braga ou Vigo e vice-versa”. Só que estes, os do vice-versa, vêm cá vender os seus produtos e os de cá, os pé-descalços, vão vender o trabalho que cá não tem aplicação. Gasta-se em transportes, polui-se o ambiente, corre-se perigos, descapitaliza-se o concelho.
Mas a outro passo D.C. tem o desplante de falar de parques industriais que não existem, de centenas de pessoas que cada um empregaria, de um ritmo de instalação de empresas que ninguém vê, da falta de mão-de-obra disponível que só ocorre porque estão todos fora e da falta de formação adequada, única coisa em que tem razão.
D.C. fala de um projecto secreto porque diz “temos de vender esta imagem de paraíso ambiental”. Vai passar a reforçar a “ protecção do ambiente e a produção biológica”. Falta saber se é ao nível da horta, do aquário ou da velha corte de gado. O mais fácil para preservar o ambiente é nada fazer, deixar tudo ao nível da Idade Média, que há ditos ambientalistas que agradecem na sua cegueira fundamentalista.
De novo vão voltar as hortas colectivas. De novo vamos ver os habitantes do centro Histórico a carregar pela madrugada, agora não para a Quinta do Olho Marinho, mas para a Veiga de Crasto, os seus dejectos orgânicos para adubar biologicamente os seus grelos e tomates. Quanto stress vai desaparecer, quanto desempregado e reformado vai deixar de recorrer ao Valium e passar a aproveitar devidamente a frescura da manhã.
Pode ser que até venha a ter algum retorno ao venderem uns nabos no mercado. O ambiente dá dinheiro que o diga D.C. com as Lagos/Penteeiros e além do mais “está na Agenda”. Bucólico como gosta de se apresentar, na sua agenda esteve sempre, não pensem os ambientalistas da nossa praça que ele vai aceitar ensinamentos, reprimendas ou reparos de gente que nunca pegou numa enxada mas é pretensiosa e ridícula.
D.C. tem gostos mais refinados, biodiversidade procura-se longe que cá, mais logo, só pinheiros, eucaliptos, silvas e matos. E nós que vejamos na televisão a desova dos salmões do Alasca, as neves do Everest, as reservas do Quénia, sonhemos com Katmandu.
O lema em que D.C. acredita “Na vida, na saúde e na natureza, na dúvida, deixa estar como está, na política vota contra, para ver se se gera uma solução melhor”, não tenhamos dúvidas, é perigoso para si. Quanto à primeira parte é redutora como todo o tipo de afirmações deste tipo. Quanto à segunda é aquilo que sempre condenou aos seus adversários, insultando-os de tudo para que eles depois lhe lambam as botas.
Pelo resultado, teria alguma razão. Estamos em Ponte de Lima, cercados por gente sem coluna vertebral, sem ideias, muitos que se dizem do contra quando isso parece ser bonito e que são os mais execráveis cínicos quando perdem a vergonha. D.C. limitou-se em Ponte de Lima a ocupar o vazio, à falta de gente com alguma lisura e verticalidade.
D.C. escolhe à pinça os seus colaboradores, não permitindo que eles tenham veleidades e o suficiente carácter para se unirem e reivindicar um pouco do seu absoluto poder. D.C. tem virtudes, tem algumas razões mas muitas mais não-razões, ao contrário do que pensam os seus mais recentes acólitos, não amadureceu, antes perdeu qualidades.Como uma pessoa incapaz de trabalhar em equipa, fechou-se na sua concha, está mais desconfiado. Poderia alguma vez ser candidato pelo P.S.? Não concebo e acho que o D.C. deveria nas sua entrevista ter posto de parte esta hipótese. Se o C.D.S. o não apoiar recomendo-lhe uma saída: vá pelos ecologistas que vai bem.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Da conversa à … … … leitura

Todos nos havemos de penalizar por não fazermos um esforço para nos aproximarmos dos outros, quando com eles falamos. Com a aceleração que a vida hoje comporta a imagem que nós temos daqueles que conhecemos num dia raramente perdura para além dele.
Mesmo em relação à maioria dos nossos relacionamentos, não chegamos a conhecer ninguém, senão através do seu enquadramento social. Nós fugimos, as pessoas fogem-nos, não porque haja de parte a parte qualquer aversão ou outro sentimento mais negativo, mas porque é assim, naturalmente, sem dar azo a ressentimentos ou recriminações.
E todos nos vamos habituando à indiferença com que somos tratados, ao desprendimento com que hoje se estabelecem e se desfazem as mais variadas relações sociais. A pressa com que hoje se vive faz com que esta atitude seja considerada como a que melhor evita conflitos desnecessários.
Não fora a pressa que nos leva a considerar muitas situações como puras percas de tempo, teríamos ainda a constatação de que as aproximações intempestivas podem ser facilmente fonte de arrelias e arrependimento.
Em relação às pessoas com quem lidamos habitualmente, julgamos conhecê-las bem e em relação àquelas com as quais existe maior distância, julgamos conhecê-las suficientemente bem para que pensemos que possa ocorrer qualquer surpresa que faça mudar o nosso relacionamento.
Nós conhecemos essencialmente as pessoas pelo seu enquadramento social, pela rede de relações em que estão envolvidas e pensamos ser isso perfeitamente suficiente para o mais normal relacionamento.
Normalmente só é possível oferecer e encontrar nas pessoas maior receptividade se houver interesses específicos, localizados e devidamente temporizados, principalmente se essa maior aceitação dum relacionamento pessoal for importante para a satisfação dos interesses em jogo.
Esta confiança interessada, pela importância que pode assumir, pode ser o sustentáculo de um relacionamento mais aprofundado. Mas o normal é que terminada esta etapa, logo o invólucro se feche em redor e a impressão que fica não seja mais que um apontamento para futuros relacionamentos da mesma natureza e para o enquadramento social.
Os relacionamentos continuam a estabelecer-se preferencialmente com pessoas ligadas aos mesmos interesses profissionais e de negócio ou assentam em cumplicidades já suficientemente testadas para terem alguma solidez. Neste aspecto todos somos preferencialmente conservadores.
Cada vez é mais difícil estabelecer uma conversa, muito menos um relacionamento perdurável com quaisquer pessoas e em especial com pessoas com interesses, extractos sociais, idades ou experiências diferentes.
Também a comunicação por via dos jornais, livros ou através de outros meios está sujeita à mesma pressa, à escassez do nosso tempo, à economia da atenção e do relacionamento. Procuramos sempre aquilo que do antecedente já nos diz alguma coisa.
E na leitura já quase se passa o mesmo que nas conversas, mesmo que encontremos algo que poderia ter algum interesse, dificilmente temos tempo para isso e, mesmo que penalizados, passamos ao lado, indiferentes.
Hoje, por parte de quem pretende comunicar, exige-se um redobrado esforço e algum talento. Mesmo o comunicador que só transmite aquilo a que um sector específico está disposta a prestar atenção e tem por isso audiência certa, terá que acrescentar sempre algo de novo, se não é ultrapassado.
Aqueles que como eu, só esporadicamente comunicam, se forem lidos, vão-no sendo de forma cruzada, de modo a que o leitor possa apanhar aqui ou ali uma ideia susceptível de suscitar alguma curiosidade. De qualquer modo uma primeira impressão manifesta-se normalmente decisiva.
Como o leitor tem que escolher, e de, para cá chegar, ultrapassar o que lhes parece mais imediato, de entre a variedade que se lhe apresenta, provavelmente só por casualidade terá chegado aqui.
Muitos deixam de escrever, como outros deixam de tentar conversar com alguém, porque é difícil, é necessário muito esforço para mantermos viva a curiosidade, quando aquilo que escrevemos não passa de algo estranho, pela maneira como hoje se encara a vida e o relacionamento.
A melhor maneira de comunicar é aquela que se pode cingir à brevidade de uma mensagem de telemóvel. Mas se é fácil estabelecer uma cumplicidade temporária, indispensável para a eficácia desta forma de comunicação, torna-se difícil, imprevidente, estabelecer a partir daí uma cumplicidade duradoira.Ora nesta forma de comunicar pressupõem-se que na maioria dos leitores, em vez de cumplicidade, haja estranheza. E tem a grande vantagem de ser descartável. Dá-se-lhe uma reviravolta como quem deita um papel ao lixo.